quarta-feira, 21 de junho de 2017

(Continuação 13)

18.10 Campo do Olival ou Campo dos Mártires da Pátria - Jardim da Cordoaria ou Jardim João Chagas

O Campo do Olival ou Monte do Olival era vasto terreno aplanado, tendo já menção no documento de cedência da cidade, por parte de D. Teresa ao bispo portuense D. Hugo, em 1120.
Abrangia um enorme es­paço que, tomando como comparação a to­ponímia actual, compreenderia, hoje, o Cam­po dos Mártires da Pátria, o Carmo, a Praça de Carlos Alberto, o Largo do Moinho de Vento e a Rua das Oliveiras.
Todo este grande espaço foi, através dos séculos, um lugar da maior importância para a cidade.
Na descrição abaixo estão trechos do historiador Horácio Marçal, publicados em O Tripeiro Série VI, Ano II. 

“ Deu origem ao topónimo “Olival” o facto de, no local nas imediações, ter florescido durante larguíssimo período, um frondoso olivedo que, como é notório, deu também o nome à R. das Oliveiras e ao sítio onde permaneceu o Mercado do Anjo, que antes – mas muito antes – se chamou Lugar das Oliveiras. O Campo do Olival, inicialmente, pertencia à Igreja do Porto (Bispo e Cabido). Porém, em 25/6/1331 após amigável composição entre o Bispo D. Vasco Martins e o Concelho da Cidade, foi por este adquirido com o fim de o transformarem em rossio ou praça pública…Somente lhe era permitido construir prédios em volta do campo, desde que pagasse o devido imposto à Mitra. As casas, de facto, pouco a pouco e com autorização da Câmara foram-se construindo em torno do Olival. Com o decorrer moroso dos anos e contra o estipulado, até Igrejas e Capelas se ergueram, feiras e mercados se inauguraram e cordoeiros se consentiram.”

Por ser zona privilegiada de expansão da cidade, um dos sucessores de D. Hugo em 1331, na Concórdia celebrada entre o concelho e o prelado, este cedeu-o ao povo do Porto «para rocio e prol do comum da dita cidade».
Ali existia, ao lado do actual «Café do Olival», (última referência existente do antigo toponímico) uma das portas da cidade, a Porta do Olival, derrubada juntamente com grande parte da muralha, durante o século XVIII, e uma cordoaria.
Por Praça do Oli­val devemos entender aquele pe­queno logradouro existente, a nascente, entre o edifício da antiga cadeia da Relação, hoje sede do Cen­tro Nacional de Fotografia, e a confluência das ruas de Trás, de S. Bento da Vitória, antiga­mente chamada de S. Miguel, e a dos Caldei­reiros que, em tempos muito antigos dava pelo nome de Ferraria de Cima e tinha, na par­te cimeira, o nome de Rua da Laje.
A dita Praça do Oli­val era limitada por outro lado, pelo pano da muralha fernan­dina e pela imponente porta do Olival.  


Zona da Judiaria do Olival – reprodução de carta de 1523 


Legenda da gravura anterior:

Porta do Olival (52), Muralha Fernandina (37), Largo do Olival (53), Rua de Trás (51), Rua da Ferraria de Cima (Caldeireiros – 48).

De notar que o Campo do Olival viria a ser atravessado pela muralha Fernandina, tendo ficado a maior parte dele, fora dessas muralhas.
O vasto Campo do Olival mais extenso que a Cordoaria que lhe sucedeu, com o nome de Campo dos Mártires da Pátria em 1835, espraiava-se para sul até entestar com Miragaia.

Porta do Olival segundo Gouvea Portuense

“Meio século depois, da Câmara ter tomado posse do Campo do Olival, ou seja no longínquo ano de 1386, veio para ele, transferida de Miragaia a Comuna dos Judeus, que se instalou do lado Sul, entre as Ruas das Taipas, Belomonte, Vitória e Caldeireiros. A Judiaria do Olival era fechada por duas portas de ferro maciço com vários motivos alegóricos. Passados poucos anos (1336 a 1376) foi o referido campo cortado em sentido Nascente-Poente pela muralha fernandina, que neste ponto ficou com uma porta – a Porta do Olival – e duas torres. Ficou assim, com a erecção da muralha, o aludido rossio ou praça pública fora do âmbito citadino e, portanto, talvez a monte durante muito tempo, visto que o território extramuros, por essa época, era considerado arrabaldino.”
In “portoarc.blogspot”


Fachada lateral do Café do Olival - Foto de Carlos Silva no blogue Porto Sentido.


Na cave do Café Porta do Olival, ao lado da Torre dos Clérigos, ainda se podem ver restos da Porta do Olival. Esta abria para a Cordoaria e era a saída da cidade para Norte que, seguindo a Rua de Cedofeita, conduzia a Vila do Conde, Póvoa, e mais para Norte.
Restos da muralha podem ser também vistos, bem perto, na Rua Dr. Barbosa de Castro.

Trecho da muralha na Rua Dr. Barbosa de Castro


“Dois séculos e meio depois, em 1611 mais um postigo se abriu na muralha, para dar acesso fácil ao edifício da Relação e Cadeia que então se andava a construir intramuros da cidade e de cuja obra se encarregou, por determinação de D. Filipe II, o corregedor Manuel de Sequeira Novais. Simultaneamente ordenou ainda D. Filipe II (alvará de 28/9/1611), com a superintendência do mesmo corregedor, que se transformasse o Campo do Olival numa formosa alameda por lhe parecer que a dita seria de muito ornato e comum benefício da cidade... Perante tão firme intimativa tratou logo o Corregedor Manuel de Sequeira Novais de dar andamento à plantação de árvores na vasta alameda, árvores, essas, que até ao seu perfeito crescimento, foram guardadas de dia e de noite por 4 homens… que recebiam, cada um, 8.000 reis por ano…”
In “portoarc.blogspot”

Pelo Campo do Olival começou, a expansão da cidade extra-muros, nos últimos anos do séc. XVI, com a sucessiva construção de notáveis templos e edifícios públicos e particulares.
No Campo do Olival ao longo dos séculos foram-se, portanto, construindo diversos dos mais majestosos edifícios públicos da cidade, sobretudo a partir do século XVI, como sejam: a Torre e Igreja dos Clérigos (em 1754, por parte da Irmandade dos Clérigos Pobres); Tribunal e Cadeia da Relação (em 1606 por ordem de Filipe I de Portugal, funcionando a Cadeia até ao dia 29 de Abril de 1974, e que hoje alberga a sede do Centro Português de Fotografia); Colégio dos Meninos Orfãos de Nª Senhora da Graça (em 1651, no local onde está a Reitoria da Universidade); Igreja e Convento do Carmo (1619) e posteriormente a gémea Igreja dos Terceiros do Carmo (1776); Recolhimento do Anjo (1672), onde mais tarde veio a funcionar o mercado do mesmo nome e foi também a Praça de Lisboa, mercado e galeria comercial, e hoje é um espaço devidamente recuperado; Igreja de S. José das Taipas (1666) e ainda, já nas cercas do Olival, o Convento de S. José e Santa Teresa de carmelitas descalças (1702).
Em 1770 a Santa Casa da Misericórdia do Porto dá início à construção neste local, do monumental Hospital de Santo António.
Assim utilizando uma breve discrição e começando pelas realizações mais antigas, refira-se uma capela da invocação de Nossa Senhora da Graça, fundada pela Rainha Mafalda de Sabóia, mulher do rei D. Afonso Henriques que ao sofrer no local um acidente, quis agradecer ao divino o ter sobrevivido e mandou construir uma capela no local, e uma outra, dedicada a S. Sebastião. Ambas existiriam ainda em 1514.
No próprio lugar onde se erguia a primeira destas ermidas, edificou-se em 1651, graças aos esforços do benemérito padre Baltasar Guedes, a igreja e o colégio dos Meninos Órfãos de Nossa Senhora da Graça, tendo em 1804 as suas instalações começado a ser transformadas, no edifício onde hoje se acha instalada a Faculdade de Ciências.
Um dos primeiros templos que se cons­truíram no antiquíssimo Campo do Olival foi uma capela da invocação do Bom Jesus de Bouças (Senhor de Matosinhos) ou do senhor do Calvário Novo. Por esta designa­ção é que a capela era geralmente conheci­da.
Foi a irmanda­de do Senhor Jesus do Calvário Novo, que promovia o culto duma via-sacra neste sítio, que fundou uma ermida, em data que não é pos­sível averiguar, mas que se julga ser ante­rior a 1660.
Com entrada pela Rua das Taipas existiu uma outra capela da irmandade de S. José das Taipas, mandada erigir em 1666, pelos Pachecos Pereira e que antecedeu no local a Igreja de S. José das Taipas.
Em 1619, à custa também do Senado e do Povo, construíram-se a igreja e o convento do Carmo; o templo dos Terceiros, que lhe fica anexo, data de 1756.
O Recolhimento do Anjo, para meninas órfãs e nobres, foi instituído em 1672 por D. Helena Pereira da Maia, no lugar onde esteve, mais tarde e por muitos anos, o mercado, e agora a Praça de Lisboa, completamente recuperada e alindada.
Em 1730, construíram os franciscanos de Santo António do Vale da Piedade um hospício. Nesta casa, sobranceira às Virtudes, fronteira à Igreja de S. José das Taipas e pegado à capela do Senhor Jesus do Calvário Novo instalou-se, posteriormente, a Roda dos Expostos.
O Mercado do Peixe, paredes meias com a Roda, data de 1874, edificado sobre os antigos celeiros da cidade e que foi também, quartel da polícia da cidade, e onde hoje está o Palácio da Justiça.
No ano de 1770, no chão onde existiam dois meios casais chamados do Robalo, começou a Misericórdia a construção do seu Hospital de Santo António. Ainda nos limites do Olival, no campo chamado da Via Sacra ou Calvário Velho, fez-se o convento de S. José e Santa Teresa de Carmelitas Descalças. Deu esta casa, hoje desaparecida, o nome à Rua das Carmelitas e ocupava o terreno delimitado por esta rua, pela Praça de Santa Teresa (Praça Guilherme Gomes Fernandes), Rua Cândido dos Reis e Rua de Santa Teresa.
Na zona central do Olival, foi construída, por ordem de Filipe II de Portugal, em 1613, a Alameda do Olival, sendo posteriormente toda a zona ajardinada nos finais do século XVIII e transformado em Passeio Público em 1853. Em 1865, a instâncias e patrocinado por Alfredo Allen, Visconde de Vilar d'Allen, o paisagista alemão Emílio David desenha o denominado «Jardim da Cordoaria» (oficialmente e desde 1924: Jardim João Chagas), espaço de características românticas que foi um dos locais de eleição de passeio e recreio dos portuenses por longas décadas, vindo, a ser totalmente descaracterizado por intervenção do arquitecto Camilo Cortesão, aquando da Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura.
Logo que foi inaugurado, o jardim que se destinava a servir o povo, e a substituir o do Palácio de Cristal que era pago e mais distante do centro, acaba por ser tomado pela burguesia da cidade.
“Enquanto esta se passeia na avenida fronteira ao coreto, as criadas de servir, os soldados e outros passeiam-se em volta do lago”.
Em Julho de 1869 dá-se o início da iluminação a petróleo do Campo dos Mártires da Pátria, com candeeiros reaproveitados da Exposição Internacional de 1865.
Foi, nos meados do século passado, a Cordoaria, o jardim "do bom-tom" no Porto.

Texto sobre a Cordoaria de 1870 de cronista anónimo

A designação de Cordoaria deve-se ao facto de nessa área terem estado, por muito tempo, os cordoeiros, mais precisamente até 1864.
Já em 1331, quando o bispo cedeu este campo à cidade, ali existiam.
Mais tarde estabelecidos também em Miragaia, foram crescendo em número, estendendo-se até às Virtudes. Em 1661 estavam de novo na Porta do Olival, onde D. José mandou edificar a fábrica, que continuou até 1862. Nesse ano ainda viviam cordoeiros junto da Viela do Assis.
Não houve apenas uma cordoaria, mas cinco!
Anteriormente a 1661 sabe-se que os cordoeiros exerciam a sua função nos areais de Miragaia, no local dos estaleiros onde se construíram algumas das caravelas da expedição de Vasco da Gama à Índia. Era um enorme areal, hoje tapado pela construção da Alfândega.
Em altura não definida e que deve ter sido gradual, em processo de expansão, passaram os cordoeiros a ocupar a denominada Cordoaria Velha, local que se estendia pela actual Rua Francisco da Rocha Soares e Rua de Tomás Gonzaga, ruas longas e próprias para a actividade.
Foi nesta rua, exterior às Muralhas, que funcionou a Cordoaria Velha.
Sabe-se que os cordoeiros já ocupavam o Olival desde os princípios do século XVI pois rapidamente perceberam que o imenso largo era ideal para a tarefa.
Foi a partir de 1661 que, para aí, se mudaram definitivamente, dado ser um excelente e espaçoso local para fabricar as cordas, cujo volume, considerando o incremento da navegação, aumentou drasticamente, passando este local a ser, então conhecido como a Cordoaria e, por aqui se mantiveram, inclusive quando o Marquês do Pombal decidiu que fosse levantada uma fábrica de cordoaria encostada ao local onde mais tarde surgiria o mercado do Anjo.
Firmino Pereira no “O Porto d’Outros Tempos” a propósito dizia:
“Passavam de cem as rodas que trabalhavam diariamente produzindo cordagem, massame, amarras, cabos que rivalizavam com o que de mais perfeito se fabricava no estrangeiro”.

A verdade é que este mester por aqui ficou e apenas no século XIX, mais concretamente em 1862, daqui saiu no seguimento de uma verdadeira ordem de despejo formulada pela Câmara, com ameaça de confiscação para queima, dos apetrechos usados, se os cordoeiros não cumprissem.
Assim aconteceu e os cordoeiros deslocaram-se para outro espaço livre, no então Campo de Santo Ovídio (hoje Praça da República), ocupando a área do denominado hoje, Palacete das Águias, no cruzamento da Rua de Gonçalo Cristóvão e a Praça da República, local com muito espaço para armar os equipamentos.
Mas já então a actividade das cordas havia esmorecido, chegada que era a época do vapor e do aço.
Em Lordelo do Ouro existiu, ainda, a quinta cordoaria e de que hoje sobra, como único vestígio, a Rua da Cordoaria Velha, que parte em direcção ao Ouro, local onde existiu um importante estaleiro e onde foram feitas, por exemplo, as naus que partiram em 1413, para tomar Ceuta, comandadas pelo Infante D. Henrique.
Apetece dizer que a cordoaria na cidade do Porto veio subindo, desde os areais de Miragaia até à Praça da República. De facto, à medida que o tamanho dos navios ia aumentando, também o tamanho das cordas ia crescendo e a actividade necessitava, assim, de mais espaço.
Na Porta do Olival esteve também a forca, transferida da Ribeira em 1822, sendo ainda, teatro de alguns outros acontecimentos históricos. Neste campo começou, em 1757, o famoso motim contra a Companhia dos Vinhos, e ali mesmo terminou com a morte na forca dos supostos cabecilhas. Aqui também, em 1809, o povo trucidou o brigadeiro Luís de Oliveira da Costa, sob a acusação de jacobino. A par destas tragédias, viu o luzido cortejo da rainha D. Filipa quando ao Porto veio casar com D. João I e assistiu à passagem do senhor D. Gaspar, a caminho do seu arcebispado de Braga.
No Olival, mais tarde Cordoaria, se realizava a animada feira de S. Miguel, criada em 1682. 

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