Para quem no fim do século XIV se dirigisse para poente,
saindo pelo Postigo da Praia (Miragaia) aberto na muralha que cercava a cidade,
começada a construir algumas dezenas de anos antes (1336), mas que ainda se
encontrava à data por concluir, na sua totalidade, encontraria como primeira
concentração populacional, o arrabalde de Miragaia, constituído, logo no século
XIII, em bairro ribeirinho ligado às actividades marítimas, à pesca e à navegação
comercial no mar.
A viagem poderia ser feita a pé (para quem não tinha
alternativa) ou de jerico (macho, burro ou jumento) e para gente de posses, a
cavalo.
Depois de ultrapassada a zona chamada de Monchique, ao cabo
de Miragaia, onde viria a ser implantado um mosteiro de grandes dimensões (no
início do século XVI), chegava-se a Massarelos.
Ou seja, iniciava-se o termo do Porto, a região mais
distante abrangida pela jurisdição da cidade.
Miragaia e Massarelos constituíam o vizinho próximo, isto é,
a zona fora da cidade, mas que tratava directamente com ela, diariamente.
Povoação antiga, pertencente à colegiada de Cedofeita,
Massarelos, tal como Miragaia, desfrutava da presença de uma praia fluvial, que
atraiu os moradores à pesca e ao mar. Povoado insignificante no período
medieval, dedicado à pesca (importante nos tempos futuros) e à extracção de sal,
desenvolver-se-á na segunda metade do século XVI, graças às empresas marítimas
e à armação mercante.
Em pleno século XVII começam as primeiras intervenções nas
margens do rio Douro.
“O processo de
rectificação das margens, com a construção de cais e a pavimentação dos
caminhos prossegue de modo simétrico, mas a margem direita avança primeiro. A
empreitada de quebrar «as pedras na Arrábida junto do Douro», abrindo a
passagem no sítio do estreito das Dezoito Braças, é adjudicada no ano de 1619.
Em 1624 segue-se a construção do caminho desde o convento de Monchique até Massarelos,
enquanto que na margem esquerda são cortados uns penedos junto da capela de
Santo António, a fim de aí fazer um rossio «limpo e chão» onde pudesse «ir um
coche». Embora os estrangulamentos dos penhascos da Arrábida tivesse sido
objecto de algum desbaste no primeiro quartel do século XVII, não se
concretiza, nessa altura, a abertura de uma passagem larga em direcção à Foz,
pois a cartografia do início do século XIX ainda não assinala um troço da via
em projecto. Na outra margem, a obra de corte no sítio do estreito apenas será
realizada no século XX, com a construção da ponte da Arrábida.”
Cortesia: Marta Maria Peters Arriscado de Oliveira
Em 1758, a povoação de Massarelos ainda fazia parte do termo
do Porto, estando integrada na comarca e terra da Maia. Em 1769, foi anexada ao
Porto e, em 1835, passou a integrar as freguesias da cidade.
A Rua do Cais Novo, em direcção a Massarelos, só seria
começada a construir em 1770.
Arrastando-se essas obras e algumas outras, uma Ordem Régia,
de 25 de Agosto de 1787, é exarada determinando o reforço do poder do
governador das Justiças em detrimento do até aí detido pelo senado camarário.
Assim, aquele governador ficaria encarregado não só da presidência,
mas, também, da inspecção das Obras Públicas.
Entre estas, eram mencionadas as projectadas para o cais de
Miragaia e sua continuação até São João da Foz e, ainda, as obras de construção
de fontes e aquedutos de abastecimento de água pública, assim como a recuperação
da Casa da Câmara ou Paços do Concelho, na Sé, que se encontrava em estado de
ruína, também designada por Casa dos 24.
O novo presidente e inspector das Obras Públicas da cidade
que vai pôr em execução a directiva é José Roberto Vidal da Gama (governador da
Relação do Porto de 1786 a 1790). Embora estivesse consciente da dificuldade e
elevado custo das obras de cais e aquedutos, procurou pôr em prática aquele programa
e uma das suas primeiras medidas foi a contratação de um técnico para director
das Obras Públicas. O convite ao arquitecto e engenheiro militar José
Champalimaud de Nussane é feito e aceite e começa a sua intervenção que
deixaria marcas para o futuro.
Continuando as intervenções nas margens do rio Douro entre
Miragaia e Massarelos, passar para jusante da igreja do Corpo Santo de Massarelos,
cuja cabeceira fazia a separação da praia do Mosqueiro da praia de Massarelos,
impedindo a passagem de uma via marginal, tornava-se uma tarefa difícil. Foi,
então, decidido ultrapassar essa dificuldade fazendo os respectivos cais, em
cada uma das praias, para que continuasse a construção da estrada.
A obra do cais do Mosqueiro, também conhecido como Cais das
Pedras, teve início em Agosto de 1789, sob a direcção de José Champalimaud de Nussane,
com a colaboração de Teodoro de Sousa Maldonado, assistência e fiscalização de Henrique
Archer e execução a cargo do mestre-pedreiro Henrique Ventura Lobo, começando a
sua construção pelo lado Nascente.
Entretanto, José Champalimaud de Nussane é desviado para a
construção da estrada do Porto a Guimarães, onde não demora a ser substituído
nessa tarefa pelo sargento-mor de infantaria com exercício de engenharia, Joaquim
de Oliveira (1866-1816).
No Porto, a José Champalimaud de Nussane sucede-lhe, então, outro
engenheiro militar, o francês Reinaldo Oudinot (1744-1807) chegado ao Porto, em
Outubro daquele ano, acompanhado do seu ajudante Faustino Salustiano da Costa e
Sá, no momento preciso, em que, a Junta das Obras Públicas começava a intervir
na frente portuária e regularização das condicções de entrada na barra.
Neste último caso, foi escolhido para estaleiro a zona do
Ouro e o material necessário para os trabalhos extraído da pedreira do monte da
Arrábida.
Para o efeito, Reinaldo Oudinot mandou construir umas
jangadas que faziam o transporte da pedra para a foz do rio.
O trabalho na pedreira ia possibilitar o rasgamento da
escarpa possibilitando, assim, a abertura do caminho entre Massarelos e a
ribeira do Ouro.
Reinaldo Oudinot vai permanecer na cidade entre 1789 e 1802.
No que diz respeito à entrada da barra o objectivo principal
era que a foz do rio se alargasse mais para sul.
“Depois de trabalhar
em Leiria Reinaldo Oudinot foi solicitado para trabalhar no porto do Douro, por
iniciativa do ministro José Seabra da Silva, a pedido da Companhia do Alto
Douro. A barra apresentava vários problemas de assoreamento o que complicava a
transição das embarcações e dos grandes navios, colocando em causa toda a
economia da cidade do Porto. Oudinot chegou ao Porto em outubro de 1789 com um
conjunto de instruções dadas pelo ministro que continham informações sobre o
local de intervenção e quais os pontos a trabalhar. Rapidamente, Oudinot
apresentou um primeiro plano a ser executado na foz do Douro. Neste plano
respondeu às exigências do ministro propondo um dique na parte norte da foz do
rio, que ligava o farol de S. Miguel-o-Anjo ao Forte de S. João Baptista. A
ideia do projeto era fazer com que a compressão das águas criada pelo dique
dragasse a barra e a alargasse a foz para sul. O projeto foi aprovado e em
fevereiro de 1790 a Rainha D. Maria I ordenou o início dos trabalhos. O
engenheiro Faustino Salustiano da Costa e Sá foi nomeado para ser seu
colaborador”.
Fonte: pt.wikipedia.org/
No que concerne às margens do rio, Reinaldo Oudinot propunha-se
intervir em alguns locais que ficariam ligados por um cais contínuo,
funcionando como uma estrada.
“O seu projeto urbano
para a frente ribeirinha consistia no desenvolvimento de cinco locais: São João
da Foz, Massarelos, Ribeira do Porto, Guindais e Freixo. Junto com essas
melhorias, Oudinot propôs a construção de um cais-estrada à beira-mar que
ligasse esses cinco pontos, dando organização e continuidade a esse plano
urbano desde a foz até à cidade. Em suma, com este projeto Oudinot conseguiu
delinear um plano global que conjugava as áreas de hidráulica, urbanismo e de
defesa militar. Ao expandir e fortificar o Forte de S. João Baptista e ao
conceber uma nova estrutura urbana de quarteirões e praças, Oudinot
reestruturou totalmente a foz do Douro. No entanto, devido a insuficiência de
fundos estes projetos não foram construídos. A arquiteta Andreia Coutinho
defende na sua dissertação este projeto como sendo um projeto urbano pombalino para
frente marginal do Douro.
Em 1801, com o início
da Guerra das Laranjas, Reinaldo Oudinot assumiu o cargo de Governador interino
das Tropas do Porto”.
Fonte: pt.wikipedia.org/
Por deliberação de Março de 1791, José de Seabra da Silva
criava condições para uma liberdade maior de Oudinot em relação à Junta das
Obras Públicas.
Assim, toda a frente marginal desde a barra até à cidade
constituía-se como uma unidade territorial e administrativa, cujo desenho e
intervenção passavam a ser geridos directamente pelo Estado central e
administrados pela Companhia do Alto Douro.
José de Seabra da Silva, licenciado em leis pela U. Coimbra,
era o homem forte do governo, nomeado Ministro e Secretário de Estado dos
Negócios do Reino da rainha D. Maria I, cargo que exerceu, entre de 1788 e
1799.
Todas estas deliberações que afectavam a vida na cidade do
Porto eram acompanhadas, também, por um militar, Luís Pinto de Sousa Coutinho que
exerceu as funções de secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, entre
1788 e 1801.
Três semanas depois da decisão de se construir uma estrada
marginal ao rio foi promulgada a lei das Obras Públicas, em 28 de Março de
1791, lei que privilegiava a construção de estradas.
Reinaldo Oudinot escolhe, então, a zona da foz da ribeira do
Ouro ou ribeira da Granja para estaleiro das obras, e aproveita as instalações
do governo, já existentes, do Trem do Ouro, inclusivamente para sua residência.
Legenda:
1 – Ponte do Ouro
2 – Casa e quinta
do Passos
3 – Armazém de
ferramentas da Obra da Barra
4 – Armazém ou
fábrica de Ferragem, onde existiram cinco forjas e onde são fabricadas as
carretas necessárias ao transporte de inertes
5 – Casa do
Superintendente do Ouro, a quem pertencem os terrenos número 9
6 – Armazém ou
telheiro por conta da Companhia do Alto Douro
7 – Armazém ou
telheiro onde trabalhavam alguns soldados artífices em obra de carpintaria, e
carretas 8 – Armazém ou telheiro onde se recolhem as carretas
9 – Terrenos
pertencentes á Superintendência, onde se pretendia instalar uma fábrica de
cordoaria
10 – Terrenos
(contíguos) de expansão da projectada fábrica de cordoaria
11 – Terreno de
mata que pertencia ao Padre Domingos
12 – Capela de
Santa Catarina
13 – Praia da
Ribeira do Ouro
O texto seguinte dá conta das intenções finais de actuação
de Reinaldo Oudinot.
“O projecto para a
barra do Douro procura resolver a acessibilidade ao porto, atacando as causas
do assoreamento da barra, pela construção de um dique e de um molhe na margem
direita do rio. O projecto para Massarelos pretende criar uma bacia para abrigo
das embarcações em período de cheia, criando condições de segurança no estuário
do Douro, pela construção de um cais desde o Bicalho até ao cais do Mosqueiro.
O projecto para a Ribeira tem como intenção reformular os espaços de trabalho e
as circulações nos cais portuários mais importantes da cidade e defender a
baixa ribeirinha da acção das cheias. Oudinot desenvolve estes projectos
transportando os elementos propostos, situados na margem, para o interior do
tecido urbano existente, organizando todo o espaço, edificado ou público. Estes
projectos distinguem-se das propostas de José Champalimaud de Nussane para o
cais do Mosqueiro e de Teodoro de Sousa Maldonado para o cais de Miragaia, que
limitam a intervenção ao cais a renovar e se adaptam ao tecido urbano existente”.
Cortesia de Carlos Henrique de Moura Rodrigues Martins –
Tese de doutoramento em arquitectura (2014)
O plano de intervenção na barra do Douro tinha como ponto
principal a construção de um dique na parte norte da foz do rio, que ligava o
farol de S. Miguel-o-Anjo ao Forte de S. João Baptista. A ideia do projecto era
fazer com que a compressão das águas criada pelo dique dragasse a barra e a
alargasse a foz para sul. Compreendia, ainda, a construção de um molhe desde a
fortaleza às pedras de Felgueiras.
Na planta acima, é possível localizar o castelo, o cais do
Passeio Alegre e a orientação do molhe de Felgueiras e implantação do seu
farol.
Em 1802, Reinaldo Oudinot abandona a cidade, desviado para
intervir na barra de Aveiro, deixando o seu nome ligado às obras da Barra do
rio Douro e a dois quartéis militares: um junto da Porta do Sol e, o outro, no
Largo de Santo Ovídeo.De 20 de Maio a 6 de Junho de 1801, Reinaldo Oudinot tinha participado como Comandante de Armas do Partido do Porto, na Guerra das Laranjas, que opôs Portugal à Espanha e à França, como aliado de Inglaterra, conflito que nos levou Olivença.
Quando deixa o Porto, Reinaldo Oudinot parte com algumas das suas propostas por cumprir, caso da Praça da Ribeira que se mantinha sem acesso livre ao rio e, outras, que jamais seriam executadas, caso da muralha medieval na frente ribeirinha do bairro do Barredo, que seria redesenhada e requalificada pela sua perfuração com arcaria.
O arquitecto Teodoro Maldonado tinha começado a trabalhar para a Junta das Obras Públicas em 1789, como ajudante de José Champalimaud de Nussane (1733-1799), e sucedeu-lhe na direcção das obras públicas da cidade a partir de 1795, quando este deixou a cidade do Porto e regressou a Valença.
Entretanto, em 9 de Outubro de 1799, morre o arquitecto da cidade, Teodoro de
Sousa Maldonado (1759-1799) quando tinha apenas quarenta anos de idade. Nesse
ano é também afastado do Paço Real, José de Seabra da Silva, o ministro que
tinha dado início à obra da barra do Douro e que tinha definido as políticas
públicas para a cidade durante a década de 1890.
Passariam mais de 40 anos quando D. Pedro IV (1798-1834),
com o seu governo já instalado em Lisboa, ainda antes de reformular em 30 de
Maio de 1834 a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro,
transferiu para a Câmara a administração do cais de Massarelos e da estrada
desde a cidade até à foz do rio Douro.
Quanto à obra da barra, o monarca determinou que a
administração e a inspecção das obras, que se fizessem nas duas margens do
Douro, desde a cidade até à foz do rio Douro, ficassem exclusivamente entregues
ao administrador geral por conta do Estado, sem a ingerência das câmaras
vizinhas ao rio.
A Câmara do Porto negou-se a reconhecer esta portaria, por
julgar que lhe invadira as atribuições que tinha sobre as obras marginais do
Douro.
Nova portaria régia de 3 de Maio de 1837, esclarecia que a
edilidade não tinha razão no pleito, pois as obras decorriam em terrenos da
nação e, não, do concelho.
Desenho integrante do Plano de melhoramento da Barra do
Douro de Luiz Gomes de Carvalho, c. 1820
Legenda
1. Convento de Vale da Piedade
2. Facho
3. Lazareto
4. Dezoito Braças
No que à margem esquerda (margem de V. N. de Gaia) do rio
Douro diz respeito, os locais de amarração ou ancoradouros eram identificados
como se segue:
“(…) a partir de montante: Jones, Sandeman, Ramos
Pinto, Vanzelleres, Freiras, Elevador, (estes três lugares abrangem hoje o cais
de Gaia, primitivamente cais do Vinho do Porto), Cruz, Fontinha, Senhor da Boa
Passagem, Carbonífera, Sto. António do Vale da Piedade, Cais do Cavaco,
Arrozeira, Lingueta do Lugan, Lingueta da Louça, Afurada e São Paio e um ou
outro de pouca importância. Todas as margens eram dotadas de cabeços ou
peorizes de amarração, mesmo na barra, a fim de segurarem as embarcações que
garrassem nas cheias ou sofressem incidentes durante a sua navegação”.
Fonte: Rui Amaro, In “naviosavista.blogspot.com/”
Lingueta do Jones é uma rampa na margem de Vila Nova de
Gaia, junto da Ponte Luís I, ainda hoje existente, por onde em tempos recuados
se fazia a circulação de pessoas entre margens e das mercadorias, fossem de
embarcações oceânicas ou fluviais.
Foi um local tradicional de descarga de bacalhoeiros.
O local onde existe a referida lingueta, também era
conhecido por cais do Jones, ou de D. Luiz, ou Canto da Ponte.
O navio-motor inglês DARINIAN (Ellerman Lines) em manobra de
rotação para abandonar o lugar do Jones, na década de 50 - Fonte: Postal
ilustrado, In “naviosavista.blogspot.com/”
“Aquela lingueta
estava registada em nome de Joseph Jones, um cidadão inglês, residente no lugar
do Candal, Vila Nova de Gaia, e com escritório sedeado na Rua de S. Francisco,
21 – 1º, cidade do Porto. Era negociante e consignatário de mercadorias,
importador de carregamentos completos de bacalhau. Em 1835 foi secretário da
Associação Comercial do Porto.
O porto comercial do
Douro ou do Porto, como ainda há alguns anos era conhecido, possuía vários
lugares de amarração de navios, cujos nomes, lhes foram dados na sua maioria
pelos práticos da barra”.
Fonte: Rui Amaro, In “naviosavista.blogspot.com/”
Nesta margem esquerda, em frente a Massarelos, as grandes
transformações começam a acontecer com a instalação dos frades capuchos, no
local conhecido, até então, por Vale de Amores.
Em 23 de Junho de 1459, a Câmara do Porto afora, a título
perpétuo, a João Anes de Viana, mercador, e a Beatriz Eanes, sua mulher, o
lugar de Vale de Amores, no julgado de Gaia, pela renda anual de 7 libras, da
moeda antiga, paga em Setembro, pelo S. Miguel, segundo documento existente no
Arquivo Municipal do Porto.
Uns anos depois, em 1535, a cidade institui a imposição de
visitas de saúde a todas as embarcações de longo curso, entradas no rio, e
obtém autorização do rei para fundar, no lugar de Vale de Amores (Vale da
Piedade), em frente a Massarelos, uma “Casa
de Degredo”, para acolher os doentes e as mercadorias empestadas que vinham
a bordo.
Alguns anos depois da instituição da Casa do Degredo, o
convento de Santo António, da ordem dos Capuchos da Província da Soledade, é
fundado nas suas imediações, junto da margem do rio.
Aquele troço da margem esquerda do rio continuava a ser um
sítio afastado e recolhido.
Os padres capuchos do convento de Santo António tomam a seu
cargo a assistência ao degredo de “Valdamores”.
Por esse tempo, o topónimo antigo do lugar, conhecido como
Vale de Amores, passa a Vale da Piedade.
Vista do rio Douro, para montante, a partir do Monte da
Arrábida. À direita, na margem esquerda, a igreja do convento de Vale da
Piedade
Uma carta régia, datada de 10 de Março de 1684, determina
que os guarda-mores sejam obrigados a visitar as embarcações logo que entrem na
barra do Douro. Será então promovida a instituição de um “Lazareto” nas proximidades da Afurada.
As funções que lhe são cometidas são aproximadamente aquelas
que o degredo de Vale de Amores desempenhava anteriormente.
As visitas de saúde continuarão a ser efectuadas aí, frente
ao Ouro, até ao século XX.
O “Lazareto”
ficaria, segundo alguns, entre a área hoje ocupada pela igreja nova da Afurada
e a Casa dos Pescadores.
Nesta zona, existiu, em tempos, um armazém de cal e uma fábrica
de guano e, posteriormente, uma fábrica de mica.
Acima deste local, ficaria um “facho” que enviava sinais luminosos para as embarcações.
Vista aérea da Afurada entre a nova igreja, à esquerda, e a
Casa dos Pescadores, à direita – Fonte : Google maps
Pescadores da Afurada (1900)
“O sistema de fachos e
almenaras começou a ser organizado por D. João II. Em 30 de Agosto de 1484,
mandou «pôr atalaias no Porto, São Gens e Vila do Conde para estarem de vigia
aos navios que passassem no mar».
Em 1570, D. Sebastião
toma novas disposições, com a instituição de um serviço de vigias às armadas de
corsários, que deveria funcionar de Verão e no tempo de bonança.
Moradores dos lugares
e portos de mar eram obrigados a vigiar «de dia nas pontas que mais descobrirem
ao mar, e de noite nos portos, calhetas, praias, ou pedras em que parecer que
os ditos imigos poderão desembarcar».
Em cada local, a
determinação dos lugares de vigia ficava a cargo dos capitães que, em conjunto
com as gentes dos concelhos, de moradores e outras pessoas habilitadas e
conhecedoras, deviam definir os locais mais convenientes para o efeito.
Dos "Mapas e
Relação dos Fachos" mandados elaborar pelo Senado da Câmara do Porto, no
início do século XIX, constam os fachos do Monte de Cabedelo da Barra, do Monte
da Furada e de Nossa Senhora da Luz, entre outros situados na linha costeira e
nos montes do interior”.
Cortesia de Marta Oliveira (2002)
“Por seu turno, a
Afurada surge como povoação piscatória, na segunda metade do século XIX, a
partir da extensão de um pequeno núcleo de povoamento mais antigo que se tinha
sedimentado, abrigado, na margem do rio, próximo do Areinho e dos canais de
pesqueiras do estuário. A ocupação do lugar tomou forma a partir de um assento
de pescadores e cabaneiros que aí exerciam, em permanência, entre ambas as
margens do rio e às portas da cidade do Porto e da vila de Gaia, actividades de
pesca no rio e no mar, e tarefas ligadas à navegação da barra.
(…) A identificação do
sítio da Afurada começa em relação com o mundo agrícola, num pequeno lugar
rural estabelecido no planalto fronteiro ao monte da Arrábida. O nome Furada,
que permanece inalterado na sua grafia até a meados do século XIX, designa esse
primeiro assento num ponto sobranceiro ao rio. O lugar constituía então uma
estação de um caminho local que passava em Vale de Amores, a jusante do castelo
de Gaia, frente a Massarelos, e deixava a margem fluvial para subir ao alto do
monte da Furada, fronteiro à Arrábida, contornando as arribas do estreito do
rio, antes da sua última volta. No planalto, o caminho bifurcava em direcção ao
Candal e a Canidelo, cruzando pequenos lugarejos de casas dispersas, atraídos
pela estrada que seguia de Gaia em direcção às terras de Santa Maria, a sul, em
rota que a aproximava da linha costeira. O primeiro assento da Furada
situava-se no encontro daquele caminho local com a estrada, no sítio onde voltava a ser possível descer à margem
fluvial, a São Paio, já à vista dos bancos do Areinho e do Cabedelo.”
Cortesia de Marta Oliveira (2002)
Em São Paio, de que nos fala o texto anterior, documentos narram
a existência de moinhos de vento (moinhos fortificados) e de uma azenha na
ribeira de Santarém.
Estes dados confirmam uma vertente de exploração agrícola, a
justificar o assento de povoamento nas encostas voltadas ao vale da ribeira de
Santarém, até à margem do rio, junto do Areinho.
Foz da ribeira (encanada) de Santarém
Lavadeiras da Afurada em 1910
Na segunda metade do século XVI, já há notícia de obras na capela
da brévia, que o mosteiro de Santo Agostinho da Serra do Pilar possui na
beira-rio.
Juntamente com o registo da encomenda de uma imagem, em
1568, estes dados poderiam indiciar, que a pequena edificação se abria ao culto
das populações das imediações e das gentes que passavam o rio, nesse local.
Brévia dos Cónegos de convento da Serra do Pilar, em São
Paio (1848) – Gravura de Cesário Augusto Pinto
Na margem esquerda, o sítio das Dezoito Braças (equivalem a
aproximadamente trinta e três metros) só seria intervencionado aquando da
construção da ponte da Arrábida.
Na margem direita, a ligação marginal entre Miragaia e
Massarelos, completada por casas, só deve ter sido concretizada, no século XIX.
Desde a Ribeira até à foz do rio Douro, vários lugares de
amarração e ancoradouros ou fundeadouros se destacaram desde tempos remotos,
alguns dos quais ainda subsistem.
“(…) a partir de
montante e da margem do Porto: Alminhas,
Escadas das Padeiras, Faria, Terreiro/Estiva, Lingueta do Terreiro, Lingueta
dos Banhos ou Porta Nova, Escadas e Quadro da Alfandega, Monchique, Lingueta da
Cabrea (possuía uma cabrea rudimentar para movimentação de volumes pesados),
Oeste da Cabrea, Guindaste Eléctrico, Cais das Pedras, Lingueta da Água,
Lingueta do Peixe ou dos Pescadores (mais tarde foi instalada a prancha-cais do
Frigorífico do Peixe, actual hélibase), Quadro dos Bacalhoeiros, Prancha do
Frigorífico do Bacalhau (CRCB), Quadro dos Vasos de Guerra, Lingueta do
Bicalho, Prancha da Shell/Vacuum Oil (actual cais desactivado da Secil),
Gás/Ouro, Caneiro da Ínsua e Cantareira com as suas três linguetas, tendo sido
a de jusante destinada a serviços, nomeadamente da pilotagem”.
Fonte: Rui Amaro, In “naviosavista.blogspot.com/”
“No final do século
XVIII, o estuário do rio até ao estreito das Dezoito Braças constitui um único
espaço de antecâmara da entrada na cidade. O aumento da navegação e da
circulação de bens e de mercadorias colocam o problema da segurança da entrada
na barra com maior acuidade. Nos últimos decénios do século XVIII, a Companhia
Geral de Agricultura dos Vinhos do Alto Douro –Companhia Velha- lidera a
iniciativa de intervenção para o melhoramento da barra do Douro, intercedendo
junto da coroa para realizar a suas expensas um conjunto de obras,
encarregando-se da administração e construção e despesas das obras, por conta
de juros que D. José tinha decidido aplicar nas mesmas. A primeira atenção
dirige-se ao prolongamento do cais de Massarelos em direcção ao Bicalho,
conforme as exposições dirigidas a D. José (1775) e, por sua morte, a D. Maria
(1779).”
Cortesia de Marta Oliveira (2002)
Na regularização das margens do rio, teve papel fundamental
a Companhia Geral de Agricultura dos Vinhos do Alto Douro que superintendeu e
administrou economicamente as obras da
barra do rio Douro e da estrada
marginal Porto à Foz do Douro, rompendo, para tal, as fragas do monte da
Arrábida, os cais do mesmo rio – do Castelo de São João da Foz até à capela do
Anjo e outro em Massarelos – e a construção da ponte de Campanhã sobre o
rio Tinto, cedendo, dos seus cofres, inicialmente, 400 000 cruzados referentes
a acções da Companhia de que se perdera o rasto dos titulares, e recolhendo e
aplicando o imposto dos 100 réis por tonelada que recaía sobre as embarcações
de comércio que entrassem no porto (1790-1834).
Na margem direita, após as intervenções nos cais de Massarelos e do Bicalho, as obras prosseguiriam com a construção de aterros e de enrocamentos na zona da Cantareira, de Sobreiras e da ínsua da Lobeira.
A pedra extraída das fragas da Arrábida, para o rompimento do estreito das Dezoito Braças, é destinada à construção de enrocamentos nas margens do rio.
Na margem direita, após as intervenções nos cais de Massarelos e do Bicalho, as obras prosseguiriam com a construção de aterros e de enrocamentos na zona da Cantareira, de Sobreiras e da ínsua da Lobeira.
A pedra extraída das fragas da Arrábida, para o rompimento do estreito das Dezoito Braças, é destinada à construção de enrocamentos nas margens do rio.
Em 19 de Dezembro de 1869, o jornal “O Comércio do Porto”, na pág. 2, noticia que "está
concluído o muro de ligação da Cantareira ao estabelecimento do Salva Vidas".
Em termos quantitativos, o Lugar de Massarelos já era,
provavelmente, tanto em navios como em mareantes, no final do século XVI, o que
albergava o maior número de ambos e a sua prosperidade crescia.
Porém, entre os mestres de naus e as gentes do lugar, a
devoção às Almas intermediada por uma confraria da sua invocação, só
tardiamente se manifestou. Os seus habitantes rezavam na igreja do Corpo Santo,
outrora uma pequena ermida, ampliada na segunda metade do século XVI com o
dinheiro das dádivas que os fregueses conseguiam juntar das suas viagens ao
Brasil, e nela havia, realmente, uma confraria: mas, do Santíssimo Sacramento,
à qual, ainda em 1599, o conhecido mestre e senhorio de Massarelos, Gonçalo
Fernandes Boeiro, deixava avultado legado testamentário.
“Ora, no Porto, a
única confraria medieval de mareantes era a de São Pedro de Miragaia. Com
‘compromisso’, contas correntes e livros em ordem abrangendo mais de dois
séculos de vida.
Que tinha hospital e
capela, e fazia as vezes de representação dos interesses dos mestres, pilotos e
marinheiros do Porto (também dos cordoeiros e calafates que se lhes associaram
no século XV) junto da Câmara e do Rei quando fosse caso disso.”
Cortesia de Amândio Jorge Morais de Barros, In “A construção de um espaço marítimo no início
dos tempos modernos”
Mais além, atingia-se Lordelo do Ouro com a Foz do Douro no
horizonte.
“Muito mais longe, já
com a foz do Douro a vista, localizava-se Lordelo do Ouro. A primeira notícia
do lugar data de 1144, altura em que D. Afonso Henriques fez carta de doaçao do
couto do ermo de Santa Eulália,
“no termo de Bouças”, ao lendário cisterciense Joao Cirita. Aqui, irá
constituir-se uma granja pertencente ao mosteiro de S. Joao de Tarouca, onde
serao exploradas salinas e aproveitados recursos pesqueiros. A futura freguesia
de S. Martinho de Lordelo do Ouro continuou a ser durante muito tempo um sítio
ermo, pontuado por campos e muitos pinheirais que isolavam a margem do
interior.
No eixo
Ouro-Sobreiras-Santa Catarina, onde virá a ser implantado o maior estaleiro naval
do Douro, as gentes, as escassas gentes que por aí se fixaram, foram atraídas
pela vida marítima iniciando a sua
relação com o mar pela pesca. Nas Inquirições de 1258 diz-se que os pescadores
pagavam ao rei metade dos “dulffinis et hiris tunie et balene” que capturassem.
Nos finais da Idade Média já se dedicavam ao tráfico marítimo. Mais tarde, por
força do estímulo dado pela construção naval, aí se estabeleceram homens do
mar, capitães de navios, mestres, contramestres, marinheiros, carpinteiros de
acha e calafates.
Como aconteceu com
Massarelos, Lordelo só no século XIX (1836) foi integrado na cidade do Porto.
Na altura, tinha dois mil habitantes.”
Cortesia de Amândio Jorge Morais de Barros, In “A construção de um espaço marítimo no início
dos tempos modernos”
“Mas não se julgue que
naqueles recuados tempos dos séculos XIV-XV os portuenses viviam subjugados por
superstições e crendices. Nada disso. A maioria dos habitantes do velho burgo
entregava-se convictamente às práticas religiosas tradicionais. E se em algum
lugar não havia meios para essas práticas, pediam-nos a quem lhos podia
dar.
Aconteceu assim com os
carpinteiros navais, os calafates e outros trabalhadores dos estaleiros do
Ouro. Longe do povoado e de tudo, ao findar o século XIV, pediram a D. João I
que lhes concedesse a graça de uns pardieiros que ficavam no cimo de um outeiro
na margem direita do rio Douro, na freguesia a que chamam Lordelo, para aí
construírem uma ermida onde pudessem cumprir as suas obrigações religiosas
aos domingos e dias santificados.
O rei reconheceu que
"atender àquele pedido era obra boa e santa e serviço de Deus", e
decidiu a favor dos carpinteiros e calafates. Assim nasceu a capela da invocação
de Santa Catarina e de Nossa Senhora dos Anjos. A primitiva construção há muito
que desapareceu, tendo sido substituída pela que ainda hoje prevalece no local
onde se construíra a primeira.”
Com a devida vénia a Germano Silva
A Carta Régia de João I, doando aos marinheiros do Porto um
terreno para a construção de uma capela em honra de Santa Catarina, sua
padroeira, está datada de 8 de Outubro de 1395.
A construção provável da primeira Capela de Santa Catarina,
que corresponderá à actual capela-mor, teria acontecido já na transicção dos
século XIV para XV.
No século XIX ocorre a provável alteração e ampliação da
Capela de Santa Catarina, inicial, sendo que placa votiva a Nossa Senhora dos
Anjos, pelo milagre da Barca Comércio e Indústria, é de 1848.
A imagem de Nossa Senhora dos Anjos foi esculpida por
António Pereira de Abreu, em meados do ano de 1887.
A capela de Santa Catarina foi a primeira Igreja Matriz de
Lordelo do Ouro. O adro da Igreja terá tido um desnível do lado Sul da Capela,
correspondente ao soco corrido desta fachada.
Capela de Santa
Catarina em Lordelo do Ouro (Desenho em mapa da barra de Teodoro de Sousa
Maldonado)
Capela de Santa Catarina e Senhora dos Anjos
“Os pilotos serviam-se de várias balizas ou
marcas para melhor guiarem as embarcações até aos cais da cidade. Na margem
direita as principais eram: o farol de S. Miguel o Anjo, que já tratámos, a
Capela de Santa Catarina, em Lordelo, a Torre da Marca, perto do local onde
hoje se encontra a Capela de Carlos Alberto, a Sul da Avenida das Tílias do
saudoso Palácio de Cristal e, a partir do séc. XVIII, a Torre dos Clérigos”.
Cortesia de Rui
Cunha
Bar Mark,
In “Entrance of the Douro” de
1833 presente também no “Plano hidrográfico da Barra do Porto” de
1861/62
A meio do desenho,
lá no alto, a Torre da Marca, em 1827, em terrenos hoje, do Palácio de Cristal
– Ed. Kopck
Pinho Leal, In
Portugal Antigo e Moderno ( 1877)
Vista obtida em 1838, sobre a foz do rio Douro, desde a
Torre da Marca (já um amontoado de pedras) – Gravura de J. Holland
Capela de Santa Catarina e Senhora dos Anjos com vista
obtida desde do Largo António Calém (foz da Ribeira da Granja) – Ed. JPortojo
Interior da Capela de Santa Catarina e Senhora dos
Anjos – Ed. JPortojo
Vista obtida do Monte de Santa Catarina – Ed. JPortojo
(Continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário