segunda-feira, 25 de setembro de 2017

(Continuação 8)




O Palácio do Conde do Bolhão, imóvel classificado pelo IPPAR, é considerado um dos edifícios mais notáveis da arquitectura civil do Porto oitocentista e fica na Rua Formosa, próximo do mercado do Bolhão.
Mandado construir em 1844 por António de Sousa Guimarães, casado em 1835 com Francisca Fausta do Vale Pereira Cabral (1808-1888), um dos comerciantes mais ricos do país, em 1876, já estava nas mãos de José Pereira Loureiro, visconde de Fragosela, credor daquele.
O palácio expressava o vigor político e financeiro da orgulhosa burguesia portuense do séc. XIX, sendo a sua decoração de estuques, pintura e talha, assinada pelos artistas mais relevantes da época. No entanto, o palácio deve ainda a sua reputação à faustosa vida social que o Conde do Bolhão promovia e que Camilo Castelo Branco, seu protegido, descreveu detalhadamente.
No Palácio do Conde do Bolhão realizaram-se algumas das festas mais animadas da cidade, no século XIX, com Camilo Castelo Branco como assíduo partici­pante.
No seu último piso, era dotado de uma capela.
Durante toda a tarde do dia 3 de Maio de 1852, uma 2ª Feira, o barão (14 de Agosto de 1851) e baronesa do Bolhão iriam ser os anfitriões, no seu palacete, da rainha D. Maria II e da restante comitiva real, que se encontravam de visita à cidade do Porto.
Este ano seria de desavenças conjugais.
A baronesa Francisca Fausta sai de casa acusando o barão de maus tratos.
O caso apaixona a opinião pública, originado um exército de partidários.
Camilo Castelo Branco que, dois anos antes tinha feito o elogio público de António Alves de Sousa Guimarães, dado como apoiante de Saldanha, numa série de artigos publicados em “O Nacional” faz a defesa do barão, tentando provar serem as acusações, falsas e motivadas pela rivalidade política do igualmente rico e poderoso cunhado, Constantino António do Vale Pereira Cabral, firme apoiante de Costa Cabral.


«A edificação do seu palácio - considerado uma das mais luxuosas residências da cidade, com um grande quintal e jardim, que alcançava a Rua de Fernandes Tomás, onde o seu proprietário também possuía algumas casas - custou mais de 70 contos de reis, uma quantia apreciável para a época. O título de Barão do Bolhão foi-lhe concedido em 1851 por D. Maria II, a qual, no ano seguinte, juntamente com a respectiva comitiva, se hospedou no palácio, por ocasião de uma visita ao Norte do país. A hospitalidade então prestada à real figura terá constituído o motivo pelo qual veio a ser recompensado com o título de conde do Bolhão, por decreto de 1855, assinado já por D. Fernando - em virtude de a rainha ter morrido em 1853, apenas com 34 anos, durante o parto do seu décimo primeiro filho, regente na menoridade do futuro D. Pedro V. Ao mesmo tempo que conquistava a sua nobilitação, Sousa Guimarães perdia no terreno familiar. Tendo casado em 1835 com Francisca Fausta do Vale Pereira Cabral, irmã de um grande capitalista e negociante do Porto, vê o seu casamento desfeito em 1852, quando aquela abandona o lar, acusando o marido de tirania conjugal e maus tratos físicos. A "questão conjugal do barão do Bolhão", denominação pela qual ficou conhecido este escândalo, dividiu a sociedade portuense da época tendo o barão, no entanto, conhecido a solidariedade de algumas figuras célebres, como Camilo Castelo Branco, seu amigo pessoal. O conhecido "gazetilheiro" saiu em defesa de Sousa Guimarães, com a publicação no "Nacional" de um extenso artigo, intitulado  "Revelações", o qual lhe acarretou a fúria dos sobrinhos da baronesa, os irmãos Sousa Guedes, traduzida numa agressão ao romancista, à porta da sua residência na rua de Santo António.  
(...) Após a separação da mulher, as festas desapareceram do palácio do magnata, o que levou Camilo, em 1857, a lamentar-se nas páginas do "Nacional", declarando que, "depois que se fecharam os faustosos salões do Sr. conde do Bolhão, esmoreceu aquele ânimo largo dos anfitriões que engrandeciam a terra. Quem conheceu, há dez anos, o Porto, pasma dos sintomas de decadência em que hoje está". É, aliás, Camilo Castelo Branco quem, num artigo publicado em 1851 no "Jornal do Povo", nos descreve, do seguinte modo, a faustosidade oriental do palácio do conde do Bolhão: "Para os que a observam de longe, a fachada do edifício é pelas proporções grandiosas e formas de capricho uma dessas criações de Sufflot, no reinado de Luís XV, em que a arquitectura, depurada da insipidez italiana, ostenta um carácter entre o severo e o risonho - entre a face de um templo grego e o frontispício gracioso de um castelo na França de Francisco I". E, prossegue o romancista, numa elogiosa referência ao co-proprietário da vizinha fundição do Bolhão, que nessa época se encontrava envolvido na luta pela legalização da Associação Industrial Portuense: "Sobre os cinco arcos que constituem as cinco entradas, ergue-se o primeiro andar de cinco janelas rasgadas, terminando em ogivas com os seus parapeitos de gradaria dourada, é de si tão perfeita obra, que faz gosto admirar ali até que progresso as nossas fábricas podem ser alteadas, quando as administrações forem presididas por homens de talento artístico como o Sr. José Vitorino Damásio". Passando à discrição dos interiores do palácio, Camilo detém-se na sala de visitas - "Um belo sonho com palácios de fadas; um dourado quiosque para sultanas na hora da sesta" -, salientando que "o Sr. Resende, distinto pintor deste país malfadado para o mérito, concebeu e executou na tela que fecha o fogão desta sala, um grupo de aldeões, que em torno da fogueira, parecem conversar em santa paz nos trabalhos rústicos do dia seguinte. [...] A sala de baile é adornada por móveis que reúnem riqueza, simplicidade e delicadeza no gosto. Antes dos emblemas de dança e música, que portentosamente decoram os excelentes estuques, é muito para captar o belo fantástico que o Sr. João Baptista Ribeiro personalizou em alegorias adaptadas ao uso daquele recinto". Referindo-se à capela do palácio, Camilo destaca "os quatro velhos quadros de muito valor", embora considere que, contrariamente à opinião do seu amigo Sousa Guimarães, que atribui um deles a Grão Vasco, "ser talvez muito duvidoso julgá-lo tal, mas por isso, não é menos incontestável o seu grande valor". Quanto ao quintal, Camilo estima que a "estufa de ferro é a primeira deste país", salientando que o "asseio nas menores coisas do serviço doméstico, como cisternas e capoeiras, é mais parte a quinhoar da ideia luminosa que transluz no todo". No que respeita à história do conde do Bolhão, desgraçadamente - para além do abandono da mulher e de ter de encerrar o salão de festas do seu palácio - ver-se-á também a contas com a justiça. Em 1860 foi acusado de traficar moeda falsa para o Brasil, processo do qual veio a ser despronunciado, não obstante o escândalo permanecer bem vivo na opinião pública da cidade durante anos. Apesar de ilibado, o conde do Bolhão nunca mais conheceu os tempos faustosos que o rodearam no passado. Algum tempo depois a falência bateu-lhe à porta, obrigando-o a ceder o palácio - então avaliado em 27 contos de reis -, incluindo o jardim, quintal e os prédios da rua Fernandes Tomás, ao seu principal credor, José Pereira Loureiro, visconde de Fragosela, que em 1876 já era o seu proprietário.»
Com a devida vénia a José Manuel Lopes Cordeiro, In Jornal Público, 04/04/1999




Júlia, filha de António Alves de Sousa Guimarães; Pintura no tecto do Palácio do Bolhão - Fotografia de Luís Ferreira Alves

 
 
O Palácio que, à época, seria conhecido como Palacete de Mercúrio, por ter na sua platibanda uma estátua daquele deus Romano, teria sido inaugurado com um grandioso baile oferecido a 800 convidados, dos quais 250 eram senhoras, no dia 12 de Fevereiro de 1851, celebrando também um aniversário do futuro barão.


 

A estátua do Deus Mercúrio na platibanda do Palácio do Bolhão

 
 
Deste dia, nos deu conta o cronista José de Sousa Bandeira (1789-1861), no jornal “Periódico dos Pobres” de 18 de Fevereiro.
Camilo Castelo Branco também escreveria sobre o tema numa crónica do periódico político “O Portugal” que tinha vindo para substitui um outro do mesmo cariz – “A Pátria”.
“O Portugal” dizia ser um periódico miguelista, católico e anticabralista.

 
“Notícias Diversas – ‘Um baile famoso’ – O baile dado pelo sr. António Alves de Sousa Guimarães, em a noite de quarta feira, continua ainda, e continuará por muito tempo a ser o assunto geral de todas as conversações: é que a impressão que deixou aquela noite de encantos não é das que morre e desfalece à luz do dia seguinte.
Ninguém houve talvez ainda, que se esmerasse com tão diligente e infatigável cuidado em regalar todos os seus convidados, e que lograsse a boa fortuna de o conseguir tão completamente.
De toda a parte brotavam prazeres tão variados a embriagar os sentidos, que pensamento que ali entrasse, não tornava a sair.
O sr. António Alves até conseguiu que o delicado gosto da elegância chegasse onde não podiam chegar os seus cuidados: foi tão mimoso o ramalhete, que reuniu, de ‘formosas’ e ‘elegantes’, que nos seus olhos e primores deixaram muitos, por gosto, perder a liberdade.
O que ali passou e se sentiu não o podemos nem sabemos contar:
“Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pôde experimentá-lo.””
In “O Portugal”



Uma festa que, disseram, teve início pelas 8 e 30 da noite, quando a banda de música anunciou a entrada no portal das primeiras senhoras e terminou às oito horas da manhã, quando os músicos declararam não poderem mais.
Em 1890, Emílio Biel (1838-1915), fotógrafo da Casa Real e um dos grandes pioneiros da fotografia portuguesa, comprou o edifício e instalou ali o seu estúdio.
Biel morreu, em 1915, amargurado por ter sido atacado no início da I Guerra por ser alemão.
O palácio foi depois arrendado, em 1917, por Raul de Caldevilla, pioneiro da publicidade, aqui chegado vindo da Rua de Santo António, onde geria a “Organizações de Propagandas de Raul Caldevilla & Cia, Lda.” e fundador, com outros sócios, em 1921, da empresa cinematográfica “Empreza Técnica Publicitária Film Gráfica Caldevilla” ou “Caldevilla Film”, da qual se viria a demitir dois anos depois.
Serão os sócios de Raul Caldevilla que irão continuar a firma sediada no Palácio do Bolhão, agora como “Empreza do Bolhão, Lda.”, conhecida também como Litografia do Bolhão que ali funcionou durante anos, até à década de 1990, tendo sido, para o efeito, construído um anexo de dimensões consideráveis cobrindo o antigo jardim.



Publicidade à “Empreza do Bolhão, Lda”, in revista “O Tripeiro” de Janeiro de 1990



A Câmara do Porto acabaria por comprar o edifício em 2001, cedendo-o, por 50 anos, à ACE (Academia Contemporânea do Espectáculo) /Teatro do Bolhão, visando a sua recuperação e reconversão em Teatro do Bolhão, edifício sede da escola e companhia.
As obras da 1ª fase de adaptação do palácio, sob o comando do arquitecto José Gigante, decorreram entre 2005 e 2009 com o apoio da DREN, CMP, CCDR-Norte e com o apoio do Ministério da Cultura, concluindo-se a 2ª fase em 2014 e tendo a inauguração ocorrido em Março de 2015.




Interior do Palácio do Bolhão – Ed. Jornal Público



Quarto do Palácio do Bolhão – Fonte: “ovoodocorvo.blogspot.pt”




Palácio do Conde do Bolhão encimado na platibanda por estátua representando Mercúrio

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