Balizas do rio Douro
Farol de São
Miguel-o-Anjo
“O Farol de São
Miguel-o-Anjo, também conhecido por Torre, Capela ou Ermida de São
Miguel-o-Anjo, situado junto ao Jardim do Passeio Alegre é um primitivo farol
português, classificado como Imóvel de Interesse Público que se localiza na
Cantareira, Cais do Marégrafo, na freguesia da Foz do Douro.
Primeiro edifício
puramente renascentista datado em Portugal e um dos mais antigos da Europa.
Trata-se de uma torre
quadrangular em cantaria de granito encimada por uma cúpula de tijolo com oito
gomos, formando uma pequena abóbada, rebocada e caiada de branco, que contém
uma grade de ferro a substituir a primitiva balaustrada, apoiada numa cornija
lavrada, que encima as quatro paredes do edifício.
O seu interior apresenta
uma forma octogonal, com três nichos com o formato de conchas, incrustados na
parede do lado do rio. Em cada nicho haveria uma imagem. O central, mais alto
que os outros dois tinha um pequeno altar na sua base. Uma escada em caracol,
incrustada na parede junto à porta, faculta o acesso à cobertura.
Quanto ao lugar onde
estaria situada a luz do farol, o edifício não mostra o mais leve sinal.
Segundo alguns era no interior da torre, em frente à vidraça da janela da
parede oeste, hoje tapada pelo edifício da Guarda-Fiscal, que estava posta a
candeia que alumiava o farol. A comprová-lo existe um manuscrito antigo que
afirma «existir uma grimpa no topo da abóbada que servia de respiradouro ao
farol».
Em 1527, foi mandado
construir, conforme reza uma inscrição latina na parede voltada para o rio, que
traduzida diz: "Miguel da Silva, bispo eleito de Viseu, mandou construir
esta torre para dirigir a navegação, ele mesmo deu e consignou campos comprados
com o seu dinheiro, com o rendimento dos quais foram acesos fogos de noite
perpetuamente na torre, no ano de 1527".
Desativado o farol nos
meados do século XVII, manteve a partir daí, somente o uso como Capela, sendo a
construção classificada como Imóvel de Interesse Público em 1951.
Em 1841 foi construído
um edifício anexo à Capela-Farol, para aí instalar um posto da Guarda-Fiscal.
Em 1852 foi edificada
uma torre anexa, com 3 pisos, onde foi instalada uma estação telegráfica”.
Fonte: Teixeira da Silva
Depois de anos ao abandono, no ano de 2017, foi decidido recuperar
a capela-farol e a sua envolvente, de modo a que seja criado um Núcleo
Interpretativo do Farol/Ermida de São Miguel-o-Anjo, inserido no projeto global
de recuperação e requalificação deste local emblemático da cidade do Porto,
permitindo, assim, vir a potenciar o conhecimento sobre o primeiro farol
construído de raiz em território nacional, por volta de 1528.
Finalmente, em 2020, foi recuperado todo o espaço adjacente
à capela-farol.
Desde há alguns anos, o complexo encontra-se ocupado com uma delegação dos Pilotos da Barra do Douro.
Desde há alguns anos, o complexo encontra-se ocupado com uma delegação dos Pilotos da Barra do Douro.
Inscrição latina, na fachada sul
Farol-capela e a antiga estação telegráfica de 3 pisos, antes
da última intervenção
Em 2020, a torre onde esteve a estação telegráfica já está recuperada. À direita o farolim da Cantareira – Ed. Manuela Campos
A Cantareira em 1848
A imagem anterior é segundo o site “PortoDesaparecido” :
“…reprodução de uma
gravura representando a Cantareira na Foz do Douro que pertencia a um conjunto
com o título: «As margens do Douro, coleção de doze vistas». Esta coleção de
vistas foi desenhada por Cesário Augusto Pinto, em 1848, e foi editada na
litografia de Joaquim Vitória Vilanova, com sede na Rua do Campo Pequeno, na cidade do Porto, em 1849”.
Mesma perspectiva (actual) da gravura anterior, com capela-farol de S. Miguel-o-Anjo (à esquerda) e, em frente, a capela de Nª Sª da Lapa
Eram várias as designações por que eram conhecidas as
pedras e rochedos localizados à entrada da barra do rio Douro, perfeitamente
visíveis no desenho anterior, em que também se veem a igreja matriz da Foz, a
capela de S. Miguel-o-Anjo e a capela de Nossa Senhora da Lapa.
Havia a "Ponta do Dente", imagina-se porquê; o
"Aguião", que a maré- cheia, encobria; a "Bezerra de Fora"
e a "Bezerra de Dentro", no enfiamento do castelo. Os manuais de
navegação citam a seguinte rota: "por entre a pedra da Olinda e o
Cabedelo, continua a linha navegável...". E também era assinalado o
"canal da Laje, que fica entre a pedra Davra e os penedos Fogamanadas e os
filhos da Prelonga...".
Capela-Farol de S. Miguel-o-Anjo, vista de terra, em gravura
de Gouvea Portuense
Gravura a água-forte
da Capela-Farol de S. Miguel-o-Anjo
Na última gravura de
Manoel Marques de Aguilar, vê-se a Capela de S. Miguel o Anjo e o Forte de S.
João da Foz com o destaque para a cúpula da Igreja renascentista (1542) dentro
do Castelo.
Sobre este farol/Capela fala-nos o texto que se segue da
autoria de Germano Silva:
“…balizas deve
entender-se as marcas para a orientação de navios, que tanto podem ser árvores
de grande porte; edifícios construídos em sítios elevados ou de enormes
proporções; ou torres construídas propositadamente para o efeito.
No rio Douro, entre a
foz e a Ribeira, houve, ao longo dos tempos, especialmente quando aquele rio
era um porto natural, várias dessas marcas, umas naturais, outras feitas pelo
próprio homem, para ajudar os mareantes a conduzir os seus barcos em segurança
quando demandavam a perigosa barra do Douro. A mais antiga julga-se que tenha
sido um pinheiro que se erguia mesmo à entrada do rio. Mas a árvore um dia
secou, mirrou e terá caído numa noite de ventania.
Em 1867, um grupo de
mergulhadores que se ocupavam em quebrar alguns rochedos existentes no leito
do rio à entrada da barra, para facilitar a entrada dos barcos, encontraram
debaixo das águas uma estátua de pedra que representava a figura de um homem
vestido à romana - O Togado.
Passados poucos dias,
novo achado: desta feita, uma lápide com uma inscrição em latim. E logo a
seguir apareceu uma coluna de pedra. A leitura da legenda, de que constava o
ano de 1536, não deixava dúvidas: a lápide, a estátua e a coluna faziam parte
de uma espécie de monumento mandado colocar a meio do rio pelo bispo de Viseu,
D. Miguel da Silva, para servir de orientação aos navios que pretendiam entrar
na barra do Douro.
A esta altura da
crónica, estou a imaginar o leitor a perguntar: e que tinha o bispo de Viseu
a ver com a foz e com a entrada e saída de navios no rio Douro? Tinha, sim
senhor. D. Miguel da Silva, além de ser bispo de Viseu, era, também, abade
comendatário do mosteiro beneditino de Santo Tirso, a que pertencia o couto da
Foz do Douro, logo tinha interesses nos rendimentos resultantes dos impostos
que o couto pagava àquele convento.
Voltemos à estátua.
Serviu, na foz do Douro, seguramente como marca de orientação aos navios. Deve
ter substituído o tal pinheiro. Pelo teor da legenda, a estátua estava
colocada em cima de uma estrutura feita em pedra e sustentada por quatro
colunas.
Muito perto do local
onde fora colocada a estátua, e com o mesmo intuito, o de facilitar a entrada
e a saída da barra do rio Douro, o mesmo bispo, D. Miguel da Silva, mandou
fazer, em 1538, quase no meio do rio, uma capela-farol que colocou sob a
proteção de S. Miguel-o-Anjo.
Visto do exterior o
edifício, que ainda existe, tem a forma quadrada, mas interiormente era
octogonal. Em tempos idos, na parte voltada ao rio, tinha uma espécie de átrio
com assentos de pedra. Ainda na fachada voltada ao Douro, tinha gravada numa
pedra a seguinte legenda em latim: "Salvos ire rogo Deum", ou seja
"Rogo a Deus que passem sãos e salvos". Tinha, porque a inscrição já
quase se não lê”.
Também serviu de baliza aos navegantes do rio, a Capela de
Santa Catarina, A Torre da Marca, A Igreja dos Clérigos e a Torre da Lapa, que
nada tem a ver com a igreja, mas sim, com a estrutura na qual esteve o
telégrafo e que foi também moinho, situada nas imediações da igreja da Lapa.
Farol meio escondido no fim do
século XIX e posto de Pilotos, e lá
muito atrás, o Marégrafo – Ed. Emílio Biel
A Capela de Nossa Senhora da Lapa (à esquerda) e o
Farol/capela de S. Miguel-o-Anjo, Torre Telegráfica e Estação dos Pilotos (à
direita) e, na ponta do cais, o marégrafo – Aguarela de Elisabeth Reid
Cais do Marégrafo - Pilotos da Barra do Douro, Marégrafo e Casa da Consulta
A entrada na barra do Douro sempre apresentou dificuldades para
ser ultrapassada e era tarefa, apenas, para os mais experimentados.
Por esta razão, alguns pescadores de S. João da Foz devem
ter-se tornado, com a sua experiência, pilotos de barra.
Por isso, sem qualquer enquadramento, aqueles que melhor
conheciam os perigos do local ofereciam-se para desempenhar a função de ajudar
os comandantes das embarcações, que desconheciam os perigos escondidos, a vencer
aquela barra.
A Câmara do Porto decidiu criar, então, em 1584, um corpo de
pilotos devidamente enquadrados, que guiasse a entrada e saída das embarcações
que chegassem ao Douro.
“É curioso observar
que mal se presenciava um navio ao longe, uma catraia se encaminhava em seu
auxílio, sendo o piloto desta embarcação a conduzir o navio para um melhor
lugar. Esta função já tinha sido implementada na época de D. Filipe II (1584),
o que iria proporcionar em 1628, a criação do Regimento dos Pilotos da Barra,
que determinava a sequência de operações a observar obrigatoriamente pelos
pilotos. Um século mais tarde, seria colocado em prática um novo regimento, com
pequenas alterações. Estes pilotos, determinavam a graduação do navio, assim
como tomavam o seu leme de forma a introduzi-lo dentro do porto. Na ausência de
vento, entravam as embarcações grandes, auxiliadas pelas catraias dos outros
pilotos da terra”.
Cortesia de Ruben Ribeiro (Faculdade de Letras da
Universidade do Porto)
O corpo dos Pilotos da Barra do Douro assentou arraiais junto
da foz do rio, próximo da capela de Nossa Senhora da Lapa que, dizem, será mais
antiga que a capela de S. Miguel-o-Anjo.
A Senhora da Lapa ficou, assim, a ser a padroeira dos
pilotos.
O edifício, que ainda hoje ocupam, teria sido construído,
segundo alguns historiadores, em 1841, adossado a uma fachada da capela-farol de
S. Miguel-o-Anjo.
Por outro lado, pela observação da gravura (1848) “A
Cantareira” de Césario Augusto Pinto, já exibida, se observa que o edifício dos
pilotos ainda não tinha sido construído. Será, então, aconselhável dizer-se que
aquela construção será de meados do século XIX.
Entretanto, quanto à torre telegráfica, também ela adossada
a uma fachada da capela de S. Miguel-o-Anjo, não há dúvidas. Foi levantada em
1852.
Pilotos da Barra do Douro (em primeiro plano)
Actualmente, e desde há alguns anos, os pilotos passaram a
ser “Pilotos da Barra do Douro e Leixões”.
Para além da função de manobrar as embarcações pela barra do
rio, os pilotos cuidavam, ainda, de duas estruturas assentes no cais do
Marégrafo – a Casa da Consulta e o Marégrafo.
Marégrafo - In: “portoarc.blogspot”
O Marégrafo da Cantareira regista o nível médio das águas da barra através de uma boia que flutua num poço.
Teria sido instalado, algures, no último quartel do século XIX.
Cais do Marégrafo,
em 1900 – Ed. Carlos Pereira Cardoso
O Marégrafo, em
destaque na elipse, a preto, em 1892, na planta de Telles Ferreira
Em pleno século XX, seria construído um pequeno edifício,
abarracado, no cais do marégrafo, denominado “Casa da Consulta”, em substituição de um outro, que tinha sido
alienado pela autoridade marítima e localizado nas imediações.
Na “Casa da Consulta” funcionavam os serviços de sinalização
diurna por balões e os comandos eléctricos da sinalização luminosa para o
período nocturno.
No ano de 2021, a “Casa da Consulta” seria demolida e os
serviços que aí operavam foram descentralizados para outros equipamentos.
Casa da Consulta, com o seu mastro de sinalização, no Cais
do Marégrafo - Ed. Igor Martins/Global imagens, In JN
O Togado e a Cruz de Ferro
O Togado é uma estátua em granito, que representa uma figura
masculina trajando uma túnica curta, coberta por uma toga. O braço direito
repousa na dobra da toga e o braço esquerdo segura um objecto indeterminado.
O Togado
“Numa descrição da
barra do Douro, de Manoel de Pimentel (1650-1719), In “A Arte de Navegar” é referido ,
«Cruz ou pilar, que he
huma rocha onde há huma torrinha redonda com a Ermida de S.Miguel, que está na
borda da agua na ponta das pedras de São João da Foz, e assim se governa até
estar perto da Cruz, ou pilar, que he huma rocha, onde ha huma torrinha
redonda, costeando-a o mais de perto que puder ser, deixando-a a bombordo; e
outra pedra, que está em meio canal, ficará a estibordo através do navio; e
passada ella, se vai por meio canal até a Cidade, e se amarra ao cais, ou no
meio do rio».
Essa torrinha redonda
foi mandada construir, em 1536, por D. Miguel da Silva. Tratava-se de um
pequeno templo, de planta circular, que assinalava um dos rochedos da barra
depois conhecido como Cruz de Ferro.
Nesse pequeno templo
terá sido colocada uma estátua que ficou conhecida pelo nome de “O Togado”.
Quando no âmbito dos
trabalhos de levantamento dos paredões das margens do rio Douro e dos cais, na
zona da Cantareira, conduzidos pelo engenheiro Manuel Afonso Espergueira
(1835-1917) foi retirada do Douro em 1867,tal facto seria noticiado em O
Comércio do Porto na edição do dia 13 de Junho de 1868, que referia o achado de
uma «…estátua de pedra de granito, que mede 1m,30 de altura, (…) bem esculpida
e representava um homem vestido à romana».
E considerava que era
de crer que esta estátua estivesse colocada na primeira Cruz de Ferro que
existiu na Barra.
Foi recolhida pelo
arquitecto e arqueólogo Joaquim Possidónio da Silva (1806-1896), 1º director da
Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses (fundada em
1863), que a adquiriu para o Museu do Carmo em 1886”.
Com a devida vénia ao admin. do blogue “doportoenaoso.blogspot.pt”
“N.º 3872 —Estátua de
granito que servia no seculo XVI para indicar a entrada dos navios no rio
Douro,- que o bispo D. Miguel mandára alli collocar a fim de evitar naufrágios.
Esta estatua havia caído no fundo do rio, porém foi achada ha muitos annos na
ocasião de se concertar o caes, tendo ficado também por muito tempo exposta na
praia. O sr. Possidonio da Silva conseguiu adquiri-la em 1886 para se conservar
a memória do humanitário prelado que tomou tão util providencia”.
In: Catálogo do Museu de Archeologia da Real Associação dos
Architectos Civis e Archeologos Portuguezes, Largo do Carmo, em 1892
“ (…) Na mesma ocasião
também foi descoberta uma lápide e foram recolhidos diversos fragmentos de
colunas. As colunas seriam marcas que assinalavam os rochedos por entre os
quais se navegava e uma lápide de granito, com uma inscrição, também guardada
no referido museu e referida no citado catálogo, com o n.º 3872 bis —Inscripção
em pedra de granito pertencente á estatua a que se refere o número anterior.
Aquela lápide dizia:
MICHAELSILVIV /
EPISCOP. VISENS. / NAVIGANTIVM SALVTISCAVSA / TVRRISIIFECIT / ETIIIICOLVMNAS /
POSVIT / ANN. M. D.XXXV.
(Miguel Silva Bispo
vendo a necessidade de salvar navegantes fez duas torres e colocou 4 colunas no
ano de 1535)”.
Com a devida vénia ao admin. do blogue “doportoenaoso.blogspot.pt”
Então, teria sido o bispo D. Miguel da Silva quem teria
mandado erigir, num rochedo, em frente da capela/farol, uma marca de navegação
personalizada numa estátua de uma personagem vestida com uma toga.
Posteriormente, nesse local esteve uma outra marca conhecida
pela Cruz de Ferro.
Numa cheia de grandes proporções em 1788, esta última marca
sinalética sofreu danos de vulto e teve que se proceder a obras de restauro.
Estas foram conduzidas pelo director de Obras Públicas, o
arquitecto e engenheiro militar José Champalimaud de Nussane (1730-1799), que
foi escolhido para o cargo pelo presidente e inspector das Obras Públicas da
cidade, José Roberto Vidal da Gama (governador da Relação do Porto de 1786 a
1790).
O projecto seria executado pelo mestre pedreiro José de
Sousa e pelo mestre ferreiro António do Pinho.
Em Março de 1789, um ano depois do colapso da antiga marca
fluvial, a nova já estava inaugurada.
Os faróis e os
farolins, desde há séculos, constituem as balizas de navegação mais usadas
pelos mareantes.
Presentemente, têm
características próprias e bem conhecidas de cadência dos seus sinais
luminosos, cor e duração dos mesmos.
O que os distingue é
o alcance: aceita-se que para os faróis será superior às 15 milhas náuticas.
Inferior a este valor, já será considerado um farolim.
(Continua)
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