1. Do Monte Cativo às Águas Férreas
(O texto que se segue, relativo ao percurso acima referido é,
em grande parte, baseado no Blogue “ A Vida em Fotos” e uma homenagem à memória daquele que foi o seu administrador - JPortojo)
O perímetro Marquês, Antero de Quental, Serpa Pinto e
Constituição e para Sul entre S. Brás e Monte Cativo, está todo
alterado, de há uns anos a esta parte, com novas ruas e zonas habitacionais.
Seguindo pela Rua Damião de Góis (a nova
ligação que une as ruas de João Pedro Ribeiro e Egas Moniz) na
direcção do Marquês e, metendo à direita, entramos na Rua Alves Redol.
O edifício da foto é, actualmente, o Centro Cultural e
Desportivo dos Trabalhadores da C. M. do Porto. Estamos no velho Monte Cativo.
Por aqui, ainda no fim do século XIX e início do século
XX, estava sedeado o Clube de Caçadores.
O postal anterior apresenta a sede do Clube de Caçadores ao
Monte Cativo.
Monte Cativo que é topónimo muito antigo:
“Era um dos limites do couto do Porto, mencionados
na carta da rainha D. Teresa, de 1120; «...até ao monte que chamam
Pé de Mula, assim pelo Monte Cativis, assim como divide Cedofeita com
Germinade...». Pelo menos até ao século XVII manteve esta forma alatinada
de Monte Cativis com que figura nos registos paroquiais, designadamente num
assento de 1682”.
Assim refere Eugénio Andrea de Cunha e Freitas.
Segundo a Enciclopédia
e Dicionários da Porto Editora, Germinade vem do latim Germinati
e tem a variante Germalde.
Germalde é hoje o Monte da Lapa.
Ali próximo, entroncamos com a Rua do Monte Cativo que ainda
vem da Rua da Constituição, mas é pelas Escadas do Monte que nos
deslocamos (situada em frente ao referido Centro Cultural). Com uma vista por
sobre a antiga Tutoria até à Rua da Boavista.
Atravessando a Rua do Melo temos o antigo Palacete dos Sousa
Melo e a propriedade por onde esteve a velha Tutoria – Ed. JPortojo
As Tutorias da Infância foram criadas em 1911 por Alberto de
Sousa Costa, bacharel da Universidade de Coimbra mas é o padre António Oliveira
que a convite de Afonso Costa elabora a lei publicada por Decreto de 27 de Maio
de 1911.
No entanto, já em 1902, existia uma Casa de Correcção do
Porto, mas no Convento de Santa Clara em Vila do Conde.
Presume-se que a ex-Tutoria está nos terrenos da antiga Quinta
das Águas Férreas ou Quinta de Santo António da
Boavista, que em 1760, pertencia a José de Sousa Melo. Após a morte
deste herdou a propriedade um sobrinho de nome João de Mello e Sousa da Cunha
Souto Mayor que viria a ser o 2º conde de Veiros, por via do seu casamento com
a filha do 1º conde de Veiros e, daí, uma outra designação que se dava a esta
propriedade - Quinta de Veiros.
Esta Quinta das Águas Férreas foi pertença de José de Sousa
e Melo e assim chamada por ter lá existido uma fonte de água medicinal que
se dizia ser medicinal de origem ferrosa.
Este senhor, para além de tesoureiro-geral da Alfândega
do Porto foi Vice-provedor da Companhia Geral de Agricultura e Vinhas do Alto
Douro, Administrador dos Correios do Porto, Inspector das Obras do Edifício da
Academia da Marinha e Comércio, Vereador da Câmara do Porto e Provedor da Santa
Casa da Misericórdia.
A Quinta de Santo António da Boavista passou por várias
vicissitudes. Em 1809, aquando da segunda invasão francesa, serviu de residência
e de quartel-general do general inglês Nicolau Trant que comandou as tropas
anglo-lusas. Após a expulsão dos franceses do Porto, José de Sousa Melo
voltou para a sua residência, mas só esteve até 1832, ano em que D. Pedro IV
entrou na cidade à frente do Exército Libertador.
Sousa Melo que era miguelista saiu do Porto, indo
refugiar-se numa propriedade que possuía na Régua.
Abandonada pelo seu proprietário, a Quinta das Águas
Férreas foi ocupada pelos liberais que nela montaram o paiol da pólvora, que
seria mudado, logo a seguir, para a Quinta do Prado do Bispo (a partir de 1855,
o cemitério do Prado do Repouso), junto ao rio Douro e, depois, o paiol iria
ser transferido para o Monte Pedral.
Na Quinta das Águas Férreas funcionou no seu arranque o
Asilo de Mendicidade.
Em 1861, foi lá instalado o Hospital Militar e, em 1857,
funcionava lá, o célebre Colégio de Nossa Senhora da Guia.
Por aqui, existiu também a quinta chamada Quinta dos Tortulhos, que os liberais
sequestraram em 1833, porque pertencia a José Joaquim Machado que lutou ao lado
das tropas miguelistas.
Outra grande propriedade destes sítios foi a Quinta dos Limoeiros, onde esteve
instalado o colégio Moderno, de raparigas, que para aqui veio das antigas e
modestas instalações da Rua da Boavista.
Hoje, podemos situar aquela quinta, de onde se avistava
então o mar, na área ocupada pelo liceu Carolina Michaelis.
Na foto anterior, nos terrenos da antiga Quinta das Águas
Férreas, um olhar para o Monte da Lapa, com a sua Igreja construída de forma
que fosse visível de qualquer local da cidade.
Atravessada a linha do Metro, encontramos o Conjunto Habitacional
da Bouça.
Este Bairro da Bouça, na Quinta de Santo António, começou a ser projectado logo a
seguir à revolução de Abril, mas só foi completado 30 anos depois. A obra é de
Siza Vieira.
Em frente ao Bairro, na agora pequena Rua das Águas Férreas,
encontramos a Casa da Pedra, propriedade particular, onde residiu o escritor
Oliveira Martins enquanto dirigiu a construção do Caminho de Ferro da
Póvoa e Famalicão. Fez parte da Geração de 70, mais tarde "Os
Vencidos da Vida".
“A Questão Coimbrã” foi o tema. Aqui se reunia o
Grupo dos 5 (Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro,
Oliveira Martins e Antero de Quental).
Antero de Quental tinha na casa um quarto onde
pernoitava muitas vezes, e onde tentou o suicídio pela primeira vez, tendo
sido impedido pelo Oliveira Martins.
Na esquina da casa encontra-se ainda um antigo marco
toponímico.
A Rua das Águas Férreas vai dar à Rua do Melo, que por
sua vez se encontra com a Rua de Burgães e entronca, também, na ainda existente
Rua de Salgueiros, que é hoje uma pequena parte do que foi outrora e, cuja
continuação, é a nova Rua de Cervantes.
Imagem do Google da zona dos Montes Cativo e da Lapa – Fonte:
JPortojo
Nas Águas Férreas, localizavam-se duas icónicas fontes - a Fonte das Águas Férreas e a Fonte do Ribeirinho - indicadas na planta de Telles Ferreira de 1892
Se, na nossa caminhada, voltássemos ao Centro Cultural dos
trabalhadores da CMP, no Monte Cativo, e seguíssemos para nascente pela Rua de
Alves Redol, até encontrar a Rua de Cervantes (antiga Rua de Salgueiros), pisaríamos terreno identificado
antigamente como Salgueiros (onde se localizou a Fábrica de Fiação e Tecidos de
Salgueiros) e, até à Lapa, apreciaríamos todo um espaço amplo e bucólico, que começou
a ser transformado com a construção de alguns blocos habitacionais.
Aquele espaço, situado a nascente da Rua do Melo e que se estende até à Rua de Cervantes confinará, a poente, com terrenos que foram outrora da Quinta das Beldroegas, onde se juntavam o manancial de água que nascia em Salgueiros (manancial de Salgueiros) e o manancial que vinha de Arca d’Água e, que, juntos se dirigiam para o Largo Alberto Pimentel e, depois, para a Praça dos Leões.
Aquele espaço, situado a nascente da Rua do Melo e que se estende até à Rua de Cervantes confinará, a poente, com terrenos que foram outrora da Quinta das Beldroegas, onde se juntavam o manancial de água que nascia em Salgueiros (manancial de Salgueiros) e o manancial que vinha de Arca d’Água e, que, juntos se dirigiam para o Largo Alberto Pimentel e, depois, para a Praça dos Leões.
Entrada da Quinta das Beldroegas, na Rua do Melo, nº 6, com
o portão encimado pela pedra de armas da família Lemos e Vieira – Fonte: Google
maps
Localização da Quinta das Beldroegas - Fonte: Planta de
Telles Ferreira de 1892
Vista de Salgueiros, a partir da Rua Alves Redol, antes de
intervenção
Vista obtida, a partir da Rua de Cervantes, sobre a área a
intervencionar
Estarão ao dispor da população 17.000 m2, sendo que 14.500 foram oferecidos pela “Mercan Properties”, investidora no hotel, à autarquia.
À esquerda, a Rua de Cervantes e, em frente, o novo hotel
Junto do fontanário, ao fundo das Escadas do Cativo,
poderemos, em alternativa, derivar para a Rua de Burgães e iremos sair umas
centenas de metros à frente, à Ramada Alta. O topónimo Burgães, de provável
origem francesa, significa arrabalde ou lugar pequeno junto a uma vila e
aparece já, em 1715, referido em emprazamento feito à colegiada de Cedofeita.
Não se sabe ao certo a origem do topónimo Ramada Alta.
Sabe-se que, existiu aí uma quinta da família Barros Lima,
denominada de Quinta da Ramada Alta, que nada tem a ver com um Francisco
José Barros Lima, que daria o nome a uma rua ao Bonfim.
José Pedro Barros de Lima, nasceu em Refóios do
Lima, Ponte de Lima em 1790.
Morreu no Porto, na Quinta da Ramada Alta (Cedofeita), a
24/10/1847, com testamento feito na Rua 9 de Julho, a 5/10/1847.
José Pedro Barros de Lima era também exportador de vinhos, e
como tal aparece já, em 1818, enviando vinho do Douro para a Bahia, e de novo
em 1827, exportando 13 pipas de vinho para o Brasil.
Em 1834, é um dos subscritores da carta dos negociantes do
Porto agradecendo a D. Pedro IV a revogação dos privilégios da Companhia do
Alto Douro.
A construção de uma casa na “Quinta da Ramada Alta,
Rua 9 de Julho”, da iniciativa de Barros Lima, ocorre em 1841, transferindo-se
da anterior residência, na Rua de S. João.
Um dos filhos de José Pedro de Barros Lima, nascido em 1817,
terá o mesmo nome de seu pai, mas fará a sua vida em Lisboa, onde seguiu a
carreira política, tendo sido Governador Civil do Distrito de Castelo Branco
(1860-1861), Par do Reino, e Conselheiro real.
Foi acionista da Companhia de Viação Portuense que teve, por
decisão régia, o alvará da ligação terrestre do Porto a Braga.
No desenho acima
temos uma vista da cidade, tomada do mirante da casa de José Pedro Barros Lima,
na Ramada Alta. É a única gravura que conhecemos que mostra o Porto de Norte
para Sul e longe do Douro. Lugar privilegiado em que aparece a Colegiada de
Cedofeita (à direita) os Conventos de S. João Novo e de S. Bento da Vitória, a
Igreja da Vitória, o Hospital de Santo António, a Torre dos Clérigos, a Igreja
de S. Lourenço (Grilos e a Sé). Ao fundo, do lado esquerdo, parece ser a Serra
do Pilar e, à direita a Capela de Santa Catarina.
Ao Largo da Ramada Alta onde está uma capela no seu meio,
vão dar, a Rua de Burgães, a Rua de Nossa Senhora de Fátima, a Rua 9 de Julho,
a Rua de Serpa Pinto e a Rua de Barão Forrester.
A Rua de Nossa Senhora de Fátima foi, em tempos, a Rua
das Valas. Nasceu de uma tortuosa e estreita Viela das Valas que teve
existência desde 1835 e que descia do lugar da Falperra, nome anterior da
Ramada Alta, até ao sítio do Bom Sucesso.
O sítio das Valas já é referido em 1731, "defronte
da capela do Bom Sucesso", num auto de vistoria e, por isso, não tem
nada a ver com balas de lutas do Cerco do Porto, acontecido só em 1832/33.
A Rua 9 de Julho, que antes foi Rua da Ramada Alta, existe
em memória do dia, em 1832, em que D. Pedro IV passou por lá, depois de
desembarcado nas praias de Pampelido.
Antigamente, ia-se para o Carvalhido (antes da abertura da
Rua Oliveira Monteiro em 1868) pela actual Rua 9 de Julho.
A Rua Oliveira Monteiro ficou conhecida pela “Estrada
do Carvalhido à Boavista”.
Aquando do levantamento da Praça da Boavista, em 1872,
depois de arranjos nas imediações dela e da abertura da nova “Estrada do Carvalhido à Boavista”,
cujo traçado foi aprovado em sessão da Câmara de 1871, já surge na respectiva
planta a denominação de Rua das Balas, que ia para a Ramada
Alta, confinando, a sul, com terrenos de Margarida Constança Ribeiro e França.
A partir de 20 de Agosto de 1942, a Rua das Valas seria,
finalmente, a Rua Nossa Senhora de Fátima.
Perspectivas idênticas obtidas sobre a Rotunda da Boavista, a
partir da Rua Nossa Senhora de Fátima, em 1949 e 2022, respectivamente. Na mais
antiga, observa-se que o monumento comemorativo da Guerra Peninsular ainda está
em obras, pois só seria inaugurado em 1951
No início do séc. XIX, a Falperra foi escolhida, por razões
que se desconhecem, como bairro dos pescadores de Ovar que para aqui imigraram,
bem como, para a Afurada e Ouro. Estes vareiros portuenses passaram a ser
conhecidos como vareiros do Carvalhido e, a Falperra, englobando a Rua 9 de
Julho era um bairro de mercadores de peixe e mariscos, que se organizavam em
ranchos como devotos do Senhor da Pedra quando se deslocavam à romaria gaiense.
A Rua 9 de Julho ao chegar ao Carvalhido apresenta um
cruzeiro chamado, o Senhor do Padrão, paragem de caminhantes que demandavam
Viana ou a Maia.
Por outro lado, a Rua Barão de Forrester, que deve o seu
topónimo ao barão de Forrester que por lá teve a sua residência e que, até fins
do século XIX, foi continuação de Cedofeita.
O local fazia parte do antigo Sítio do Ribeirinho, nome
que tomo por aí passar um pequeno regato que corria ao longo de várias quintas:
a Quinta das Águas Férreas dos
Sousas e Melos, viscondes de Veiros; a Quinta
da Pedra onde viveu no séc. XIX Oliveira Martins; a Quinta dos Tortulhos ocupada pelos liberais em 1833 ao miguelista
José Joaquim Machado; a Quinta dos Limoeiros onde esteve o
Colégio Moderno; e outras.
O grande ex-libris do Largo da Ramada Alta é, todavia, sem
dúvidas, a sua Capela do Senhor da Agonia que tem como orago o Senhor do
Calvário. É um templo modesto que, em 1838, beneficiou de obras de restauro e
ampliação, que foram financiadas tais como a edificação da torre sineira por um
cidadão espanhol de nome António Miguel Garcia que tem o seu retrato pintado a
óleo no interior da capela e uma lápide na frontaria. A Capela da Ramada Alta,
como é conhecida, ficava num dos caminhos percorridos pelos romeiros que desde
a Torre de Pedro Sem se dirigiam sobretudo às festas da Senhora da Hora, em
Bouças (Matosinhos), depois de passarem por Ramalde.
Em 28 de Maio de 1907, D. Carlos concedeu-lhe o título de
"Capela Real".
Na foto acima, a placa ajardinada, atrás da capela, já não
existe, bem como o edifício, ao fundo, à direita.
A Ramada Alta foi ainda um posto de barreira para cobrança
do “ Real de Água” desde 1836, quando o governo decidiu colocá-los em redor da
cidade em locais estratégicos tais como Massarelos,
Pena, Vilar, Bom Sucesso, Valas (Nossa
Senhora de Fátima), Carvalhido, Águas Férreas, Salgueiros, Sério (Antero de Quental), Aguardente (Marquês), Congregados (Rua da Alegria), Doze
Casas, S. Jerónimo (Santos Pousada), Bonfim, Corticeira, Campanhã e Guindais.
Ainda nas imediações da Ramada Alta, a Rua de Serpa Pinto
foi rasgada entre 1837 e 1844, a fim de ligar a Ramada Alta e o Matadouro
Municipal.
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