A Praça dos Poveiros recebeu a actual denominação, em
homenagem aos pescadores da Póvoa do Varzim, portugueses residentes no Brasil,
rebeldes contra a lei que em 1921, os obrigava a naturalizarem-se cidadãos
brasileiros. As autoridades brasileiras nacionalizaram então a actividade
piscatória. Dali em diante só poderiam exercê-la os nacionais brasileiros ou
quem se naturalizasse como tal.
Para os poveiros isso equivaleria a renunciarem à sua
pátria, a renegarem a sua terra natal.
Os poveiros não hesitaram: preferiram ser repatriados,
regressando à sua Póvoa, deixando o trabalho assegurado e o bem-estar conseguido
por anos de árdua labuta, trocando tudo por um futuro incerto.
Foi um acto de exemplar patriotismo, uma demonstração
abnegada e comovente de amor à terra natal, e constituiu um dos factos mais
marcantes na vida nacional, celebrado por toda a imprensa da época.
A cidade do Porto assinalou o memorável exemplo de
patriotismo com o topónimo “Praça dos Poveiros” com que passou a designar-se a
antiga Praça de Santo André.
A designação, como já notou Horácio Marçal, é infeliz,
porque nada diz da intenção, e nem mesmo todos os pescadores eram naturais da
Póvoa de Varzim e havia-os de muitas outras procedências.
No moderno Largo dos Poveiros, existiu também a capela de
Santo André e de Santo Estêvão, demolida em 1863 em sequência do prolongamento
até esse largo da Rua da Alegria decisão tomada pela Câmara desde 1858.
Porém, para tal, foi
preciso negociar com a S. C. Misericórdia, pois a capela estava-lhe entregue.
Só após longas e difíceis conversações chegaram a acordo. Aquela, impaciente,
procedeu à profanação da capela. Só em 1863 foi demolida e os trabalhos foram
concluídos em 1865, com o alinhamento dos passeios.
“Crónica religiosa: ontem houve festa
de N. Srª do Socorro, em Santo André (praça dos Poveiros), com missa da
Infantaria 2.”
In jornal “Periódico
dos Pobres” de 13 de Agosto 1849
As imagens mais
veneradas da Capela de Santo André, as de Santo André e de Nossa Senhora do
Socorro, estavam, em 1905, no Colégio das Órfãs. Actualmente, estão no Colégio de Nossa Senhora
da Esperança, na sua igreja.
Imagem de Santo André na Igreja de Nossa Senhora da Esperança - Ed. Graça Correia
Antes da capela ser levantada,
talvez, na segunda metade do século XVII, c. 1685, existia um nicho que
pertencia a um tal Estevão, pedreiro que vivia ali perto. Um dia, o nicho foi
transformado em capela com o santo protector do referido pedreiro - Santo
Estevão.
Em terreno anexo a
essa capela, funcionava um cemitério que servia os hospícios vizinhos, na
alçada da Misericórdia, das Lázaras e Lázaros.
Como se sabe, às
pessoas que morriam de lepra não lhes era dada autorização para serem
sepultadas no interior das igrejas como então era de uso.
Nos referidos
hospitais eram internados os gafos, doentes que sofriam da terrível doença da
lepra, altamente contagiosa. O medo do contágio era tal que as igrejas recusavam
receber no seu interior corpos de doentes que tinham morrido da lepra.
Foi para obviar a
este inconveniente que a Misericórdia viria definitivamente a adquirir e tomar
conta da administração da capela, em 5 de Setembro de 1721, tendo-a ampliado e
colocado sob a proteção de um novo patrono (Santo André) e, ainda, de um amplo
terreno que a circundava onde, antes, já eram sepultados os irmãos da
confraria, zelando em consequência, pelo culto na capela, à sombra de um
cruzeiro de granito em que se representava Cristo na cruz.
Acontece que, o povo
manteve, face ao novo patrono, o velho costume de a designar por capela de
Santo Estêvão, tendo a edilidade portuense mantido, no seu interior, o altar
do primitivo padroeiro e o do novo patrono, passando o pequeno templo a ser conhecido
por capela de Santo Estêvão e Santo André.
Planta com traçado
proposto para o aqueducto de Mijavelhas, por Teodoro de Sousa Maldonado, em 11
de Junho de 1795
A Planta acima
mostra a zona entre a Capela de Santo André (1), que já existia em 1795, há
cerca de cem anos, com o seu cemitério que hoje corresponderá ao Largo da
Ramadinha e a Rua do Senhor do Bonfim (2), mostrando ainda a arca de água (3)
junto à Ponte das Patas (4), o traçado do aqueduto que daí partia para a cerca
do Convento de Santo António (5), Campo de São Lázaro e fonte.
De notar que o
contíguo Recolhimento das Orfãs, em S. Lázaro, foi fundado em 1724.
Todos os anos a 30
de Novembro, no dia de Santo André, que para nós anda ligado à matança do
porco, havia grande festa e arraial com tendas de comes e bebes e, fazia-se
ainda, uma célebre feira de sementes, utensílios para os trabalhos da lavoura
e ferragens.
“O historiador do Porto, Henrique Duarte e
Sousa Reis, que escreveu uns "Apontamentos para a história da cidade do
Porto" nos meados do século XIX, referindo-se, à capela de Santo André,
diz que ela foi construída "pelo Senado (a Câmara) à custa da cidade,
visto ao tempo caber a esta entidade a administração dos hospitais, capelas e
ermidas que havia no Porto". Disse mais aquele historiador que "a
capela foi fundada para uso dos gafos ou leprosos que a ela iam ouvir
missa"”.
In JN, Germano Silva
Por outro lado, sabe-se que houve inumações na capela.
Um dos corpos que ali foi sepultado foi o de Francisco
António de Revelier, o fundador, em data anterior a 1804, do Recolhimento de Nossa Senhora das Dores,
vulgarmente conhecido pelas Velhas do
Camarão, por ser no largo com este nome que ficava a sede da instituição. Tendo
falecido em 2 de Março de 1819, no seu testamento, aquele benemérito deixou
expresso este seu desejo: "determino
que quando for vontade de Deus levar-me da presente vida, meu corpo seja
amortalhado no hábito de S. Francisco e sepultado na capela de Santo André com
o acompanhamento da Santa Casa da Misericórdia de que sou irmão".
Aquele lar/recolhimento, também chamada de Casa Pia de Nossa Senhora das Dores
viria a dar à antiga travessa de S. Lázaro para as Fontainhas o nome de Rua da
Senhora das Dores em 1833, segundo Eugénio Andrea da Cunha e Freitas,
“Toponímia Portuense”, p. 317.
“Aqui, na esquina
do Largo do Camarão, funcionou um curioso recolhimento que passou à história
com o nome de «Recolhimento das Velhas do Camarão». Foi fundado por Francisco
António Revelier e sua mulher, Inácia Maria, junto à Travessa de S. Lázaro «que
vai para as Fontainhas», que é a atual Rua da Senhora das Dores. Não se conhece
a data exata da fundação deste recolhimento mas sabe-se que já existia em 1804
porque uma escritura de doação desse ano refere-se a «um chão sito junto à casa
do recolhimento…»”.
Fonte: Germano Silva
Em 1849, abriria,
por aqui, o Hospital de S. Bernardo, como nos dá conta uma notícia da
imprensa da época.
“5 de agosto de 1849 – Abertura do novo
Hospital de S. Bernardo, no largo do Camarão, sendo protectora a Condessa do
Casal e diretor D. Epifânio Asturdillo, com Botica própria”.
In jornal “Periódico
dos Pobres no Porto” de 9 de Agosto de 1849, p. 749 – Cit. de “Porto
Desaparecido”
A condessa do Casal
era casada com José de Barros Abreu Sousa e Alvim (1793-1857), um general de
Divisão, que uns meses antes tinha, ao lado do governador civil, acompanhado o
rei Carlos Alberto, na sua chegada ao Porto, a 19 de Abril de 1849, desde do
Carvalhido, até à estalagem do Peixe.
Três anos antes, o
que viria a ser, a partir de Janeiro de 1847, o conde de Casal, estava por
Valença, onde comandava as forças que se conservavam fiéis ao governo de
Lisboa, durante a guerra civil, terminada com a convenção de Gramido.
Foi um dos bravos
que desembarcaram, em Pampolido, com D. Pedro IV, chegando a ser nomeado
governador de Trás-os-Montes por D. Maria II e par do reino desde 1849.
Largo do Camarão em
Planta de Telles Ferreira de 1892
Largo do Camarão em Planta de W. B. Clarke de 1833
Na planta acima a azul vê-se o traçado do que seria a Rua de S. Víctor e a amarelo a Praça da
Alegria.
Na planta acima observa-se o Beco do Arrabalde, a Rua Nossa Senhora das
Dores e a Rua de S. Dionísio dos nossos dias e, entre estas duas, se situava o
Largo do Camarão.
À desaparecida capela de Santo André andava ligada uma
curiosa lenda. À volta de um retábulo das Almas do Purgatório que havia no
interior da capela, cresceu uma profunda devoção. Era tão grande e tão arreigada
essa crença popular, que havia quem acreditasse que por altas horas da noite as
portas da capela se abriam por si e por elas saíam as almas em procissão
regressando ao templo já de madrugada, antes do romper do sol.
Pensa-se que a entrada principal da capela era virada a
poente e feita através de pequeno lanço de escadas, que segundo o Padre
Patrício, reitor do “Colégio dos Orfãos”, em 1905 escrevia, que a escadaria da
capela se abria “para o lado do antigo sítio do Campinho e da Pocinha”.
Neste largo realizava-se em tempos uma feira da erva e diariamente
um mercado de hortaliças.
Uma Rua de Santo André ainda existe nas imediações ligando a
Rua Santo Ildefonso e a Rua do Campinho.
Capela de Santo André e Santo Estevão em 1856 em desenho de
Francisco José de Sousa
Planta de Joaquim Lima Júnior em 1839
Na planta acima a letra A
indica o local de implantação da capela de Santo André e Santo Estevão e, em
1839, a Rua Direita de Santo Ildefonso era Rua 23 de Julho e a letra D a Viela dos Pardieiros.
A viela no canto superior esquerdo que desemboca na Rua 23
de Julho, com a letra C foi a Viela
do Caramujo e com as letras E e B, respectivamente a Rua de Santo André
e Rua do Campinho.
Na remodelação do espaço do Largo de Santo André
desapareceram vários topónimos. É o caso da Viela do Caramujo, quando
se abriu a Rua da Alegria (após o fim das lutas liberais), e que correspondia
ao troço da Rua da Alegria que agora vai da Rua Formosa à Praça dos Poveiros e
desapareceram igualmente, outras artérias ao longo dos tempos como a Viela
dos Pardieiros que era a continuação da actual Rua do Campinho.
A foto acima é do início do século XX. À direita ficou em
tempos a Viela do Caramujo.
O local ocupado pelo edifício central da foto acima, onde
está o “Restaurante Ribeiro” tinha o aspecto da foto abaixo.
A Rua da Alegria, inicialmente, situava-se entre a
embocadura da actual Rua da Firmeza e a Rua Formosa, facto bem observável na
planta abaixo. O prolongamento até ao Largo de Santo André, hoje Praça dos
Poveiros, foi projectado somente a partir de 1857 mas, as obras, só começaram
em 1863 e deram origem, naquele tempo, a profundas alterações no tecido urbano
daquela zona.
Este troço viria a substituir a Rua do Caramujo.
Planta de Balck de 1813 em que o trajecto AB indica a Rua da
Alegria
Em 1916, por iniciativa do vereador Elísio de Melo, começam
as demolições das construções, que permitem desafogar o Largo de Santo André e,
assim, permitir o prolongamento da Rua Passos Manuel.
Planta do Largo de Santo André em 1911
Perspectiva obtida a partir da seta 1, da planta de 1911
Perspectiva obtida a partir da seta 2, da planta de 1911. À
esquerda desenvolveu-se a Praça dos Poveiros
Mesma perspectiva da foto anterior
Praça dos Poveiros onde estava o “Restaurante Ribeiro”- In
JN
Largo de Santo André em perspectiva obtida a partir da seta
3, da planta de 1911 – Fonte: Guido de Monterey, “O Porto Origem, Evolução e
Transportes”. Edição do Autor
O quiosque da foto acima, que inicialmente foi instalado no
Largo de Santo André (1930) e, que com a urbanização da Praça dos Poveiros foi
colocado no Largo da Ramadinha em 1948, está desde 2003, na Praça Carlos
Alberto.
O quiosque é uma réplica do original mandado construir pela
Câmara Municipal do Porto. Construído em madeira, de planta hexagonal, estilo Romântico,
está classificado como Imóvel de Interesse Municipal, na sequência do decreto
2/96, publicado no Diário da República a 6 de Março.
O quiosque na Praça Carlos Alberto - Fonte: pt.wikipedia.org
A Praça dos Poveiros ostentou também o topónimo de Largo
da Feira da Erva por aí se fazer, em tempos, o mercado desse produto.
À Rua de Santo André encontramos
referências em 1692 e chamava-se Mijavelhas a todo o espaço que hoje
compreende a Rua do Morgado de Mateus, (que se chamou primeiro Rua
do Mede Vinagre e da Murta) e o Poço das Patas (hoje Campo 24 de
Agosto).
Por aqui, esteve a forca até 1714, ano em que o Senado
deliberou mudá-la para a Ribeira.
A ribeira de Mijavelhas, que desaguava no Douro, caindo lá de
cima do Monte do Seminário, passava pelo que é hoje a Rua Duque da Terceira e
Rua Duque de Saldanha e Largo Baltasar Guedes e fazia mover no seu percurso,
numerosas azenhas que por lá existiram.
Entre os Poveiros e o Largo do Padrão ia-se em tempos pela Rua
direita do Padrão das Almas (Rua Santo Ildefonso). No Padrão existia um
cruzeiro com o nome de Senhor do Amor Divino das Almas. O cruzeiro encontra-se
no cemitério do Bonfim desde 1869.
Cruzeiro do Largo do Padrão das Almas actualmente
Junto ao actual Largo do Padrão, existiu a Viela
dos Capuchos, que por meados do século XIX, era uma simples artéria
estreita e sinuosa que ligava o antigo Largo do Padrão das Almas ao
convento dos frades franciscanos menores da Província da Conceição (Antoninhos
de Santo António da Cidade) também conhecidos por Capuchos (daí a designação da
viela) em cujo mosteiro, construído no ano de 1783, nos terrenos do antigo
Campo de S. Lázaro, se instalou, em 1842, a Biblioteca Pública Municipal.
Quando, em 1843, se começou a rasgar a rua que hoje tem o
nome de D. João IV, a Viela dos Capuchos desapareceu, absorvida pelo novo
arruamento.
O projecto da nova artéria previa que ela começaria em S.
Lázaro e prolongar-se-ia até ao sítio da Cruz das Regateiras, junto ao Hospital
do Conde de Ferreira, o que nunca aconteceu, por dificuldades surgidas com as
expropriações.
Com a Viela dos Capuchos, também levaram sumiço a Rua
do Poço das Patas, a Rua de Brás de Abreu, artérias que,
nos meados do século XIX, integravam o tecido urbano das imediações do actual Largo do Padrão por onde, segundo uma antiga
tradição, era costume passar uma procissão chamada de Santo António, e que era
"uma procissão familiar”, não se tratando, porém, da tradicional festa ao
Santo Antoninho da Estrada.
Tudo se terá passado no último quartel do século XIX. Um
paroquiano do Bonfim, de nome António Jacinto Pinto Banha, funcionário superior
da empresa dos Caminhos de Ferro do Douro e Minho, ofereceu uma imagem de Santo
António, de que era devoto, à confraria do Senhor do Bonfim e da Boa- Morte.
Era essa imagem que os devotos de Santo António levavam em
procissão por algumas ruas da freguesia em 26 de Julho de 1894.
“…Da paroquial do
Bonfim, cujas obras de construção, iniciadas em 1874, tinham acabado
exactamente nesse ano de 1894, ou seja, vinte anos depois, saiu "uma linda
procissão" que rumou "ao antigo Campo do Poço das Patas" (actual
Campo 24 de Agosto); subiu "pela Rua de S. Jerónimo" (a Rua de Santos
Pousada dos nossos dias); prosseguiu pelas "antigas travessas da Alegria e S. Jerónimo", (que, uma vez unidas,
vieram a dar a actual Rua da Firmeza); continuou pela Rua da Duquesa de Bragança (depois, Rua de D. João IV); atravessou
o Largo do Padrão das Almas, assim
denominado por causa de um cruzeiro que lá existia da invocação do Senhor do
Amor Divino e Almas, retirado do local em 1869; e pela Rua de 23 de Julho, hoje Rua de Santo Ildefonso, a procissão
recolheu à igreja de onde havia saído.”
Com a devida vénia a Germano Silva
Voltando à Praça dos Poveiros, ela está ainda ligada à proclamação da
República Brasileira, pois, na fachada do nº 68 tem uma placa evocativa ao
facto histórico referido, por aí ter estado instalado o Centro Democrático Federal
15 de Novembro.
Nesta data do ano de 1889, foi proclamada a República do Brasil pelo
general Deodoro da Fonseca, tendo sido a bandeira deste centro que esteve também,
por breves momentos içada nos Paços do Concelho, aquando do malogrado 31 de
Janeiro de 1891, no dia da falhada revolução republicana do Porto.
Centro Democrático Federal 15 de Novembro, no prédio mais à direita
Praça dos Poveiros, em meados do século XX, com a icónica Relojoaria Aguiar à direita da foto
Existe uma Rua 15 de Novembro, dia da proclamação da república no Brasil, unindo a Rua dos Vanzeleres e a Avenida da Boavista.
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