Estas duas estalagens que se situam no Concelho da Maia e
que marcaram uma época no desenvolvimento turístico da região, no que concerne
à hotelaria e à restauração, em termos arquitectónicos, apoiavam-se em
filosofias e estéticas, de que António Ferro era o grande guardião e mentor.
António Ferro foi um escritor, jornalista e político
português, e um dos principais ideólogos do Estado Novo, que orientava da sua
tribuna – O Secretariado de Propaganda Nacional. Na vertente cultural nada se
fazia sem o seu aval.
Todos os artistas que não alinhassem com as suas teses, eram
afastados.
A sua política assentava na chamada «Campanha do Bom Gosto»,
que criou e orientou, e que tinha por um dos pilares a Revista Panorama.
Criticado por uns, exaltado por outros, personalidade sem
dúvida controversa, sobre ele diz Vasco Rosa em 27 Abril de 2015, no
“Observador”:
“António Ferro faleceu
em Novembro de 1956, mas só 30 anos após a sua morte (15 dos quais passados
desde a revolução de 1974) a sua extensa influência em meio século de vida
portuguesa teve uma primeiríssima avaliação crítica, ainda que de âmbito
parcial: o trabalho académico de António Rodrigues sobre o seu modernismo na
idade do jazz band, que esperou 9 longos anos para sair em livro, muito ajudado
pelo providencial centenário do nascimento, em 1995. Ernesto Castro Leal
dedicou-lhe em 1988 uma tese de história contemporânea, também ela centrada num
tema específico, o jornalista e activista político de 1918 a 1932, a qual
aguardou 6 anos por um editor. Outras teses universitárias foram dedicadas a
Ferro, como a de Cidalisa Guerra em 2002 e a de Jorge Campos em 2009 — mas
acerca destas tudo o que vos posso dizer é que estoicamente me forcei a lê-las
até ao fim, e sobrevivi… Quase duas décadas depois do livro de Castro Leal,
Margarida Acciaiouli escreveu «A
Vertigem da Palavra». Retórica, Política e Propaganda no Estado Novo (Maio
de 2013), e há semanas saiu António
Ferro, «Criador do Salazarismo de Orlando Raimundo»”.
António Ferro e o ditador Oliveira Salazar
Sobre as estalagens que existiram na Maia, no século XIX, é
o artigo seguinte, que dá ainda conta e descreve, a Estalagem do Galo, situada no Lugar
do Chiolo, EN 14 e a Estalagem do Lidador,
situada no Lugar das Guardeiras, EN 13, que eram o reflexo da tal «Campanha do
Bom Gosto» que, por lei, tinha normativo próprio para as pousadas, desde 1941,
o que em consequência, foi aplicado àquelas duas estalagens.
No mapa abaixo, do início do séc. XIX, é-nos mostrada uma
«fatia» do Concelho da Maia, de então, em que vemos que ao longo das principais
estradas que o atravessam há algumas estalagens.
À esquerda, na estrada para Vila do Conde, a estalagem da Venda da Velha. Ao centro, na estrada
para Barcelos, as estalagens do Padrão
de Moreira e da Lameira. À
direita, na estrada que vai para Famalicão e Braga, as estalagens da Pinta, do Castelo e da Carriça.
Mapa parcial do
concelho da Maia mostrando vias e estalagens - Fonte: José Augusto Maia Marques sobre mapa de
Custódio Vilas Boas
“Estas estalagens,
algumas bem arranjadas, outras, verdadeiros tugúrios, estão muito presentes na
literatura oitocentista. Camilo celebrizou-as, no mais das vezes pelas piores
razões. A Estalagem do Casal do Pedro na Junqueira (Vila do Conde) foi batizada
pelo escritor de «Estalagem das Pulgas». E o nome ficou. A Estalagem da Ponte
da Pedra, onde se reuniam, depois dos espetáculos, as divas do Bel canto que
atuavam no Porto, acompanhadas dos seus seguidores, e onde, muitas vezes, havia
pancadaria «de criar bicho», merece bastas referências na obra camiliana.
Várias destas
estalagens ficaram famosas pela sua cozinha, outras pelo seu vinho, uma por
outra pela estalajadeira ou por alguma das moças que a auxiliava.
Também elas se
situavam na maioria das vezes ao longo dos caminhos.
Neste mapa do início
do séc. XIX que nos mostra uma «fatia» do Concelho da Maia de então, vemos que
ao longo das principais estradas que o atravessam há estalagens. À esquerda, na
estrada para Vila do Conde, a estalagem da Venda
da Velha. Ao centro, na estrada para Barcelos, as estalagens do Padrão de Moreira e da Lameira. À direita, na estrada que vai
para Famalicão e Braga, as estalagens da Pinta,
do Castelo e da Carriça.
António Ferro
definia-as: “Exceptuando os grandes centros, do que precisamos, do que a nossa
paisagem precisa, é de simples pousadas, ou estalagens, muito claras, muito
limpas, confortáveis, mas sem luxo, construídas e arranjadas ao gosto de cada
região […]. Boas camas, boa comida, boas instalações higiénicas, bom serviço,
bom-gosto, eis as condições indispensáveis dessas pousadas ou estalagens”.
Para além do «modelo»
que aqui é definido, e que se repercutiu com certa frequência pelo País, quer
em pousadas, quer em estalagens, quer mesmo em hotéis de pequena e média
dimensão, percebemos, por este excerto que, no fundo, o que diferia pousadas de
estalagens, era, à parte a monumentalidade de algumas das primeiras, o facto de
que pousadas eram de iniciativa pública (da
SPN ou do SNI) enquanto estalagens eram
de iniciativa privada.
Fonte: José Augusto
Maia Marques, In: Revista da Maia; Ano II, Nº 1, 2017
Estalagem do Galo
(Chiolo, Maia)
A Estalagem do Galo foi uma obra da responsabilidade de
“ARS-Arquitectos Reunidos”, gabinete de arquitectura fundado por António
Fortunato Cabral.
“António Fortunato Cabral (1903-1978)
estudou no Colégio de Montariol, em Braga.
Entre 1921 e 1935,
estudou Arquitetura na Escola de Belas Artes do Porto, tendo apresentado no
Concurso para a Obtenção do Diploma de Arquiteto (CODA), em 1941, o trabalho
sobre o Mercado Municipal de Matosinhos: Betão Armado, diplomando-se com 16
valores.
Fundou com Mário
Cândido de Morais Soares e Fernando da Cunha Leão o grupo Arquitectos Reunidos
(ARS), de onde saíram marcantes projetos arquitetónicos, de diversas
tipologias, como as igrejas da Praia de Mira, de S. Pedro da Cova (Gondomar),
de Nossa Senhora de Fátima (Porto) e de Crestuma (Vila Nova de Gaia); o
Externato Liceal de Alijó, a Escola Gonçalo Pereira (Barcelos) e a
Creche-lactário Amaíza Veiga Ripado (Chaves); a Casa das Lérias (Amarante) e a
Loja Lopo Xavier (Porto); o Buvete das Termas das Caldas (Amares); as adegas
cooperativas de Chaves, Lousada e Marco de Canavezes; a Estalagem do Galo (Maia), o Hotel-Restaurante Porto Mar
(Matosinhos) e Sacel – Edifício de Restauração (Porto); o Mercado Municipal de
Matosinhos e o Mercado do Bom Sucesso (Porto); o Edifício Social da Legião
Portuguesa (Porto); o Bairro Operário da Litografia Nacional (Porto); o Quartel
dos Bombeiros da Póvoa de Varzim; o Banco Nacional Ultramarino de Vila Nova de
Famalicão; o jazigo da Família Benjamim José de Araújo Oliva (S. João da
Madeira); e ainda várias casas e prédios como o Prédio de Rendimento Adão
Polónia (Matosinhos) e a Casa Olinda Freitas Figueiredo (Porto)”.
Fonte: “espacodearquitetura.com/”
Estalagem do Galo (postal) – Lugar do Chiolo – Maia
Interior da Estalagem do Galo (postal)
Estalagem do Galo
“Boa noite. A
Estalagem do Galo foi mandada construir pelo meu Avô, António Joaquim da Silva,
para ser uma casa de campo. Existiam raízes familiares no Lugar do Chiolo,
Barca, Maia, e por esse motivo foi escolhido aquele local. À época, e ainda nos
muitos anos que lá passei, a área envolvente era um paraíso, pinhais e campos
de cultivo em redor, no local onde hoje é um super mercado de grande superfície
existia um riacho límpido com peixes e rãs, um moínho, salgueiros, imensa
fauna, imensas aves.
Mas, como o meu Avô já
era proprietário de alguns restaurantes no Porto - O Escondidinho na Rua Passos
Manuel, Os Três Irmãos, a Pousada Escondidinho ao lado do Coliseu do Porto - um
grupo de amigos e comerciantes e industriais da época, convenceram o meu Avô a
transformar a casa de campo numa Estalagem...e, assim nasceu a Estalagem do
Galo, com 5 quartos, serviço de restaurante e eventos, com a mesma linha de
cozinha portuguesa do Escondidinho, aprimorada por bons profissionais, alta
qualidade de matérias primas e excelência no serviço prestado.
Na verdade, a
Estalagem nunca esteve encerrada até 1987, que foi quando por motivos
familiares a vendemos a particulares para residência própria permanente. Mas o
mundo dá muitas voltas, e hoje em dia a Estalagem do Galo foi rebaptizada como
Quinta do Galo, e está vocacionada para eventos, casamentos, baptizados,
festas, etc.
Fico sensibilizada por
ver esta foto, pelos comentários de antigos clientes, saudosos da excelente
ementa da Estalagem do Galo.
Bem hajam”.
Cortesia de Branca
Maria Milano, In facebook
Estalagem do Lidador
(Guardeiras)
“Outro estabelecimento
hoteleiro bem conhecido na nossa zona era a Estalagem do Lidador.
Também ela do início
dos anos 50, pautava-se por uma sobriedade de linhas, sobretudo em relação à
anterior.
Estava dotada no piso
térreo com receção, instalações sanitárias, duas salas de jantar, sala de
estar, e as várias instalações para a confeção de refeições.
Num corpo que se
prolongava para norte, um amplo salão de festas com
palco, que também
servia de sala de banquetes e, ao fim de semana, de sala de refeições. No piso
superior, 10 quartos com todos os cómodos. Na cave, um bar inspirado pelo
trabalho e armazenagem do vinho.
Com uma decoração
escorreita, baseada nos padrões que António Ferro definira alguns anos antes,
mas depurados de exagerados «regionalismos», os espaços eram agradáveis,
acolhedores, luminosos, à dimensão humana.
Contava já com várias
inovações como casa de banho e telefone nos quartos, sendo que todos estes
tinham acesso a um terraço.
E, claro, como era
hábito, uma instalação de venda de gasolina e óleos, ainda hoje muito
movimentada.
Ali estiveram e
pernoitaram vários membros do governo, governadores civis, presidentes de
câmaras, deputados da nação, etc. O próprio Presidente do Conselho, Dr. Salazar
ali esteve.
O seu serviço de
restauração era famoso pela sua qualidade, atraindo, mormente ao fim de semana,
muitos visitantes. Os seus lanches de sábado e domingo eram famosos.
A sua proximidade da
cidade do Porto, do Aeroporto (campo de aviação, como se chamava nos anos 50) e
do porto de Leixões, bem como os (então) abundantes espaços verdes que a
rodeavam, fizeram da Estalagem um ponto muito requisitado para estadias de
descanso e para estágios desportivos”.
Fonte: José Augusto
Maia Marques, In: Revista da Maia; Ano II, Nº 1, 2017
Estalagem do Lidador – Colecção de José Augusto Maia Marques
Estalagem Lidador (Interior) - Colecção de José Augusto Maia Marques
Estalagem Lidador nos nossos dias – Fonte: Google maps
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