Desde sempre, o portuense é dado a festas.
Tempos houve, em que pontificavam nos abarracamentos de
comes e bebes, para além do “tintol” de pipa ou pipo, as famosas espetadas e o
peixe frito, pescada com salada de alface, o pão-de-ló, o doce de Paranhos, que
faziam companhia ao caldo e à broa, num ambiente de tropel de cavalos e
chiadeira de carros de bois.
Se fosse época, a sumarenta melancia, no seu dia, o S.
Miguel.
Na doçaria nada levava a palma ao Doce de Paranhos.
Sendo os arraiais dos Santos Populares (Santo António, S.
João e S. Pedro) e ainda o Entrudo, casos aparte, que tinham uma adesão geral,
festas, portas adentro, havia-as, entre outras, a do S. Miguel, a das melancias
da Serra do Pilar, o S. Bartolomeu da Foz, o Senhor da Boa Hora, na Torre da
Marca, Senhora da Luz, na Foz do Douro, a Senhora da Saúde, no Campo Lindo, a
Senhora da Lapa, às quais se juntavam, fora de barreiras, o Senhor de
Matosinhos, a Senhora da Hora, o Senhor da Pedra, em Miramar, S. Bento das
Peras, em Rio Tinto e nos Carvalhos, a Senhora do Rosário, em S.
Cosme-Gondomar, a Santa Rita da Formiga, a Santa Eufémia da Carriça, em
Alvarelhos-Trofa, o S. Salvador, em Quebrantões, etc.
Entre todas as festas, a Páscoa sempre foi uma das preferidas
dos católicos e dos portuenses.
A Páscoa é celebrada no primeiro Domingo após a primeira lua
cheia que ocorre depois do equinócio da Primavera, no hemisfério norte (Outono
no hemisfério sul), e pode cair entre 22 de Março e 25 de Abril.
A cidade e as suas gentes renovavam-se.
Passada a Páscoa, o Inverno fica definitivamente para trás.
“Em fins do séc. XIX,
nos dias de quinta e sexta-feira Santas o povo vestia-se de luto e apresentava
um rosto triste. As senhoras vestiam lindos vestidos de seda pretos e punham
ricas mantilhas e vidrilhos pretos no peito. Os homens vestiam fraque e côco e
manejavam as suas bengalinhas. Eram os dias de visita às Igrejas com o maior
respeito e silêncio. A procissão do Encontro saía da capelinha perto do Aljube
e seguia, muito bem iluminada, até à Misericórdia, onde o andor de Nossa
Senhora se encontrava com a Imagem do Crucificado.
Na sexta-feira
Santa saía a majestosa procissão da Paixão com os andores aos ombros dos
homens. Debaixo deles seguiam senhoras descalças em cumprimento das suas
promessas. Quando, para descansar, os homens pousavam os andores nos descansos,
elas tinham de se curvar aguardando o retomar da procissão. Atrás a cavalaria
da guarda e a banda. Na semana da Páscoa era costume o Abade da Victória,
acompanhado de uma comitiva e sineta, visitar os doentes e entrevados. Seguia
depois à Cadeia a confortar os presos e a resgatar uma criança até aos 15 anos,
tomando a responsabilidade de o educar e internar num colégio para sua
instrução.”
Cortesia de Rui Cunha
De uma procissão peculiar, que sairia durante a Páscoa até
1831, nos dá conta, o texto seguinte, respigado do jornal “O Primeiro de
Janeiro” de 19 de Março de 1891:
“Na catedral do Porto
havia antigamente uma procissão, aos domingos de tarde, em que um dos meninos
do coro levantava o seguinte pregão:
-Boa gente, boa gente,
fazei penitência se vos quereis salvar. Confessar e comungar, que este mundo é
vaidade. Senhor Deus, misericórdia com piedade.
Esta procissão fora
instituída por um legado de Álvaro Duarte. Os cónegos recebiam por este trabalho
meio real. Terminou em 1831”.
“Referindo-me à
Semana Santa lembrarei que (em 1900) é já tradicional o brilho da Festa das
Dores, dos Congregados, em que se ouvem os melhores artistas musicais e sobem
ao púlpito os mais célebres oradores sagrados. As damas apresentavam-se de
mantilha de renda preta na cabeça e que o “Stabat Mater” costumava ser cantado
pelos melhores artistas líricos do Teatro de S. João”.
Artur Magalhães Basto
Ainda durante boa parte do século XX muitos portuenses seguiam o
preceito religioso de não consumir carne durante a semana santa.
Por isso, o Mercado do Peixe, localizado no sítio onde agora está o
Palácio da Justiça, na Cordoaria, registava uma afluência de público
verdadeiramente extraordinária.
A seguir se mostra o movimento do Mercado de Peixe, na semana santa do
ano de 1907.
In jornal “A Voz Pública” de 31 de Março de 1907
Mercado do Peixe na Cordoaria, começado a construir em 1874
No Domingo de Páscoa era a desforra sobre a carne. Em 1921,
por exemplo, era tornado público que, durante a “Grande Matança da Páscoa”, num
ano de escassez de gado, tinham sido abatidos no Matadouro Municipal, à Rua de
S. Diniz, 100 bois, 102 vitelas, 137 carneiros e 75 porcos, no total de 414
cabeças.
Uma das práticas características da Páscoa ocorria no sábado
de manhã, sábado de Aleluia, bem cedo, queimava-se o Judas ao som de música e
foguetes. Era a alegria do povo pela Ressurreição de Cristo.
Nos Clérigos este costume atingia o auge e os presentes o
delírio, sendo o espectáculo habitualmente promovido pelos comerciantes da
zona.
Assim aconteceu quando, apesar de a polícia ter proibido a
tradicional cerimónia popular da “Queima dos Judas”, no Sábado de Aleluia do
dia 2 de Abril de 1904, por os modelos (espantalhos), muitas das vezes, se
aparentarem com certas personagens da sociedade de então, vários foram ao ar
com grande gaudio da arraia-miúda do burgo e, com o enterro de 1ª classe, que
se seguiu com música, ornamentações das ruas, e milhares de pessoas a
acompanhar.
“Queima dos Judas” nos Clérigos, em 1908
“Hoje, sábado, 7 de
Abril, ao aparecer a aleluia, foram queimados muitos Judas em algumas ruas
desta cidade, mas, eram Judas de palha e de farrapos.”
In jornal “O Ecco Popular” de 7 de Abril de 1849
“Esta manhã, poucas
eram as ruas em que não se via uma ou mais figuras espetadas em paus ou
penduradas, representando o Judas. Eram na maior parte, Judas da actualidade,
isto é, vestidos à moda de hoje.
Nos Clérigos estava um
de casaca de veludo e calça agaloada.”
In jornal “O Comércio do Porto” de 30 de Março de 1861
“Na rua das Congostas
alguns indivíduos quiseram divertir-se com uma mulher que ali mora, por nome
Maria Rosa de Jesus, e foram colocar-lhe, defronte da porta, um «Judas» vestido
com trajes femininos.
Pela manhã andou pelas
ruas um «Judas» a cavalo, conduzido por grande multidão de rapazio. Os rapazes
tinham-lhe posto duas caras.
Além de todas as
demonstrações ruidosas do costume, muitos estabelecimentos públicos e
particulares se embandeiraram.
Os mercados do Peixe e
da Ribeira achavam-se também embandeirados.”
In jornal “O Comércio do Porto” de 28 de Março de 1869
“Ao primeiro sinal de
Aleluia, no meio de uma bulha infernal do rapazio e ao estourar de muitos
foguetes, arderam os manequins («Judas») que, desde pela manhã, se viam pelas
ruas, espetados em paus.
A rua do Almada,
antiga rua das Hortas, estava toda embandeirada uma banda marcial ali tocou,
enquanto se queimou um «Judas», que figurava ser o Lopes do «Paraguai».
In jornal “O Primeiro de Janeiro” de 7 de Abril de 1870
“Há anos que se havia
deixado de queimar “Judas” no Porto, não porque houvesse escassez deles, mas
para tirar o carácter de aldeia à segunda cidade do reino.
No entanto, com
pleno gáudio do rapazio e da basbaquice indígena e com acompanhamento de
estouros e música, queimaram-se hoje um Judas, na Calçada dos Clérigos, outro
nos Lóios e outro no Pátio do Paraíso”.
In jornal “A Província” de 13 de Abril de 1895
No século XIX, no Domingo de Páscoa, já todos vestidos de
cores garridas e cheios de alegria, caminhavam pelas ruas e assistiam à saída das
procissões da Ressurreição de várias igrejas, de que se destacava a que saía da
Igreja do Carmo.
“A procissão do Terço
saiu cerca do meio-dia. Por causa da chuva não percorreu o itinerário marcado;
seguiu pela Rua dos Entrevados, Batalha, Cativo e Cimo de Vila.
A de S. Francisco saiu
às dez da manhã. O itinerário do préstito foram as Ruas Nova da Alfândega, do
Infante D. Henrique, de S. João, de S. Domingos, de Ferreira Borges e da
Ferraria.
Às onze horas saiu a
procissão da igreja do Carmo. Em consequência do mau tempo não chegou a
percorrer todo o itinerário designado.”
In jornal “O Primeiro de Janeiro”, de 26 de Abril de 1886;
cit. de Guido de Monterey (“O Porto 3”)
Como nos podemos aperceber, naquele ano de 1886, a Páscoa
calhou no seu limite superior – 25 de Abril.
Por outro lado, outra vertente da festa dizia respeito às
barracas de doces que começavam a ocupar as ruas, alguns dias antes do
fim-de-semana da Páscoa.
“Efectivamente, o
Porto é, continua a ser, a cidade do pão-de-ló, não já das Procissões nem das «queimas
do Judas», nem sequer do mero e comezinho «Compasso» pascal. Isto é, o Porto já
não atapeta as ruas, becos e vielas com flores, nem com verdes, rescendentes ou
não.”
Cortesia de Guido de Monterey, In “O Porto 3”
“Na Feira de S. Bento
e rua das Carmelitas acham-se já levantadas as barracas nas quais se vêem
avultadas regueifas de pão-de-ló, as quais aguçam o apetite dos afilhados e
recordam aos padrinhos o antigo uso dos folares.”
In jornal “O Primeiro de Janeiro”, de 13 de Abril de 1870 –
4ª Feira
“Confeitaria
Serpa Pinto - Esta conceituadíssima casa do Largo de Santo André, com
filial em Carlos Alberto, anunciou hoje o seu famoso sortimento de amêndoas.
Para a festa da
Páscoa apresentará o maior sortido de pão-de-ló, dito de Margaride e pão-de-ló
e queques enfeitados.”
In jornal “O
Primeiro de Janeiro de 23 de Março de 1902
“Na Rua do Anjo, em
frente ao Instituto Industrial, já estão levantadas algumas barracas para a
venda de doce durante as festas do folar”.
In jornal “O Primeiro de Janeiro”, de 29 de Março de 1903 -
Domingo
Publicidade ao pão-de-ló – In jornal “A Voz Pública” de 31 de Março de
1907
“A Margaridense”, em 2007, estava por aqui, na Travessa de Cedofeita –
Fonte: ruasdoporto.blog
In jornal “A Voz Pública” de 31 de Março de 1907
“As confeitarias, que
mais estavam em destaque pelo arranjo e diversidade das guloseimas, eram:
Andrade Villares, Oliveira, Casa Damas, José Filgueira, Lemos & Cia,
Lehmann, Gustavo Barbosa, Bonifácio, Silva Reis, Andrades Villares Filhos,
Eduardo de Barros, Casa Borges, Casa Alemã, Carlos Pereira & Nogueira,
Costa Moreira & Cia, Guimarães & Ribeiro, João Fernandes Braga, Joaquim
António Pinto, Cunha & Sobrinho (Padaria e Confeitaria Cunha), Gomes
Duarte, Justino da Mota, Lisbonense, Sanches Facal, Oliveira & Barbosa,
Mendes de Abreu, Faria, Saldanha, etc.”
In jornal “O Primeiro de Janeiro” de 27 de Março de 1910
Em 8 de Abril de 1917, Os Bombeiros Voluntários do Porto
inauguravam no seu Pátio do Paraíso, ao Bonjardim, uma animada Feira da Páscoa,
com grande número de vistosas barracas e vários jogos e divertimentos, com
grande participação popular.
Manobras no Pátio do Paraíso (local onde está hoje o cinema
Rivoli)
Nesse ano, a Páscoa calharia no dia 8.
Com a ajuda da tabela abaixo se pode calcular a data da
Páscoa.
Tabela para cálculo da data da Páscoa
Para calcular a data em que cai a Páscoa, de um determinado
ano, divide-se o ano por 19 e calcula-se o resto da divisão que acrescentado de
1 unidade, será o valor da incógnita X a introduzir na tabela que,
automaticamente, nos indica o dia de Páscoa.
Por exemplo, para o ano de 2020:
2020/19= 106, com resto 6
X=6+1=7
Por consulta da tabela é-nos indicado o dia 12 de Abril.
Era a romaria ao Senhor da Boa Nova que funcionava como uma
abertura da quadra de diversões de cariz popular e tinha lugar no Domingo
seguinte ao Domingo de Páscoa.
A festa do Senhor da Boa Nova, porém, a partir da
inauguração do Palácio de Cristal, em 1865, começou a esmorecer. Foi-se o local
onde os feirantes assentavam as barracas e o fim apareceu no horizonte.
“Teve ontem lugar o
arraial do Senhor da Boa Nova, que se costuma fazer na Torre da Marca.
O dia convidava os
amadores do peixe frito e espetadas e, por isso, a concorrência foi numerosa”.
In o jornal “O Amigo do Povo” de 8 de Abril de 1861 – 2ª
Feira
“Teve lugar no
domingo, 16 de Abril, na Torre da Marca, o arraial do Senhor da Boa Nova, cuja
imagem se venera na capela que existe junto àquele local.
Mudado e muito do que
foi, o arraial oferecia este ano apenas a sombra da sua antiga animação.
Quando não existia o
Palácio de Cristal, era no local, que ele hoje ocupa, que se reunia a multidão
alegre dos romeiros.
Ali, debaixo de
grandes álamos, que povoavam parte do terreno, enfileiravam-se as barracas de comida,
aonde os devotos, apesar da peregrinação não ser grande, iam refazer-se de
forças. Outros, mais previdentes, faziam conduzir de casa os cabazes com a
refeição, agasalhada por alva toalha, que se desdobrava depois sobre a relva,
tomando lugar em roda os convivas destes banquetes meio campestres.
Desapareceram as
árvores, o campo tomou outra forma, as barracas foram desterradas e com o
desaparecimento das barracas a decadência do arraial começou.
Cai um arraial, como
um império, por uma questão de estômago.”
In jornal “O Comércio do Porto” de 18 de Abril de 1871 – 3ª
Feira
Capela do Senhor Jesus da Boa Nova, ao Palácio de Cristal
Imagem do Senhor Jesus da Boa Nova que estava no cruzeiro, junto
da capela, à Torre da Marca - Ed. Graça Correia
A imagem da foto anterior está hoje no Museu de arte Sacra instalado
no Seminário Maior.
Mas, verdadeiramente, na região, era a festança em honra de
S. Gonçalo, alvo da devoção das solteironas e mareantes, que se realizava e
ainda se realiza, em 10 de Janeiro, ou no Domingo imediato, na freguesia de S.
Cristovão de Mafamude, constituindo um dos arraiais mais típicos da zona
ribeirinha de V. N. de Gaia, que abria a época festiva.
Um cortejo desfila todo o dia pelas ruas e os mordomos
transportam as cabeças de S. Gonçalo e a de S. Cristovão, que os transeuntes
beijam, aproveitando para pedir um ano melhor, dirigindo-se, depois, à
paroquial de Mafamude onde desfila por três vezes em volta da igreja.
“Após a celebração
religiosa, desfila uma vistosa cavalhada pelas ruas da parte baixa da vila,
entre o estralejar dos morteiros de «três respostas», o zabumbar infernal dos
«Zés P’reiras», o sanfoninar dissonante de uma fanfarra e o vozear bárbaro dos
figurantes, repetindo em coro:
«Arrebita o S. Gonçalo
e o S. Gonçalinho,
Que ele vai visitar o
S. Cristovinho;
O Santo é nosso
E o corno é vosso»”
Cortesia de Guilherme Felgueiras (1962), In revista “O
Tripeiro”
Esta festa sacro, mas também pagã, culmina na Igreja de
Mafamude aos gritos de “o santo é nosso”.
As portas da igreja estão, assim, abertas para receberem a
cabeça de S. Gonçalo que os Mareantes do Rio Douro têm de levar junto do altar,
o que faz parte da tradição secular da Festa.
As figuras dos santos, obrigatoriamente estão de costas para
o altar, manda a tradição.
Seguem-se os comes e bebes. A festa desfaz-se.
Nos dias de hoje, a tradição mantem-se.
Cabeça do S. Gonçalo
Cabeça do S. Cristovão
Por sua vez, o S. Miguel, todos os anos atraía multidões.
Primeiro, à Cordoaria, mais tarde, à Boavista e, por fim, a Arca d’Água. O S.
Miguel comemora-se a 29 de Setembro.
“E, na véspera e dia
do mesmo Santo, vinte e nove de setembro, há feira livre no seu terreiro, onde
se vende a louça do São Miguel, que são assobios, campainhas de barro e outras
invenções para crianças e coisas comestíveis e abóboras bolinas e nozes.”
In “Memórias Paroquiais” da freguesia de Santo Ildefonso,
ano de 1758
“Já começaram a
construir-se as barracas para a feira que, anualmente, se costuma fazer no largo
da Cordoaria por este tempo.”
In “O Commércio” de 27 de Setembro de 1854 – 4ª Feira
De notar que na notícia acima, o jornal que dá pelo nome de
“O Commércio” tinha pouco mais de três meses de vida e, a partir de 1856, seria
o “Comércio do Porto”.
O texto que se segue, dá uma ideia da azáfama que acontecia
em volta do abarracamento que era inerente às romarias ou alguns mercados, em
que tudo se comprava…mercava como se dizia.
“Tudo, por aí fora, se
estadeia, se oferece, se expõe, aguçando a vontade de quem passa. Criadita
gentil, que vai a entrar no mercado do Anjo, se não traz no cabelo senão uma
travessa, logo os ouvidos se lhe ferem:
- Travessinhas muito
chiques! A menina compra? A três vinténs…
- E meias? Quer meias?
A meio tostão o par! São boas, ora veja!
E os pregões
continuam:
- Argolas para chaves!
- Livro e lápis, um
vintém! Para apontamentos! Estão a acabar…
- Olha a lei do
registo civil! A lei do serviço militar!
- Quentes, quentes!
- Compra laranjas?
Laranjas de Braga!
- Louça de folha, barata!
Quem merca a louça de folha?
- Pastéis, pastéis!
- Melões de Coimbra!
Tão bons…
- Cebola barata, a
trinta reis o cabo.
- Merca ovos? Frangos
ou frangas?
Vendilhões, o comércio
miúdo de rua. E vive esta gente com este comércio tão reduzido, tão mesquinho,
tão dividido! Vive porque se mexe, porque fura, porque se não abate na luta,
mas faz das fraquezas forças para ganhar o seu pão.
Ganham pouco, mas
muitos poucos fazem muito…
Pobre gente, mas boa
gente. E que dá um aspecto interessante e típico à cidade.
Pois não são curiosas,
por exemplo, as gaitinhas que gritam:
- Mamã, mamã, ó mamã!
E aquele de barba
loira, que passa por ali com uns barquitos, feitos de caixas de charutos, e
diz:
- Querem embarcar para
o Rio de Janeiro?
In jornal “O Porto” de 14 de Maio de 1911 – Domingo
A Cordoaria foi, durante anos, talvez, pelo comércio que por
lá se fazia pelo S. Miguel ou vá-se lá saber porquê, um local preferencial de
degustação da melancia.
“Vê-se ali, todos os
dias, grande número de carros com melancias, os quais, transitando pela área
compreendida dentro dos passeios, danificam o terreno.
Em certos dias e
principalmente aos domingos, é tal o estado em que ficam os bancos e o passeio
pela abundância de repastos ali feitos (casca de melancia e pevides), que nem é
possível a ninguém sentar-se neles.
In jornal “O Comércio do Porto” de 7 de Setembro de 1865 –
5ª Feira
“São apetitosas e
saborosas as melancias; refrescam e consolam.
É o fruto mais
procurado na estação calmosa, porque, comer melancia equivale a tomar um
refresco; sacia e mata a sede sem perigo de defluxos ou constipações: o
estômago nada se ressente com a visita, por isso que a melancia é «leve como
uma pena de ave»; finalmente, é fruto que chega à mesa do rico e do pobre,
porque há melancias de todos os tamanhos e preços, a principiar em dez reis.
No largo fronteiro à
Academia Politécnica estacionam vinte e tantos carros de melancias e, nos
bancos de pedra, que se acham colocados no referido largo, é muito frequente
ver-se, todas as tardes, muitos indivíduos partindo e comendo o saboroso fruto
com a pachorra e fleugma de um holandês.
As cascas, essas, são
atiradas por esses indivíduos para ali, a esmo, para o passeio, para dentro do
jardim da Cordoaria, para cima dos «rails» do caminho de ferro americano,
enfim, para onde acerta e lhes faz mais jeito.”
In jornal “O Comércio do Porto” de 15 de Setembro de 1876 –
6ª Feira
Em 1887, foi decidido que os interessados a fossem comer
para um pouco mais abaixo…para o que hoje conhecemos como Jardim do Carregal.
“O mercado das
melancias que, até agora, impropriamente, se realizava no largo fronteiro à
Academia Politécnica, vai ser mudado para a Praça Duque de Beja.”
In jornal “O Comércio do Porto” de 3 de Setembro de 1887 –
Sábado
A romaria da Senhora do Pilar começou em 1678 e depressa se
tornou uma das mais importantes da cidade. Como é sabido, só depois do fim da
guerra civil, terminada em 1834, é que V. N. de Gaia passou a ter vida própria.
“Ontem foi a romaria
da senhora do Pilar. A concorrência de povo foi grande. Havia ali abundância de
vinho, peixe frito e espetadas, doce de Paranhos, etc, e 35 carros com
melâncias.”
In jornal “O Direito” de 16 de Agosto de 1858 – 2ª Feira
Arraial da Senhora do Pilar
“Esteve imensamente
concorrido o arraial da Senhora do Pilar.
Aqueles despraiados
eram pequeno campo para a imensa chusma de romeiros que enchia todos os cantos,
não poupava o mais alcantilado píncaro da serra, estendia-se pelo campo de
manobras fora, transpunha as terraplanagens para o caminho de ferro. Enfim, foi
uma verdadeira aluvião humana.
Houve grande gasto de
melancias.
Não podia deixar de
ser. Se o calor apertava, se o vento e o pó secavam as goelas!...
Na Ribeira, Fontainhas
e Seminário havia grande porção de povo a gozar o espectáculo da romaria…de
longe”.
In jornal “O Petiz” de 16 de Agosto de 1876 – 4ª Feira
O campo de manobras citado no texto anterior, referia-se ao
terreno fronteiro ao quartel, sedeado na Serra do Pilar, há décadas, que foi de
“Artilharia Ligeira, nº 5”.
Romeiros atravessando a Ponte Luís I, dirigindo-se à romaria
da Senhora do Pilar, em 1907
Uma outra festa que acontecia na cidade, muito querida pelos
militares da região, era a de Nossa Senhora da Conceição dos Militares que
tinha altar próprio na extinta igreja do Colégio dos Órfãos quando ele
funcionava na Cordoaria no sítio onde mais tarde se construiu o edifício onde
funcionou a Faculdade de Ciências e que serve, hoje, de sede à reitoria da
Universidade do Porto.
Quando se demoliu a igreja de Nossa senhora da Graça do
Colégio dos Órfãos, a imagem de Nossa Senhora da Conceição dos Militares foi
levada para a capela de Nossa Senhora da Conceição, na Rua da Constituição, ao
Marquês.
Para as bandas da Foz do Douro, pontificava a Senhora da
Luz.
Antigamente, na Foz do Douro, numa pequena ermida que em
remotas eras foi construída, em frente ao mar, no cimo de um outeiro, e
dedicada à mãe de Jesus, mas sob a invocação de Senhora da Luz, acontecia uma
animada festa a 8 de Setembro, por ser esse o dia do ano em que se comemora a
Natividade de Nossa Senhora.
Desconhece-se a data da edificação daquela ermida, mas,
sabe-se que, em 1680, ela estava em ruínas, tendo sido objecto de uma profunda
remodelação.
“Segundo uma velha
tradição, ligada aos ciclos agrícolas, é a partir de 8 de setembro que a
azeitona começa a ganhar azeite e a crença popular, na sua ingenuidade, admite
que a origem do nome Senhora da Luz provenha dessa coincidência, tendo em conta
a importância que o azeite tinha, não apenas na alimentação das lamparinas
votivas, mas também na própria iluminação, fosse ela caseira, pública ou em
recintos de diversão, como os teatros, por exemplo”.
Cortesia de Germano Silva
Mais tarde, no século XVIII, apareceu associado à capela um
farol, mandado levantar pelo Marquês do Pombal.
Restos do Farol da Senhora da Luz que se manteve em actividade
até finais de 1926, começos de 1927 – Ed. Lucília Monteiro
Sobre o edifício da capela, diz Sousa Reis:
“Consistia o
frontispício em três bonitos arcos de cantaria vedados pela parte do Nascente
pelo edifício do Farol. Sobre os três arcos elevava-se um pano de parede lisa
até finalizar em ângulo agudo e no espaço mais alto dele estava lavrado um
nicho com a sua vidraça, que encerrava a imagem do orago, formando assim
debaixo dos arcos um cómodo e abridado alpendre de pedra a um e outro lado da
porta principal da Capela.”
In “Manuscritos inéditos da Biblioteca Pública Municipal do
Porto”
Já no século XIX, a capela foi intervencionada e dos três
altares que existiam, apenas sobrou um.
Durante o Cerco do Porto (1832/1833), tanto a capela como o
farol sofreram danos consideráveis. Em 1835, o estado de ruína da capela era
tal, que a mandaram demolir.
“ (…) as imagens da
Senhora da Luz e de S. Bartolomeu, que estavam na capela da Senhora da Luz,
haviam sido transferidas para a igreja paroquial da Foz do Douro“.
In jornal “ A Vedeta da Liberdade” de 25 de Agosto de 1835 –
3ª Feira
Acontece que, as festas dedicadas a Nossa Senhora da Luz,
não deixaram de se realizar, daí em diante, mas com a imagem da Santa exposta
na igreja paroquial da Foz do Douro.
“Ante-ontem, domingo,
14 de Setembro, na igreja paroquial da Foz, houve a festividade dedicada a
Nossa Senhora, que ali se venera com a denominação de Nossa Senhora da Luz.
Concorreu àquela vila
muito povo desta cidade. O rio coalhado de barcos e o caminho de carroções,
carruagens e gente a cavalo, ofereciam uma agradável vista e muito melhor aos
barqueiros e alquiladores, que ganharam maior soma de patacos”.
In o jornal “O Cosmopolita” de 16 de setembro de 1845 – 3ª
Feira
“Foi ontem o dia de
maior concurso à Foz, este ano.
Os caleches fizeram
todos muitas corridas e não houve sege, carroção ou cavalgadura maior ou menor
que ficasse por alugar; barcos de tolde e sem tolde aglomeraram-se mais de cem
na cantareira à tarde, em que foi o maior concurso.
De manhã o preço foi
de 160 reis, depois de meio dia 240 reis, excepto os do Cadete, no Carmo, que
não sofreram alteração”.
In jornal “O Periódico dos Pobres” de 14 de Setembro de 1857
– 2ª Feira
Cais da Cantareira em 1900
Ao cais da Cantareira atracavam os barcos que traziam para
as festas de Nossa Senhora da Luz e S. Bartolomeu, uma imensidão de gente. À
data da foto, em 1900, já as pessoas se faziam transportar para a Foz, em
carros eléctricos, que iam até mais além, às margens do rio Leça.
“Foi, ontem, a festa
de Nossa Senhora da Luz, na Foz, que, do dia 8 de Setembro, que era o seu, foi
transferida para ontem.
A Senhora foi
festejada, não na sua capela da Luz, que está em ruínas desde 1833, mas sim na
igreja paroquial”.
In jornal “O Comércio do Porto” de 14 de Setembro de 1863 –
2ª Feira
“O domingo último, 9
de setembro, foi de grande movimento para esta praia pelo motivo de ser dia
consagrado a Nossa Senhora da Luz. Apesar de, desde há anos, não se fazer a
festa costumada na rua da Senhora da Luz, não deixa contudo de haver a mesma
animação, visto não faltarem os costumados divertimentos e bem assim as
tradicionais melancias e melões que são o consolo dos forasteiros, que vão
comer para a beira-mar”.
In jornal “ O Comércio do Porto” de 15 de Setembro de 1928 –
Sábado
Na Foz do Douro, a festa que pedia meças à da Nossa Senhora
da Luz, era o S. Bartolomeu, que tinha também boa aceitação nas praias de Leça
e Matosinhos e é comemorado a 24 de Agosto.
Bartolomeu foi um dos doze apóstolos de Jesus,
acompanhando-o até à morte. Também é referido nas escrituras como Natanael (que
significa “o dom de Deus” ou “Deus deu”), sendo proveniente de Caná, onde terá
testemunhado o milagre de Cristo da transformação da água em vinho.
É-lhe atribuído um vasto apostolado na Índia, na Arábia e na
Arménia, com dons de exorcismo. Bartolomeu terá morrido esfolado a 24 de Agosto
do ano de 51 d.C., a mando de um governador do Daguestão, sendo mesmo
representado por Miguel Ângelo na Capela Sistina segurando nas mãos a própria
pele. São Bartolomeu ficou assim para a história como o padroeiro dos
sapateiros, padeiros, alfaiates e daqueles que trabalham com peles.
No Dia de São Bartolomeu o diabo anda à solta, segundo a
tradição popular.
Foi, de facto, de 23 para 24 de Agosto de 1572, no dia de
São Bartolomeu, que sucederam inúmeros assassinatos em Paris, num massacre de
protestantes protagonizado pelos católicos.
“Ontem houve imensa concorrência à Foz, em consequência da
festividade a ali se fez a S. Bartolomeu.
As caleches estacionadas na Porta Nobre iam e vinham cheios
de gente, assim como os estacionados em outros lugares.
Quem, à tarde, fosse dar um passeio até ao Ouro gozava um
belo panorama. A estrada estava crivada de gente que ia, ou vinha, a pé, as
caleches corriam com presteza, ricas berlindas particulares conduziam seus
donos. Os pobres barqueiros tiveram pouca concorrência, o que foi devido às
caleches, apesar de elevarem ontem quase todos o preço a 240 réis”.
In jornal “O Monitor” de 31 de Agosto de 1857 – 2ª Feira
Como se observa na notícia acima tendo, em 1857, o S.
Bartolomeu calhado a uma 2ª Feira, ela dá-nos conta da movimentação do Domingo
seguinte, para os lados da Foz do Douro.
“Ontem houve imensa
concorrência à Foz, em consequência da festividade a ali se fez a S.
Bartolomeu.
Os caleches
estacionados na Porta Nobre iam e vinham cheios de gente, assim como os
estacionados em outros lugares.
Quem, à tarde, fosse
dar um passeio até ao Ouro gozava um belo panorama. A estrada estava crivada de
gente que ia, ou vinha, a pé, os caleches corriam com presteza, ricas berlindas
particulares conduziam seus donos. Os pobres barqueiros tiveram pouca
concorrência, o que foi devido aos caleches, apesar de elevarem ontem quase
todos o preço a 240 réis”.
In jornal “O Monitor” de 31 de Agosto de 1857 – 2ª Feira
“Foi ontem o dia da
romaria de S. Bartolomeu, dia em que a crença popular tem pelo mais aziago de
todo o ano, por aquele em que ao príncipe das trevas é permitido vir ao mundo
praticar as suas diabruras.
É costume muito antigo
da gente do campo aproveitar a manhã do dia de ontem para ir banhar-se ao
oceano, o que faz repetidas e sucessivas vezes, muito fiada em que neste dia a
água do mar tem virtudes curativas que só de ano a ano possuem.
O costume dura e isso
deu lugar a que ontem de manhã na Foz, principalmente na praia dos Ingleses, se
vissem muitas lavradeiras tomando banhos uns após os outros”.
In jornal “O Comércio do Porto” de 25 de Agosto de 1865 – 6ª
Feira
S. Bartolomeu em 1910 – Ed. Emílio Biel
“Fazem-se congressos
sobre congressos, discutem-se questões, resolvem-se problemas e, todavia, ainda
estão por decidir dois pontos importantíssimos que são o de saber a razão por
que se festeja, em S. João da Foz, o S. Bartolomeu, no dia 24 de Agosto e por que
é que a gente das aldeias circunvizinhas do Porto desce às praias da Foz e
imerge no oceano uma e mais vezes, considerando aquela dose de banhos, por
atacado, naquele dia, como uma panaceia anual e eficazíssima.
A multidão invade as
praias da Foz, o largo da Igreja, o Passeio Alegre, os restaurantes e, ao
entardecer, os char-à-Bancs, carruagens, «coupés» e toda a casta de veículos,
acotovelando-se, empurrando, rindo, gesticulando e assim debandam todos para a
cidade, alegres e satisfeitos”.
In “Jornal do Porto” de 23 de Agosto de 1873 - Sábado
Também em Matosinhos o S. Bartolomeu era festejado com muita
folia, à mistura.
“José Leite de Vasconcelos assistiu em 1880, em Matosinhos,
a esta tradição popular. Assim a descreve: “…na véspera à noite e no dia de
manhã, chegavam bandos de gente do campo, tocando viola, dançando e cantando.
Em seguida dirigiam-se ao mar a banharem-se… e os aldeãos tímidos, procuravam
sobre os afagos do luar, os penhascos mais recatados, onde chegasse a maré,
para aí se libertarem das vestes domingueiras, e, com o corpinho em “leitão”
darem os sete mergulhos virtuosos. Eis algumas rimas a S. Bartolomeu,
recolhidas no concelho de Matosinhos, quando os foliões ao som das banzas e das
tocatas se dirigiam para o amplo cenário da beira mar:
Esta viola é minha
Este pandeiro é meu
Este bandinho de moças
Vai p’ró S. Bartolomeu.
Ó vida da minha vida
Adeus, adeus vou p’ró mar;
Eu venho muito suado
Agora vou refrescar”.
Uma outra importante festa aconteceu, durante muitos anos, a
de Nossa Senhora da Conceição dos Militares, sendo muito querida dos militares
da região do Norte, tinha altar próprio na extinta igreja do Colégio dos Órfãos
quando ele funcionava na Cordoaria, no sítio onde mais tarde se construiu o
edifício onde funcionou a Faculdade de Ciências e que serve hoje de sede à
reitoria da Universidade do Porto.
Quando se demoliu a igreja de Nossa senhora da Graça do
Colégio dos Órfãos, a imagem de Nossa Senhora da Conceição dos Militares foi
levada para a capela de Nossa Senhora da Conceição, na Rua da Constituição, ao
Marquês.
(Continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário