domingo, 11 de junho de 2017

(Continuação 3)

18.5 Campo 24 de Agosto e ribeira de Mijavelhas


Em 24 de Agosto de 1820 eclodiria no Porto no Campo de Santo Ovídio (actual Praça da República), uma revolução que aproveitava a ausência no Brasil do comandante inglês, Beresford, levada a cabo por um grupo militar fundado por Manuel Fernandes Tomás, denominado Sinédrio. Aquela data, viria a dar desde 1 de Agosto de 1860 nome ao primitivo Campo de Mijavelhas, como Campo 24 de Agosto.
Este local teve várias denominações ao longo da história.
Na Idade Média, denominava-se Campo de Mijavelhas.
Depois, seria O Poço das Patas (sendo que uma ponte conhecida por Ponte do Poço das Patas foi construída em 1700, e demolida cerca de 1850) e, em 1833, era o Campo da Feira do Gado (aí ali realizava-se um mercado de gado bovino) e, também, a partir de 1839, o Campo Grande. 
Aquando da invasão francesa do general Soult, na qual os soldados invasores entraram na cidade a 28 de Março de 1809, os vereadores da Câmara seriam intimados,  segundo uma testemunha da época, a proceder, "no prazo de vinte e quatro horas, ao enterramento de todos os cadáveres que se têm tirado do rio e existem pelas ruas da cidade", e continuava: "(…) e como os franceses haviam proibido os en­terros no interior das igrejas e nas cercas dos conventos onde estivessem a funcionar hos­pitais ou quartéis, ao serviço deles, muitos mortos foram sepultados numa bouça acima da feira do gado".
Aquela bouça situava-se no antigo sítio de Mijavelhas, ou do Poço das Patas, actual Campo de 24 de Agosto, onde, por aquele tempo, se fazia uma importante feira de gado. Diga-se ainda que, na sua fuga, ficaram em diversos hospitais da cidade cerca de 4000 franceses feridos. 
Em 1 de Agosto de 1860 por decisão camarária, foi designado Campo 24 de Agosto. Um arruamento adjacente, hoje a Travessa do Campo 24 de Agosto, chamou-se em tempos Monte das Feiticeiras e ligava à Travessa de Montebelo.
Entre os mananciais para abastecimento de água mais importantes da cidade, estava o manancial ou aqueduto do Campo Grande.
Uma das fontes que beneficiava da água daquele manancial era a “Fonte de Mijavelhas”. Esta fonte ficava situada onde se encontra hoje a estação do metro do Campo 24 de Agosto.


“Quem já usou a referida estação deve ter reparado com toda a certeza no achado arqueológico que foi encontrado no local e que retrata aquela que foi a “Arca de Água de Mijavelhas” antigo chafariz, reservatório. A sua reconstrução aviva a memória de todos os portuenses e relembra a sua história”.
Fonte: “monumentosdesaparecidos.blogspot.pt”



O contrato para o abastecimento de água ao domicílio, feito entre a Câmara do Porto e a Companhia (Compagnie Général des Eaux pour l'Etranger), é de 22 de Março de 1882.
Isto quer dizer que, até àquele ano, os cidadãos do Porto que não tivessem poços privados, abasteciam-se nas fontes e nos chafarizes que estavam espalhados por toda a cidade.
Por sua vez, as fontes e chafarizes eram abastecidos por água proveniente de vários mananciais.
Os mais célebres eram: o de Paranhos ou Arca d'Água, por ter nesta última localidade as nascentes, que eram três; o de Camões e o da Aguardente (actual Praça do Marquês de Pombal); e outros, entre os quais estava o manancial ou aqueduto do Campo Grande, que abastecia um significativo número de fontes e chafarizes.
Neste local passava um regato conhecido por Ribeira de Mijavelhas e também por Ribeira das Lavadeiras ou ainda, Ribeira do Poço das Patas.
O topónimo Mijavelhas, já assim chamado no séc. XIV, é uma designação pitoresca que teve origem, segundo uma antiga tradição, por ser ali que as mulheres se "aliviavam" quando vinham de Valongo e São Cosme à cidade, para vender produtos agrícolas e pão nas feiras de São Lázaro.
Tinha, na confluência das actuais Ruas do Duque da Terceira e Morgado de Mateus, bem perto da residência dos Cirnes, 

“uma ponte com uma largura de 4 metros e assente sobre um arco de granito. Foi mandada construir pela câmara municipal no ano de 1700 com o fim de melhorar o trânsito da estrada Porto-Valongo, que nesse ponto descia até ao riacho e do riacho subia até ao Bonfim. Quer dizer: o rio de Mijavelhas, nesse sítio, corria ao longo de uma pronunciada fundura. Passados 150 anos, ao nivelarem toda a zona do Campo Grande, ficou a ponte soterrada… Na frente do actual casario, quase no ângulo da Rua do Bonfim, havia, ainda, abaixo do nível da rua, a Arca d’Água do Poço das Patas, alimentada por aqueduto pela citada nascente com frontispício de pedra encimado por brasão régio.”
In Tripeiro, Série VI, Ano XII



Esse local passaria a chamar-se Poço das Patas devido às características alagadiças do terreno que originava a formação de grandes poças que as “patas” frequentavam e a ponte atrás referida era a Ponte do Poço das Patas.
Pelo Poço das Patas esteve a Casa da Pólvora.
Sobre o ribeiro de Mijavelhas um outro texto da Sociedade Metro do Porto diz:



“…Estes trabalhos permitiram registar uma ocupação do local entre o Séc. XIV e o Séc. XIX, com 4 grandes marcos na sua construção: 1.º, no século XIV, antes de 1384, a sua fundação, com a construção do chafariz de Mijavelhas que consistia numa fonte de mergulho; 2.º, no Séc. XVI, antes de 1548, com o seu alteamento em arca e a pavimentação de uma área extensa na envolvente; 3.º, no Séc. XVII, depois de 1633, a ligação à cidade, pela alimentação da fonte da rua Chã, construída a propósito; 4.º, no Séc. XIX, ano de 1819, com a ampliação de que resultou o reservatório arcado. 
Em paralelo, a partir do século XVIII, este espaço sofreu um paulatino assoreamento, possivelmente devido à construção logo a jusante da Ponte das Patas, em 1700. 
Até que, por este, desapareceu o primitivo vale da ribeira de Mijavelhas. De destacar no início desse processo, a acumulação acidental de um depósito rico em materiais invulgares. 
Mas, de toda esta estratificação, será de, sobremaneira, realçar a intervenção do século XVI assinalada com armas reais de D. João III (?). Num certo esforço de organização proporcionada do novo espaço, o indício de possível presença de um programa arquitetónico renascentista, plausível à luz do ambiente cultural vivido, à época, no Porto, e que é por alguns historiadores designado de Renascimento de granito do Norte. 
…Investimento certamente justificado pela sua localização junto à saída da cidade para a "Estrada de Valongo e além.
Em inícios do século XIX, ainda este local se encontrava na zona periurbana do Porto, na sua saída para a "Estrada para Valongo e além". 
Remonta a sua definição atual a 1850, altura em que a Câmara executou um aterro com vista à regularização da sua topografia e subsequente urbanização. Tal implicou o encanamento da ribeira de Mijavelhas e o soterramento da Ponte das Patas, construída no ano de 1700”.



Foz da Ribeira do Poço das Patas no rio Douro



No séc. XIX havia duas feiras neste espaço, a do gado bovino, que se realizava às terças e sextas-feiras que já funcionava em 1833 e passou, em 1868, para o Largo da Póvoa de Cima, actual Praça da Rainha D. Amélia e a de cavalos, que era mensal, só em 1892 foi mudada para a Praça da Corujeira.
Uma capela da invocação da Senhora da Saúde existiu nas imediações do actual Campo de 24 de Agosto, em frente, mais ou menos, à Rua do Duque de Terceira, encontrando-se nela guardado o cruzeiro, transladado por meados do século XIX, do seu local de implantação original na aldeia da Formiga na confluência da Viela de Sacais (actual Travessa do Bom Retiro) com a Rua do Heroísmo.
Bem perto desta capela, junto à residência dos Cirnes, teria existido uma outra de formato redondo, onde iam rezar os condenados antes de subir ao patíbulo em Mijavelhas. Era conhecida por ”Capela do Poço das Patas”, desaparecida no século XVIII.
Outra Capela existiu, por essas bandas, da invocação de S. José que se si­tuava um pouco além da saída da Rua de Santo Ildefonso.


“Nessa zona existiu, uma capela da invoca­ção de S. José, propriedade de um tal Jo­sé Lopes, cónego da Sé, e que se situava, sensivelmente, um pouco adiante da en­trada da Rua de Santo Il­defonso, naquele espaço que fica entre esta artéria e a Rua do Duque de Tercei­ra, "na margem direita do Poço das Patas, antes da entrada na ponte", lê-se numa notícia dos meados do século XIX”. 
Fonte: Germano Silva



O jardim, existente é melhorado nos primeiros anos da República, entre 1912 e 1914, a maior parte das suas árvores são ainda originais da altura da sua criação. Normalmente usado como local de passagem, este jardim de forma triangular integra um lago irregular à volta do qual predominam cedros e camecíparis ainda jovens. O jardim é dominado a norte por um miradouro que aí foi edificado, aumentando o declive natural do terreno. Em torno do jardim plantaram-se plátanos. A sul encontra-se uma série de jacarandás originários do Brasil, bastante raras no norte do país. Destaca-se no jardim uma escultura representando Afonso Costa.




Campo 24 de Agosto antes da explosão industrial



Campo 24 de Agosto - Ed. Alberto Ferreira - Batalha-Porto



Perspectiva da foto anterior. Actualmente, os prédios 1, 2 e 3 parecem coexistir




Campo 24 de Agosto antes de eclodir a explosão industrial



No início do séc XX, neste espaço, foi implantada alguma indústria importante, podendo observar-se, em sequência, várias chaminés de fábricas, na foto e postal, que se seguem.



Campo 24 de Agosto, no início do século XX





Campo 24 de Agosto, em 1919 - Fonte: “Bosspostcard, Delcampe”



Jardim no início do século XX – Fonte: Arquivo Municipal do Porto




Foto actual e estátua de Afonso Costa - Fonte: Panoramio.com




Mapa do Campo 24 de Agosto, em finais do século XIX

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