O ambiente das festas e romarias de outrora era para o
portuense, um escape do dia-a-dia de trabalho e das poucas alturas em que todos
se soltavam e desinibiam.
“Dlim, Dlim, Dlim!
Repicam, estrídulas, as campainhas, Os tambores e bombos rufam ratplan,
ratplan! Chamando o povoléu, aglomerado numa massa negra e densa, donde rompem
apupos, berros, gargalhadas, silvos agudos de gaitas de barro, e o tilintar
alegre dos risos gaiatos das costureirinhas que se erguem, em bicos dos pés,
para ver as piruetas dos «clowns» e dos macacos nos tablados. Asmáticos
realejos vão gaguejando melancólicas árias e roufenhas valsas de operetas
centenárias, onde, a espaços, faltam notas…
- É entrar, é entrar!
Quem não tem cabeça, não paga nada!
Sobre a algazarra
reboante, pregões de vendedeiras vibram agudamente:
- Doces de Paranhos!
Pão coado! Cavacas! Quem quer cavacas de Resende?
Pelos arruamentos,
entre tendas iluminadas, a turba compacta dos domingos, acotovela-se e alastra
num turbilhão de silhuetas de animatógrafo.
Bandos gárrulos de
costureiras, de cabelos em bandós, sob mantilha picada dum fulgor de jóia de
bazar, esbeltas na sua graça viva de flores do asfalto, deixam um rastro de
alegria e um perfume de mocidade na sua passagem; caixeiros de lojas de modas,
de bigode frisado e gravatas ostentosas, com olhos de tentadores, acesos para
as burguesinhas, de grandes chapéus emplumados e vestidinhos de chita clara.
Lavradeiras dos
arredores, de grandes arrecadas e grilhões de ouro sobre os lenços,
garridamente cruzados no seio.
Para o lado das tascas
de peixe frito, a confusão acentua-se na estúrdia especial dos arraiais.
Em mangas de camisa,
vermelhos e obesos como Silenos, os taverneiros apregoam ruidosamente:
- Eh, freguesinho! Da
Companhia! É d’um caneco!
Das pipas bojudas,
enormes, o vinho jorra, num jacto espumoso e sanguinolento, sob largas canecas
vidradas, em volta das mesas cobertas de toalhas manchadas; há risos, disputas,
cantigas, turbilhões coloridos de saias que dançam, à roda; numa onda de fumo,
crivado de fogachos ruivos de candeias em fila, ao longo das tendas, velhas,
acocoradas como bruxas, agitam sobre o lumaréu rubro dos fogareiros as sertãs
de cobre onde chiam, frigindo, as «espetadas» num cheiro de azeite fervido e de
gordura.”
In jornal “O Primeiro de Janeiro”, de 1 de Maio de 1902 – 5ª
Feira
Fora os tradicionais negócios da venda de comes e bebes, de
peixe frito, espetadas e doce de Paranhos, entre outros, por vezes surgiam,
fruto da imaginação, outras novidades que passavam a fazer parte do quotidiano.
Assim, no início do século XX, surge o negócio muito
lucrativo da venda de limonada, que não faltava em nenhuma romaria ou festança.
“A limonada, apesar de
barata, em cortiços cercados de folhas de hera, para a conservar fresca, com um
pouco de açúcar mascavo, custa ainda 10 reis cada copo.
E a limonada dos
carrinhos de praça, enfeitados de enormes fieiras de limões, já vai mais acima.
Custa um vintém.
Mas, vende-se muito.
Ninguém imagina o que
se tem apurado neste pequeno comércio da rua. Fortunas, se houvesse juízo…
O «Joaquim do Piolho»,
que foi o primeiro há onze anos, a apresentar na praça o seu » carro vencedor
nº 1», nos três primeiros anos, enquanto lhe não apareceram concorrentes, teve
dias de apurar cinquenta e sete mil reis.
E só com o seu «Vencedor»,
no dia da proclamação da República no Porto, apurou oitenta e cinco mil reis.
Porém, já não é só ele
em campo. Há já carrinhos de limonada fresca, de capilé, de limonada de
cavalinho, a todos os cantos, em todas as praças, em todas as ruas.
Em muitas lojas se
vendem também refrescos vários. Até águas especiais da Amieira, do Sameiro…
Nestas águas de luxo,
quem, este ano, inventou um balcão muito chic, com uma caixeira toda risonha e
gentil, foi a Tabacaria Teixeira. Aquilo, sim. Aquilo é que é água que mata a
sede, água de Pisões, servida em copos de cristal por mãos delicadas e finas.
Até dá vontade de ter sede!”
In jornal “ O Porto” de 1 de Junho de 1911 – 5ª Feira
A marca de água gaseificada foi lançada em 1899, pela
empresa Águas de Moura, de Pisões-Moura
Um nicho ou oratório com uma figura de um santo ou santa,
encostado ou inserido numa fachada de um prédio, era motivo e desculpa, para se
montar uma festa, que não dispensava o lançamento de um bom fogo-de-artifício
ou um fogo preso, que fazia a delícia dos mais miúdos.
“No sábado e domingo
próximos, 23 e 24 de Julho, realizam-se imponentes festejos a nossa Senhora do
Carmo, na Rua da Ponte Nova, em frente à Rua Mouzinho da Silveira.
Tanto num dia como no
outro haverá música, embandeiramento e iluminação, trabalho este que foi
confiado ao ornamentista sr. José de Almeida.
No sábado à noite,
haverá um brilhante fogo de artifício, do conhecido pirotécnico sr. Joaquim
Devezas. No dia, à tarde, será queimado um vistoso fogo de bonecos.
A imagem da Senhora
apresentará, pela primeira vez, um rico vestido e manto, bordados a ouro,
oferta de uma comissão de senhoras.
A conceituada casa
Jayme Augusto Silva encarregou-se da ornamentação do oratório.”
In jornal “A Província” de 19 de Julho de 1898 – 3ª Feira
Cartão comercial da “Fábrica Nacional de Produtos
Pirotécnicos”
O cartão comercial da gravura acima publicita a “Fábrica
Nacional de Produtos Pirotécnicos”, que é também referida na notícia anterior,
inserida no jornal “A Província”.
Curioso será notar que, a referida fábrica, pelas suas
características, estava à data em local bem afastado da cidade, no lugar de
Currais, para os lados da Areosa, enquanto os seus escritórios estavam na Rua
Visconde de Setúbal, perto da Praça do Marquês.
Rua da Ponte Nova
A Rua da Ponte Nova é cortada pela Rua Mouzinho da Silveira,
conforme se vê na foto acima. Em tempos, a Rua da Ponte Nova atravessava o Rio
da Vila que corria onde hoje está o chão da Rua Mouzinho da Silveira.
Em muitos casos, a festa associava-se ao culto a um qualquer
padroeiro ou orago de uma capela, promovida por alguém do lugar, com posses.
Era o caso do culto ao Senhor dos Navegantes, em Sobreiras,
próximo à Cantareira.
“Amanhã há grandes
festas em Sobreiras, na capela do Senhor dos Navegantes, próximo da Foz. Os
festeiros são o capitão e tripulação da barca «Silêncio», de que é proprietário
o sr. António Ferreira Miranda Guimarães. Na véspera há fogo preso e
iluminação, música regimental, fogo do ar e arraial.”
In jornal “O Braz Tisana” de 3 de Setembro de 1853 – Sábado
A capela do Senhor dos Navegantes está, há muito, afecta a
uma área comercial
Na Foz do Douro, uma outra capela era o alvo das atenções à
sua padroeira – Nossa Senhora da Lapa, que envolvia grandes festejos
organizados pelos pilotos da barra e que tinha como devotos os pescadores
locais, mareantes e embarcadiços.
“No sítio da
Cantareira, na rua do Passeio Alegre, da povoação da Foz do Douro, ao Norte da
estrada pública, em frente do antigo farol e torre…há outra Capela e
Oratório…cujo orago é Nossa Senhora da Lapa…a sua decente edificação e boa
ordem dos adornos internos testemunha o gosto do seu fundador e indica o
dispêndio feito na erecção deste Santuário…quando se reedificou há bem poucos
anos”.
Sousa Reis – Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP)
Capela de Nossa senhora da Lapa – Ed. JPortojo
“Na Foz do Douro,
junto ao Passeio Alegre, ergue-se, desde há muitos anos, com a fachada voltada
ao mar, uma pequena ermida que tem como padroeira Nossa Senhora da Lapa. Em
épocas muito recuadas foram grandes devotos desta padroeira, os pescadores
locais; mareantes e embarcadiços; e, ultimamente, os pilotos da barra do Douro,
quando esta corporação funcionava por ali perto e a sua atividade era
fundamental para o acompanhamento, em segurança, da entrada e saída de navios
na perigosíssima barra do rio Douro.
Foi uma das mais
queridas capelas da zona da Foz do Douro com direito a festa e arraial que
tinham organização primorosa dos pilotos que zelavam, também, pelo culto,
asseio, adorno e conservação do pequeno templo. No lintel por cima da porta da
entrada no templo está gravada uma legenda em latim que, em vernáculo, diz o
seguinte: construída no ano de 1391.
Fundaram-na uns
devotos do culto de Nossa Senhora da Lapa, uns pobres pescadores cujo barco
teria sido salvo de um naufrágio, por interceção de Nossa Senhora da Lapa,
vindo dar ao areal que existia onde agora está o jardim. Devia ser bem
pequenina a primitiva ermida. A que agora lá vemos resultou de vários restauros
feitos ao longo dos anos e de uma ampliação realizada em 1820.
Muitos outros
milagres, diz a tradição, fez a Senhora da Lapa, salvando, nomeadamente,
pequenas embarcações de pescadores sanjoaneiros quando pareciam prestes a serem
tragados pelo mar revolto em dias de temporais.
De um desses
“salvamentos” há registo escrito. Passou-se com o patacho “Rápido” no dia 29 de
Janeiro de 1866. O veleiro estava a entrar na barra quando uma vaga mais
alterosa o atirou para cima de um rochedo. A história diz que “morreriam todos
e o navio perder-se-ia se Nossa Senhora da Lapa não tivesse ouvido as preces
que os tripulantes do navio lhe dirigiram…”
Entretanto o culto ao
redor da imagem de Nossa Senhora da Lapa foi esmorecendo, decaiu e, entre os
homens do mar, está, se não extinto, pelo menos adormecido. Mas o pequeno
templo resiste. É hoje propriedade particular. Mas foi durante muitos anos um
centro de devoção marinheira e continua a ser, no aparente esquecimento em que
jaz, um trono de saudades no coração dos fozeiros”.
Cortesia de Germano Silva
Se as festas ao Senhor da Boa Nova, à Torre da Marca,
funcionavam como o abrir do calendário festivo, a romaria à Senhora do Rosário,
em S. Cosme, Gondomar, funcionava como o crepúsculo dele.
Esta festa tem lugar no 1º Domingo de Outubro e é, também, conhecida como a romaria das Nozes.
A romaria é levada à prática há mais de 260 anos.
Contam os historiadores que a devoção inicial que mobilizava
os devotos a Gondomar seria dirigida a S. Cosme e S. Damião, patronos dos
médicos e das doenças más. Posteriormente, passou a ser dirigida à Nossa
Senhora do Rosário.
Igreja Matriz de Gondomar
“Ontem foi a última
romaria do ano, a Senhora do Rosário. Apesar da manhã ter estado chuvosa, muita
gente concorreu, tanto a S. Cosme, como a Campanhã”.
In jornal “O Informador” de 5 de Outubro de 1846 – 2ª Feira
“Foi ontem a romaria
de Nossa Senhora do Rosário, em S. Cosme de Gondomar, que é também a última do
ano.
Os amigos destas
festanças não podiam passar sem assistir ao bota-fora das romarias, por isso
era tão grande a concorrência dos romeiros; alguns houve que, para não perderem
pitada, já para lá tinham ido de véspera.
Alguns que costumam gostar das romarias molhadinhas, foram os que voltaram mais satisfeitos, porque o Céu
veio em seu auxílio”.
In jornal “Restauração” de 2 de Outubro de 1865 – 2ª Feira
“Foi ante-ontem, em S.
Cosme de Gondomar, a festividade e romaria da Senhora do Rosário, que é costume
verificar-se no primeiro domingo do mês de Outubro, romaria que é o epílogo de
todas as funções e arraiais”.
In jornal “O Brio do Paiz” de 4 de Outubro de 1870 – 3ª
Feira
Os romeiros, oriundos das redondezas, rumavam à Romaria de
Nossa Senhora do Rosário, utilizando todos os meios de transporte de que podiam
lançar mão, carros puxados por animais, etc, mas muitos deles faziam-no mesmo a
pé, cobrindo grandes distâncias. Era, assim, com esta e com outras romarias,
para as quais se partia, em plena madrugada.
No início do século XX, logo nas primeiras décadas, apareceu
o transporte por camionetas, com percursos e serviços devidamente
concessionados por lei.
No caso de Gondomar, desde 1939, a “Empresa de Transportes
Gondomarense”, foi uma bênção para os romeiros portuenses que se dirigiam a S.
Cosme.
Deve observar-se que, naqueles tempos, o uso de viatura
própria era exclusivo de apenas alguns privilegiados.
Fundada em 1939, a Empresa de Transportes Gondomarense, Lda.
resultou da fusão de quatro das seis empresas concessionárias existentes, à
data, em Gondomar. As duas empresas remanescentes acabaram também por integrar
a Gondomarense, em 1957.
Operava a partir de Atães, para todo o concelho e daí para a
cidade do Porto, como empresa de transporte colectivo de passageiros e turismo.
O terminal de camionagem da Empresa de Transportes
Gondomarense, Lda., era na Rua Duque de Loulé.
Em 1989, a Gondomarense acabou por ser adquirida pelo grupo
JAL, SA, que adquire, ainda, a congénere AAMS - Américo António Martins Soares,
sediada em Seixo (Gondomar) e que operava carreiras interurbanas entre o Porto,
Valongo e Sobrado.
No dia 1 de Dezembro de 2023, na sequência de um concurso
para concessionar todos os transportes de passageiros na Área Metropolitana do
Porto, a Gondomarense cessou a sua actividade de transportes públicos, sendo
substituída pela UNIR.
Passou, então, a operar no privado, em serviços de aluguer.
Camionetas da Empresa de Transportes Gondomarense, Lda., em
1968, na Alameda das Fontainhas, o seu local de estacionamento habitual
Antes da realização da Feira das Nozes, a meio do ano, pelo
concelho de Gondomar, mais precisamente em Rio Tinto, tinha lugar uma romaria
antiga, que ainda se mantem nos nossos dias, dedicada a S. Bento.
O altar de S. Bento das Peras, em talha dourada, exposto na
igreja matriz de Rio Tinto, apresenta-o invulgarmente vestido de bispo, ao
contrário da sua representação habitual como monge.
A festa ao S. Bento, em Rio Tinto, realiza-se em 11 de Julho
e, na semana seguinte, é festejado S. Cristovão.
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