O Palácio do Conde do Bolhão, imóvel classificado pelo
IPPAR, é considerado um dos edifícios mais notáveis da arquitectura civil do
Porto oitocentista e fica na Rua Formosa, próximo do mercado do Bolhão.
Mandado construir em 1844 por António de Sousa Guimarães, casado
em 1835 com Francisca Fausta do Vale
Pereira Cabral (1808-1888), um dos comerciantes mais ricos do país, em 1876, já
estava nas mãos de José Pereira Loureiro, visconde de Fragosela, credor daquele.
O palácio expressava o vigor político e financeiro da
orgulhosa burguesia portuense do séc. XIX, sendo a sua decoração de estuques,
pintura e talha, assinada pelos artistas mais relevantes da época. No entanto,
o palácio deve ainda a sua reputação à faustosa vida social que o Conde do
Bolhão promovia e que Camilo Castelo Branco, seu protegido, descreveu
detalhadamente.
No Palácio do Conde do Bolhão realizaram-se algumas das
festas mais animadas da cidade, no século XIX, com Camilo Castelo Branco como
assíduo participante.
No seu último piso, era dotado de uma capela.
Durante toda a tarde do dia 3 de Maio de 1852, uma 2ª Feira,
o barão (14 de Agosto de 1851) e baronesa do Bolhão iriam ser os anfitriões, no
seu palacete, da rainha D. Maria II e da restante comitiva real, que se
encontravam de visita à cidade do Porto.
Este ano seria de desavenças conjugais.
A baronesa Francisca Fausta sai de casa acusando o barão de
maus tratos.
O caso apaixona a opinião pública, originado um exército de
partidários.
Camilo Castelo Branco que, dois anos antes tinha feito o
elogio público de António Alves de Sousa Guimarães, dado como apoiante de
Saldanha, numa série de artigos publicados em “O Nacional” faz a defesa do
barão, tentando provar serem as acusações, falsas e motivadas pela rivalidade
política do igualmente rico e poderoso cunhado, Constantino António do Vale
Pereira Cabral, firme apoiante de Costa Cabral.
«A edificação do seu
palácio - considerado uma das mais luxuosas residências da cidade, com um
grande quintal e jardim, que alcançava a Rua de Fernandes Tomás, onde o seu
proprietário também possuía algumas casas - custou mais de 70 contos de reis,
uma quantia apreciável para a época. O título de Barão do Bolhão foi-lhe
concedido em 1851 por D. Maria II, a qual, no ano seguinte, juntamente com a
respectiva comitiva, se hospedou no palácio, por ocasião de uma visita ao Norte
do país. A hospitalidade então prestada à real figura terá constituído o motivo
pelo qual veio a ser recompensado com o título de conde do Bolhão, por decreto
de 1855, assinado já por D. Fernando - em virtude de a rainha ter morrido em
1853, apenas com 34 anos, durante o parto do seu décimo primeiro filho, regente
na menoridade do futuro D. Pedro V. Ao mesmo tempo que conquistava a sua
nobilitação, Sousa Guimarães perdia no terreno familiar. Tendo casado em 1835
com Francisca Fausta do Vale Pereira Cabral, irmã de um grande capitalista e negociante
do Porto, vê o seu casamento desfeito em 1852, quando aquela abandona o lar,
acusando o marido de tirania conjugal e maus tratos físicos. A "questão
conjugal do barão do Bolhão", denominação pela qual ficou conhecido este
escândalo, dividiu a sociedade portuense da época tendo o barão, no entanto,
conhecido a solidariedade de algumas figuras célebres, como Camilo Castelo
Branco, seu amigo pessoal. O conhecido "gazetilheiro" saiu em defesa
de Sousa Guimarães, com a publicação no "Nacional" de um extenso
artigo, intitulado "Revelações", o qual lhe acarretou a fúria
dos sobrinhos da baronesa, os irmãos Sousa Guedes, traduzida numa agressão ao
romancista, à porta da sua residência na rua de Santo António.
(...) Após a separação da mulher, as festas
desapareceram do palácio do magnata, o que levou Camilo, em 1857, a lamentar-se
nas páginas do "Nacional", declarando que, "depois que se fecharam
os faustosos salões do Sr. conde do Bolhão, esmoreceu aquele ânimo largo dos
anfitriões que engrandeciam a terra. Quem conheceu, há dez anos, o Porto, pasma
dos sintomas de decadência em que hoje está". É, aliás, Camilo Castelo
Branco quem, num artigo publicado em 1851 no "Jornal do Povo", nos
descreve, do seguinte modo, a faustosidade oriental do palácio do conde do
Bolhão: "Para os que a observam de longe, a fachada do edifício é pelas
proporções grandiosas e formas de capricho uma dessas criações de Sufflot, no
reinado de Luís XV, em que a arquitectura, depurada da insipidez italiana,
ostenta um carácter entre o severo e o risonho - entre a face de um templo
grego e o frontispício gracioso de um castelo na França de Francisco I".
E, prossegue o romancista, numa elogiosa referência ao co-proprietário da
vizinha fundição do Bolhão, que nessa época se encontrava envolvido na luta
pela legalização da Associação Industrial Portuense: "Sobre os cinco arcos
que constituem as cinco entradas, ergue-se o primeiro andar de cinco janelas
rasgadas, terminando em ogivas com os seus parapeitos de gradaria dourada, é de
si tão perfeita obra, que faz gosto admirar ali até que progresso as nossas
fábricas podem ser alteadas, quando as administrações forem presididas por
homens de talento artístico como o Sr. José Vitorino Damásio". Passando à
discrição dos interiores do palácio, Camilo detém-se na sala de visitas -
"Um belo sonho com palácios de fadas; um dourado quiosque para sultanas na
hora da sesta" -, salientando que "o Sr. Resende, distinto pintor
deste país malfadado para o mérito, concebeu e executou na tela que fecha o
fogão desta sala, um grupo de aldeões, que em torno da fogueira, parecem
conversar em santa paz nos trabalhos rústicos do dia seguinte. [...] A sala de
baile é adornada por móveis que reúnem riqueza, simplicidade e delicadeza no
gosto. Antes dos emblemas de dança e música, que portentosamente decoram os
excelentes estuques, é muito para captar o belo fantástico que o Sr. João
Baptista Ribeiro personalizou em alegorias adaptadas ao uso daquele
recinto". Referindo-se à capela do palácio, Camilo destaca "os quatro
velhos quadros de muito valor", embora considere que, contrariamente à
opinião do seu amigo Sousa Guimarães, que atribui um deles a Grão Vasco,
"ser talvez muito duvidoso julgá-lo tal, mas por isso, não é menos incontestável
o seu grande valor". Quanto ao quintal, Camilo estima que a "estufa
de ferro é a primeira deste país", salientando que o "asseio nas
menores coisas do serviço doméstico, como cisternas e capoeiras, é mais parte a
quinhoar da ideia luminosa que transluz no todo". No que respeita à
história do conde do Bolhão, desgraçadamente - para além do abandono da mulher
e de ter de encerrar o salão de festas do seu palácio - ver-se-á também a
contas com a justiça. Em 1860 foi acusado de traficar moeda falsa para o
Brasil, processo do qual veio a ser despronunciado, não obstante o escândalo
permanecer bem vivo na opinião pública da cidade durante anos. Apesar de
ilibado, o conde do Bolhão nunca mais conheceu os tempos faustosos que o
rodearam no passado. Algum tempo depois a falência bateu-lhe à porta,
obrigando-o a ceder o palácio - então avaliado em 27 contos de reis -,
incluindo o jardim, quintal e os prédios da rua Fernandes Tomás, ao seu
principal credor, José Pereira Loureiro, visconde de Fragosela, que em 1876 já
era o seu proprietário.»
Com a devida vénia a José Manuel Lopes Cordeiro, In Jornal
Público, 04/04/1999
Júlia, filha de António Alves de Sousa Guimarães; Pintura no
tecto do Palácio do Bolhão - Fotografia de Luís Ferreira Alves
O Palácio que, à época, seria conhecido como Palacete de Mercúrio, por ter na sua
platibanda uma estátua daquele deus Romano, teria sido inaugurado com um
grandioso baile oferecido a 800 convidados, dos quais 250 eram senhoras, no dia
12 de Fevereiro de 1851, celebrando também um aniversário do futuro barão.
Deste dia, nos deu conta o cronista José de Sousa Bandeira (1789-1861),
no jornal “Periódico dos Pobres” de 18 de Fevereiro.
Camilo Castelo Branco também escreveria sobre o tema numa
crónica do periódico político “O Portugal” que tinha vindo para substitui um
outro do mesmo cariz – “A Pátria”.
“O Portugal” dizia ser um periódico miguelista, católico e
anticabralista.
“Notícias Diversas –
‘Um baile famoso’ – O baile dado pelo sr. António Alves de Sousa Guimarães, em
a noite de quarta feira, continua ainda, e continuará por muito tempo a ser o
assunto geral de todas as conversações: é que a impressão que deixou aquela
noite de encantos não é das que morre e desfalece à luz do dia seguinte.
Ninguém houve talvez
ainda, que se esmerasse com tão diligente e infatigável cuidado em regalar
todos os seus convidados, e que lograsse a boa fortuna de o conseguir tão
completamente.
De toda a parte
brotavam prazeres tão variados a embriagar os sentidos, que pensamento que ali
entrasse, não tornava a sair.
O sr. António Alves
até conseguiu que o delicado gosto da elegância chegasse onde não podiam chegar
os seus cuidados: foi tão mimoso o ramalhete, que reuniu, de ‘formosas’ e
‘elegantes’, que nos seus olhos e primores deixaram muitos, por gosto, perder a
liberdade.
O que ali passou e se
sentiu não o podemos nem sabemos contar:
“Melhor é
experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não
pôde experimentá-lo.””
In “O Portugal”
Uma festa que, disseram, teve
início pelas 8 e 30 da noite, quando a banda de música anunciou a entrada no
portal das primeiras senhoras e terminou às oito horas da manhã, quando os
músicos declararam não poderem mais.
Em 1890, Emílio Biel (1838-1915), fotógrafo da Casa Real e
um dos grandes pioneiros da fotografia portuguesa, comprou o edifício e
instalou ali o seu estúdio.
Biel morreu, em 1915, amargurado por ter sido atacado no
início da I Guerra por ser alemão.
O palácio foi depois arrendado, em 1917, por Raul de
Caldevilla, pioneiro da publicidade, aqui chegado vindo da Rua de Santo
António, onde geria a “Organizações de Propagandas de Raul Caldevilla & Cia,
Lda.” e fundador, com outros sócios, em 1921, da empresa cinematográfica “Empreza
Técnica Publicitária Film Gráfica Caldevilla” ou “Caldevilla Film”, da qual se viria
a demitir dois anos depois.
Serão os sócios de Raul Caldevilla que irão continuar a
firma sediada no Palácio do Bolhão, agora como “Empreza do Bolhão, Lda.”,
conhecida também como Litografia do Bolhão que ali funcionou durante anos, até à
década de 1990, tendo sido, para o efeito, construído um anexo de dimensões
consideráveis cobrindo o antigo jardim.
A Câmara do Porto acabaria por comprar o edifício em 2001,
cedendo-o, por 50 anos, à ACE (Academia Contemporânea do Espectáculo) /Teatro
do Bolhão, visando a sua recuperação e reconversão em Teatro do Bolhão, edifício
sede da escola e companhia.
As obras da 1ª fase de adaptação do palácio, sob o comando
do arquitecto José Gigante, decorreram entre 2005 e 2009 com o apoio da DREN,
CMP, CCDR-Norte e com o apoio do Ministério da Cultura, concluindo-se a 2ª fase
em 2014 e tendo a inauguração ocorrido em Março de 2015.
Interior do Palácio do Bolhão – Ed. Jornal Público
Quarto do Palácio do Bolhão – Fonte: “ovoodocorvo.blogspot.pt”
Palácio do Conde do Bolhão encimado na platibanda por
estátua representando Mercúrio
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