quinta-feira, 1 de junho de 2017

(Continuação 4) - Actualização em 05/07/2018

17.8 Convento de Monchique, Armazém do Cais Novo e Casa da Moeda

O senado da Câmara, em sessão de 16 de Março de 1443, opôs-se ao fidalgo Fernão Coutinho, na pretensão dele edificar umas casas em Monchique, e de permanecer na cidade mais de três dias, de acordo com os privilégios dos cidadãos do Porto, que lhe vedava a ele, e a todos os fidalgos, terem residência no burgo.
Devido a alguns daqueles privilégios, os fidalgos não podiam ainda, por exemplo, comprar casa ou herdade ou criar filho ou filha.
Estas medidas resultavam de um acórdão da Câmara de 23 de Maio de 1350, e que vieram a tornar-se extensivas aos clérigos poderosos (entenda-se bispos, abades ou cónegos), a quem era proibido morar intra-muros e nenhum vizinho podia alugar-lhes casas, sob pena do pagamento de uma multa. Ao contrário, os clérigos menores poderiam morar no Porto e alugar casa, numa área definida em lei.
O litígio com Fernão Coutinho só se resolveria em 1447, depois de intervenção do rei, o regente D. Pedro, a favor do fidalgo, abrindo uma excepção e autorizando-o a viver no Porto um mês e meio, por ano (em lapsos de tempo não superiores a 15 dias), mas com o impedimento da construção das casas.
D. Pêro da Cunha Coutinho, filho de Fernão Coutinho, após a morte do seu pai, continuou a habitar no Porto e, mais uma vez, a cidade se insurgiu contra o abuso, declarando que a autorização de excepção era apenas válida para seu pai.
Mais uma vez o rei, agora D. Afonso V, numa visita que fez ao Porto na companhia da rainha D. Isabel, interveio a favor do fidalgo e tentou conseguir uma autorização para o Coutinho permanecer no burgo 3 meses por ano, o que lhe foi negado.
Em 1502, D. Manuel I retirava ao Porto o privilégio de não albergar nobres, pelo que, os cidadãos da cidade consideraram uma ofensa aos seus privilégios e liberdades centenárias. Consideravam os portuenses que se pretendia favorecer D. Pêro da Cunha Coutinho.
E estavam certos, os portuenses, dado que, em carta de 7/7/1503, o rei dava razão ao fidalgo, que isentava da obrigação de não permanecer na cidade mais de três dias e ainda de proceder a umas obras numas casas que tinha para Monchique. Porém, dada a oposição continuada da Câmara, em 17/3/1505, D. Manuel revogava a anterior decisão embora, agora, com a restrição de não poder habitar no Porto qualquer fidalgo com um ofício e dele vivendo. Contudo, a edificação das casas em Monchique continuou por decisão Real.
D. Pêro da Cunha Coutinho e sua mulher, D. Beatriz de Vilhena, viveriam em Monchique, sendo a partir desta casa que se estabeleceria, mais tarde, o Convento de Monchique, cedendo os paços para esse efeito e dotando o convento com inúmeros bens.
Em 18 de Junho de 1533, foi estabelecido o contrato de construção do convento de Monchique (no local da antiga sinagoga), por iniciativa de D. Brites de Vilhena (do palacete das Sereias), sendo arquitecto Diogo de Castilho. No ano seguinte, terminou a construção do edifício. 
O Convento da Madre de Deus de Monchique como era também conhecido, era feminino e pertencia à comunidade Franciscana, de forma de vida Mendicante, da ordem dos Frades Menores e à Província de Portugal da Observância de Santa Clara.
Em 1534, foi portanto fundado o Convento de Monchique, no sítio de Monchique (local onde muito antes existiu uma sinagoga, em pleno território da judiaria) na freguesia de Miragaia, fora dos muros da cidade do Porto.
Em 1535, pela bula "Debitum Pastoralis Officii" do papa Paulo III, de 12 de Novembro foi autorizada a fundação do convento de Monchique, à época em que o bispo do Porto era D. Pedro da Costa (1507-1535). 
Os fundadores doaram ao convento os padroados (o padroeiro, aquele que administrava o padroado, tinha por autorização papal, a possibilidade de cobrança do dízimo eclesiástico) das igrejas de São Vicente de Cidadelhe (Mesão Frio), no bispado do Porto e de Santa Maria do Sovral e da Velosa, no bispado da Guarda. 
A fundadora conseguiu, ainda, que o papa lhe concedesse vários privilégios. 
Obteve então, licença para nomear as primeiras religiosas, a faculdade do convento guardar todos os bens que ela lhe concedesse, a possibilidade de eleger como confessores sacerdotes seculares não havendo frades nem capelão e, ainda, que ela própria e a abadessa pudessem ordenar algumas leis para o governo da casa. 
Em 1538, acolheria as primeiras 4 religiosas, já observantes, vindas do convento de Santa Clara de Coimbra, para inaugurar o de Monchique, sendo a primeira abadessa Dona Isabel de Noronha, filha de Rui Teles de Meneses. 
A fundadora foi sepultada na capela-mor do convento, deixando a comunidade como herdeira de todos os seus bens.
Leocádia da Conceição entrou neste convento aos 14 anos e morreu em 1896, com 90 anos, alvo de culto popular.
Leocádia da Conceição foi uma religiosa franciscana e mística portuguesa, natural de Freixo de Espada à Cinta. Viveu e morreu com fama de santidade sendo-lhe atribuídas profecias e milagres.
Diversos autores escreveram biografias a seu respeito.
Por outro lado, uma outra personalidade religiosa ligada ao convento foi Teresa de Albuquerque, personagem de Camilo Castelo Branco em "Amor de Perdição", que por uma das suas janelas vê Simão, a partir para o degredo, num barco a sulcar o rio Douro.


“O Convento de Monchique, tornou-se num mito. Uma mescla de poesia e encanto, símbolo do Amor mais Puro e Nobre que algum dia se escreveu em Portugal. Em "Amor de Perdição" de Camilo Castelo Branco, Teresa de Albuquerque, que da janela do seu quarto, bem virada para o rio, veria passar, pela última vez, nesse navio que se dirigia para o degredo, aonde para sempre deveria ficar, o seu Simão, que nunca lá chegaria, só porque a saudade desse amor o havia de matar logo depois, em pleno mar...”
Texto do blogue Monumentos Desaparecidos


Vestígios da porta de entrada da capela do convento de Monchique


Convento de Monchique em Desenho de Joaquim Villanova em 1833

Mosteiro e capela

O convento foi ampliado entre os séculos XVII – XVIII, acabando por apresentar-se com dois claustros ajardinados, cada qual com o seu chafariz. Possuía ainda diversas hortas e várias fontes. Já a primitiva capela-mor quinhentista, conhecida como capela do Senhor dos Passos, foi profundamente alterada a partir de 1699.


À direita da foto (transversalmente) encontrava-se a capela – Ed. “portosombrio.blogspot.com”


Esboço do convento de Monchique do arquitecto Luís Aguiar Branco


No esboço acima pode indicar-se que, o corpo do edifício, mais a sul (A), que delimitava o grande pátio central, seria o corpo preexistente da casa senhorial, e que os restantes corpos foram posteriores, e acabaram por dar forma ao convento.


"Expandia-se o convento desde o cimo de Monchique até ao rio, numa sucessão de edifícios que se contemplavam e onde havia "duas claustras mui singulares", cada uma com seu chafariz, jardins, hortas e fontes."
SILVA, Fernando J. Moreira da, O Convento de Monchique / Artigo ilustrado. Tripeiro - Porto - Série 7, Ano 21, na2 (2002] – Pág. 52-55

A nascente e na parte mais exterior do convento fala-se de umas casas dos padres confessores e do capelão.

"Para a parte do nascente do dito convento se acham as casas em que residem os padres confessores e capelão. Ao sul dessas casas acima, pela parte da calçada, se acham duas moradas de casas sobradas e uma se acham penhoradas...".
SIMÕES, Catão, Convento ou Mosteiro de Monchique no Porto / Tripeiro - Porto - Série 3, Ano 1, nº 520 (1926) – Pág. 310, 332


“…Seguido a todo o conjunto conventual, ficava a casa dos capelães e hospedaria aonde se recolhiam as famílias das religiosas, quando se deslocavam a esta Cidade para as visitar.”
Fernando Moreira da Silva no Boletim dos Amigos do Porto


Assim, a poente, no prosseguimento do Convento e da cerca do Convento de Monchique, existe um edifício de grandes proporções, que frequentemente é confundido com o corpo nascente, onde se situavam a hospedaria e casa do padre.
Este imóvel, cuja construção terminou em 1781, acabou como armazém dos Vinhos do Alto Douro, pertença da Companhia fundada pelo Marquês de Pombal em 1757.



Observação desde V. N. de Gaia das instalações do Convento de Monchique, em meados do século XIX, sendo que, fora da perspectiva (à esquerda), ficou o Armazém do Cais Novo



Observação actual, com a mesma perspectiva da foto anterior, das instalações do Convento de Monchique, mas com o Armazém do Cais Novo, já visível – Fonte: Google maps


Convento de Monchique - Fonte: Arquivo Municipal do Porto


Em primeiro plano, em fotografia de 1862, as obras da construção da nova Alfândega (completada em 1865).
Bem visíveis na foto acima os vários edifícios que compunham o Convento de Monchique (fundado em 1533).
No canto superior esquerdo, a Capela de Carlos Alberto (de 1854) e as obras nos terrenos do futuro Palácio de Cristal (1865). 
Ainda é possível observar a casa da Quinta dos sete Campos, agora conhecida por casa do Roseiral, a meio da foto em plano mais elevado.


Convento de Monchique ao longe com a Alfândega em destaque



O Armazém do Cais Novo, anexo ao convento, que muitas vezes é identificado, erradamente, como a Casa dos Capelães, foi construído em 1761-67 com o intuito de prover, com o seu arrendamento, maiores rendimentos ao convento da Madre de Deus de Monchique. No entanto, por dificuldades financeiras, a sua construção só foi concluída, através de um contrato com a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. 
Em 1779, começa a construção da Rua do Cais Novo, rumo a Massarelos e, em 1788, a edificação passa a ser conhecida como Armazém do Cais Novo.
Depois de uma intervenção da Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, em 1958, foram instalados no edifício os Comandos e 2.ª Companhia do Batalhão 3 da Guarda Fiscal.


Armazém do Cais Novo



Em 1834, no âmbito da "Reforma geral eclesiástica" empreendida pelo Ministro e Secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar, executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), pelo Decreto de 30 de Maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas, ficando as de religiosas, sujeitas aos respectivos bispos, até à morte da última freira, data do encerramento definitivo. 
Em 1834, em Agosto, foi o convento encerrado, devido à transferência das freiras para outros cenóbios da cidade do Porto e abandonada, também, a igreja que lhe estava anexa.
Um jornal da época, o “Braz Tisana”, na sua habitual coluna do “Pasmatório dos Loios”, em 16 de Julho de 1853, dizia:


“Pólvora em Monchique – o depósito de pólvora no edifício da igreja do mosteiro de Monchique tem chamado a atenção de alguns jornais e dos vizinhos do dito convento pelo prejuízo que lhes pode resultar de qualquer descuido…”
A talha da igreja do convento foi então resgatada, e passou para a igreja de S. Mamede de Infesta, desde da data da sua inauguração em 1866.



S. Mamede de Infesta com igreja ao fundo


Um tabelião ligado a S. Mamede, de seu nome, António Ferreira da Silva Barros adquiriu a talha referida, já que os bens do convento foram passando, como noutros casos para a mão de particulares.
Assim, o altar de Nossa Senhora do Carmo que pertenceu ao Convento de Monchique, foi para a igreja de S. Pedro de Miragaia e outros cinco lindíssimos altares foram para a Igreja de S. Mamede Infesta. O sétimo, que era destinado ao Hospital Militar, ardeu.

Altar de Nossa Senhora do Carmo

Em 1887, segundo Pinho Leal, a igreja servia de serralharia.


Portal do século XVI do convento de Monchique, actualmente no Museu Soares dos Reis


Ao cimo da foto o antigo Palácio de Cristal e, em primeiro plano, o Convento de Monchique


Foto actual das ruínas


O antigo convento de Monchique em 1872 é colocado em hasta pública. 
William Hawke instala em parte do convento uma fábrica de fundição no ano de 1875.

“Com a extinção das ordens religiosas, em 1834, foi incorporado nos bens da Coroa, sendo usado para diversos fins:
arsenal militar, casa da moeda da Junta da Patuleia (onde se cunharam os patacos), depósito do trem militar e da pólvora, repartição de obras da alfândega e armazéns.
Uma parte era administrada pelo ministério da guerra, outra pelo do reino e outra pelo da fazenda.
Foi posto em praça várias vezes por inteiro, mas como ninguém o arrematava, em 1874, foi mais uma vez leiloado em 5 lotes. Foi nessa altura, que Clemente Meneres e Norberto Coelho arremataram dois lotes (nºs 1 e 5) para a sua casa comercial (mais tarde Clemente assumiu a quota de Norberto). Os outros foram arrematados por William Wawke (nº 2), que instalou lá uma fundição, e Henry Burnay (nºs 2 e 3)”.
Fonte: Professor Jorge Fernandes Alves

Sucessivamente vão-se instalando outras fábricas: em 1879 uma Fábrica de Cerâmica de Construção, de Pinto de Magalhães & C.ª; em 1884 uma Fábrica de Mobílias da firma Pinto Couto & Cª; em 1889 a Empresa Industrial de Monchique adquire aos condes de Burnay, uma parte do convento onde instala uma Fábrica de Serraria, Carpintaria e Pregaria.
Já no século XX, em 1908, D. Ignez Martins Guimarães, capitalista portuense, compra grande parte dos edifícios do convento e, finalmente, é instalada em parte do convento a fábrica Barbosa & Cª, ligada à produção de cortiça, com ligações à Sociedade Clemente Meneres Ldª,  que por aqui já tinha estado 30 anos naquela actividade industrial e, nessa altura, mantinha aí, armazéns e escritórios.
Em 1928 num dos edifícios esteve instalada, também, uma fábrica de massas.
Em 31 de Agosto de 1916 um violento incêndio reduz a escombros a fábrica de rolhas que a firma Barbosa & Cª, de um genro de Clemente Meneres, tinha instalado em parte do edifício do antigo convento de Monchique e, ainda, alguns armazéns adstritos à produção industrial. 
A 6 de Julho de 1918, um outro incêndio ocorreu na fábrica de rolhas da Barbosa & Cª.
O incêndio foi enorme tendo ardido, para além da fábrica Barbosa & Cª, mais dois armazéns afectos à “Sociedade Clemente Meneres” acabados de reconstruir, que tinham sido alvo de um outro incêndio em 1916, bem como, o bairro operário que viria a ficar conhecido, como o Bairro do Ignez.
Como complemento, diga-se que, as instalações foram: arsenal, depósito de trem militar e da pólvora, repartição de obras da alfândega e armazéns para diversos fins e, todos os destinos, atrás referidos.
Por exemplo, em 1929, a CUF (Companhia União Fabril) requer a ampliação dos seus armazéns no antigo convento de Monchique, sito entre a Rua de Sobre o Douro e a Rua da Alfândega “para o armazenamento de sabões enviados de Lisboa e aumento de existências favorecido pela excelente produtividade da Fábrica do Freixo”.





Casa da Moeda


No reinado de D. Maria II funcionou nas instalações do convento, uma Casa da Moeda provisória, durante a Junta do Porto, que mandou aqui cunhar uns patacos por decreto de 16-05-1847. No entanto, como as moedas de bronze aqui fundidas eram muito pesadas, acabaram por ser consideradas ilegais. Terminada a revolução da Patuleia, foram recolhidas ao Governo Civil para serem carimbados, mas o povo rejeitou-os, chamando-os de “patacos carimbados” ou “da Patuleia”.

Pataco carimbado


O Padre Francisco José Patrício escreve, na “Archeologia Religiosa”: 
“Desde que as últimas religiosas foram removidas para outros mosteiros e a casa ficou abandonada das suas legítimas habitadoras, foi aproveitada uma parte para ser alugada a particulares e outra para repartições, tais como a Casa da Moeda, provisória, que houve no Porto, em 1846, e aonde se cunharam os célebres patacos chamados “carimbados”, e que bem pouco curso teem fora desta cidade”.

Patacos


(Continua)

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