Após cerca de 450 anos sobre aquela viagem com começo no
Postigo da Praia, já um viajante sairia pela Porta Nobre, resultante da
transformação daquele postigo e que antes se tinha chamado Porta Nova, a partir
do reinado de D. Manuel I.
Com Filipe I seria, junto dela, erigido um fortim.
A viagem poderia ser então feita por “Carroção”. Um meio de transporte, com o qual se demandava a Foz do
Douro, que era alugado na cidade pelos interessados, a partir de c. 1840.
Famílias de posses tinham o seu próprio carroção, que
consistia numa grande caixa de madeira com rodas, que uma junta de bois puxava
pachorrentamente.
Miragaia, Massarelos, Lordelo do Ouro, iam-se sucedendo,
acabando a viagem, finalmente, por terminar na Cantareira junto da capela da
Senhora da Lapa.
Ao Cais da Estiva, na Ribeira, desembarcavam dos vapores e
lugres e de outros tipos de embarcações, os oriundos de Lisboa, Brasil e de
outras paragens.
Desses desembarques, nos é dado conta das peripécias a eles inerentes,
no texto seguinte do jornalista Júlio César Machado, na sua obra literária
“Scenas da Minha Terra” e que foram por ele vividas, em 1861, durante uma
visita que fez ao Porto.
Júlio César Machado
O Hotel Luzitânia referido no texto acima ficava na foz do
Douro, no Passeio Alegre, nº 54 e tinha portas abertas desde 21 de Junho de
1857.
Sobre os transportes daquela época nos falam os textos que
se seguem.
“Os automóveis desse
tempo eram a sege e o carroção, este assente em fortes correias de couro, que
balançavam sobre quatro rodas enormes, perfeitamente adaptadas, por sua grande
solidez, às ruas escabrosas da cidade do Porto, desses tempos.
O carroção servia para
adormecer os vivos em dia de romaria ao Senhor de Matosinhos e também um luxo
de famílias abastadas nas noites de récita ao Real Teatro de S. João.
Puxavam a sege dois cavalos lazarentos, um dos
quais era montado pelo boleeiro, um tipo de grandes botas de montar, com
esporas amarelas, calções esticados, colete vermelho e jaqueta verde ou azul
muito apertada nos punhos.
O carroção era puxado
a bois, partindo da cidade do Porto pelas cinco horas da madrugada para estar
em Matosinhos ao meio dia em ponto.”
In jornal “O Pharol” de 1 de Novembro de 1909
“O meio de transporte
habitual das famílias, para o Teatro de S. João, para os bailes, para as
romarias, era o famoso carroção, veículo de 4 rodas da forma de um prédio, com
duas fachadas laterais de cinco janelas cada uma, e porta ao fundo, a que o
passageiro subia por quatro degraus de escada guarnecida por um corrimão. Uma junta
de alentados bois de Barroso puxava pelo «monumento».
(…) Havia famílias
enormes que não cabiam em duas salas e que se acomodavam num carroção. No
Inverno, uma dessas ingentes moles chegava à porta do Teatro S. João. A
portinhola abria-se, havia uma escada com corrimão para descer; o carroção
começava a despejar senhoras. O pátio do Teatro enchia-se e o carroção
continuava sempre a deitar gente. Pasmava-se que ele pudesse conter tantas
pessoas, ia-se olhar e encontrava-se ainda, lá dentro, no escuro, a mexer-se e
a preparar-se para sair, tanta gente como a que estava fora”.
Ramalho Ortigão, In “As praias de Portugal” (1876)
Carroção semelhante ao descrito por Ramalho, que tinha,
porém, 5 janelas laterais em cada lado
Por seu lado, Camilo Castelo Branco refere-se ao carroção do
seguinte modo:
“O carroção tinha, por
aquelle tempo, dois séculos de moda. Fôra inventado na rua das Congostas para
uso de uma família obesa, formada de quinze pessoas adiposas. Esta família
derreteu·se no estio de 1650; mas o carroção, parado no largo da Batalha, com a
lança vermelha atravessada nas sogas dos ramalhudos bois, viu passar e
desapparacer todos os vehiculos adelgaçados pelo cepilho do progresso. O carroção
escancarou as guellas, e riu do americano, da victoria, do phaetont, do landau,
da caleche, do Daumont, do brougham, do mail-coach, do poney-chaise, do groom,
do break”.
Ao carroção sucederia o “Ónibus”
ou “Omnibus”, que fazendo o mesmo
percurso da nova Alfândega à Cantareira, era movimentado por quatro burros.
“Caixa com feições de
arca de Noé – Seis vidraças e sobre o tecto um assento a que chamam varanda;
puxado por quatro machos azamelados, guiados por um boleeiro de jaqueta de
chita e chapéu de feltro. É o ónibus do Porto.”
Augusto Gama, In “Dois escritores coevos”
“Quanto ao omnibus,
contemporâneo do carroção, terá sido introduzido na cidade aquando da
constituição da Companhia de Transportes
União, em 1839, que importou quatro coches denominados omnibus para
transporte de passageiros. A sua forma seria em muitos aspetos semelhante ao
carroção, ou seja, uma enorme caixa de madeira envidraçada, assente em dois
pares de rodas, mas puxada por "machos” ou cavalos e não por bois.
Existiam ainda na
cidade, em meados do século passado, outros meios de transporte público como o
char-à-Bancs, muito semelhante ao omnibus, e os Trens de Praça que poderiam ser
considerados os táxis da época, já que se fixavam nos principais pontos da
cidade para aí tomarem os seus clientes e mesmo bagagens.”
Fonte: “stcp.pt”
E eis que surge o “Charabã”
ou “Char-a-Bancs” uma carruagem mais
evoluída e puxada por cavalos.
Charabã ou char-à-bancs
Miragaia. A Porta Nobre está a ser sacrificada (1871). No
ano seguinte, em Maio de 1872, o carro americano partirá já da Rua dos Ingleses
que estará ligada à Alfândega Nova por uma nova artéria
Passadas mais umas dezenas de anos, precisamente em 1872, o
viajante começaria a viagem para a Foz do Douro, partindo em frente à
nova Alfândega (Miragaia) e fá-lo-ia a bordo de um “carro americano”, em carreiras diárias e regulares.
As rodas do americano rolam em carris de ferro e a tracção tem
origem na força animal, caindo a escolha nos cavalos.
Logo que a ligação entre a Rua dos Ingleses (Infante D.
Henrique) e a Alfândega ficou concluída, desaparecida já, do local, a velha
muralha medieval, a partida daquele transporte passou a fazer-se daquela rua,
sob a administração da “Companhia Carril
Americano à Foz e Matosinhos”.
“De hoje em diante, os
carros daquela empresa farão as suas viagens para a Foz e Matosinhos, saindo da
rua dos Ingleses.”
In o jornal “O Comércio do Porto”, de 24 de Maio de 1872 –
6ª Feira
A exploração regular deste meio de transporte efectivou-se,
a partir de 9 de Março de 1972 e foi prolongado a Matosinhos, em 15 de Maio, do
mesmo ano.
Longe iam os tempos do termo do Porto, já ali.
Carro americano na Praça Infante D. Henrique puxado por
mulas para vencer a inclinação da Rua Mouzinho da Silveira. De notar que no
jardim ainda não foi levantada a estátua do infante, pelo que, a foto, é
anterior a 1894
O carro americano (após 1 Julho de 1875) à porta da Estação
de Campanhã – Desenho de Christino
“No dia 1 de Julho
terá princípio o serviço para Campanhã desde a Praça D. Pedro”.
In jornal “O Comércio do Porto”, de 29 de Junho de 1875 – 3ª
Feira
Para o Bonfim, a linha aprovada em 1876, apenas se
efectivaria, em 1894.
“Os moradores da rua
do Bonfim festejaram ontem ruidosamente a inauguração da nova linha americana
na referida rua.
Durante o dia, tocou
ali a banda do corpo de salvação Pública achando-se a rua vistosamente embandeirada.
Quando o primeiro
carro americano chegou ao extremo da linha, em frente à igreja do Bonfim, subiu
ao ar uma girândola de foguetes. Outro tanto aconteceu quando o carro partiu de
novo.”
In jornal “O Comércio do Porto”, de 22 de Junho de 1894 – 6ª
Feira
Massarelos em 1887 – Fonte: Eduardo Pires de Oliveira, In
OLIVEIRA, 1985,
Em 1907, já era o carro eléctrico, desde há 12 anos, a fazer
o percurso ribeirinho até Leça da Palmeira.
A partir de Março de 1906, a “Companhia Carris de Ferro do
Porto” explorava, apenas, transportes de viação americana, já que a “Companhia
Viação Eléctrica do Porto”, tinha ganho o concurso para a exploração dos
transportes colectivos eléctricos, urbanos.
Porém, em Agosto de 1908, aquelas duas companhias fundem-se,
e o carro americano tinha o seu destino traçado.
Cais de Massarelos em 1907
Movimento de barcos junto da Alfândega do Porto – Ed.
“Illutração Portugueza” (14 Out. 1907)
Miragaia – Ed. “Illutração Portugueza” (14 Out. 1907)
Rua do Infante D. Henrique, antes foi a Rua dos Ingleses
tendo começado como Rua Formosa
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