quarta-feira, 16 de outubro de 2019

(Conclusão) - Actualização em 8/02/2021


O ambiente das festas e romarias de outrora era para o portuense, um escape do dia-a-dia de trabalho e das poucas alturas em que todos se soltavam e desinibiam.


“Dlim, Dlim, Dlim! Repicam, estrídulas, as campainhas, Os tambores e bombos rufam ratplan, ratplan! Chamando o povoléu, aglomerado numa massa negra e densa, donde rompem apupos, berros, gargalhadas, silvos agudos de gaitas de barro, e o tilintar alegre dos risos gaiatos das costureirinhas que se erguem, em bicos dos pés, para ver as piruetas dos «clowns» e dos macacos nos tablados. Asmáticos realejos vão gaguejando melancólicas árias e roufenhas valsas de operetas centenárias, onde, a espaços, faltam notas…
- É entrar, é entrar! Quem não tem cabeça, não paga nada!
Sobre a algazarra reboante, pregões de vendedeiras vibram agudamente:
- Doces de Paranhos! Pão coado! Cavacas! Quem quer cavacas de Resende?
Pelos arruamentos, entre tendas iluminadas, a turba compacta dos domingos, acotovela-se e alastra num turbilhão de silhuetas de animatógrafo.
Bandos gárrulos de costureiras, de cabelos em bandós, sob mantilha picada dum fulgor de jóia de bazar, esbeltas na sua graça viva de flores do asfalto, deixam um rastro de alegria e um perfume de mocidade na sua passagem; caixeiros de lojas de modas, de bigode frisado e gravatas ostentosas, com olhos de tentadores, acesos para as burguesinhas, de grandes chapéus emplumados e vestidinhos de chita clara.
Lavradeiras dos arredores, de grandes arrecadas e grilhões de ouro sobre os lenços, garridamente cruzados no seio.
Para o lado das tascas de peixe frito, a confusão acentua-se na estúrdia especial dos arraiais.
Em mangas de camisa, vermelhos e obesos como Silenos, os taverneiros apregoam ruidosamente:
- Eh, freguesinho! Da Companhia! É d’um caneco!
Das pipas bojudas, enormes, o vinho jorra, num jacto espumoso e sanguinolento, sob largas canecas vidradas, em volta das mesas cobertas de toalhas manchadas; há risos, disputas, cantigas, turbilhões coloridos de saias que dançam, à roda; numa onda de fumo, crivado de fogachos ruivos de candeias em fila, ao longo das tendas, velhas, acocoradas como bruxas, agitam sobre o lumaréu rubro dos fogareiros as sertãs de cobre onde chiam, frigindo, as «espetadas» num cheiro de azeite fervido e de gordura.”
In jornal “O Primeiro de Janeiro”, de 1 de Maio de 1902 – 5ª Feira


Fora os tradicionais negócios da venda de comes e bebes, de peixe frito, espetadas e doce de Paranhos, entre outros, por vezes surgiam, fruto da imaginação, outras novidades que passavam a fazer parte do quotidiano.
Assim, no início do século XX, surge o negócio muito lucrativo da venda de limonada, que não faltava em nenhuma romaria ou festança.


“A limonada, apesar de barata, em cortiços cercados de folhas de hera, para a conservar fresca, com um pouco de açúcar mascavo, custa ainda 10 reis cada copo.
E a limonada dos carrinhos de praça, enfeitados de enormes fieiras de limões, já vai mais acima. Custa um vintém.
Mas, vende-se muito.
Ninguém imagina o que se tem apurado neste pequeno comércio da rua. Fortunas, se houvesse juízo…
O «Joaquim do Piolho», que foi o primeiro há onze anos, a apresentar na praça o seu » carro vencedor nº 1», nos três primeiros anos, enquanto lhe não apareceram concorrentes, teve dias de apurar cinquenta e sete mil reis.
E só com o seu «Vencedor», no dia da proclamação da República no Porto, apurou oitenta e cinco mil reis.
Porém, já não é só ele em campo. Há já carrinhos de limonada fresca, de capilé, de limonada de cavalinho, a todos os cantos, em todas as praças, em todas as ruas.
Em muitas lojas se vendem também refrescos vários. Até águas especiais da Amieira, do Sameiro…
Nestas águas de luxo, quem, este ano, inventou um balcão muito chic, com uma caixeira toda risonha e gentil, foi a Tabacaria Teixeira. Aquilo, sim. Aquilo é que é água que mata a sede, água de Pisões, servida em copos de cristal por mãos delicadas e finas. Até dá vontade de ter sede!”
In jornal “ O Porto” de 1 de Junho de 1911 – 5ª Feira


A marca de água gaseificada foi lançada em 1899, pela empresa Águas de Moura, de Pisões-Moura



Um nicho ou oratório com uma figura de um santo ou santa, encostado ou inserido numa fachada de um prédio, era motivo e desculpa, para se montar uma festa, que não dispensava o lançamento de um bom fogo-de-artifício ou um fogo preso, que fazia a delícia dos mais miúdos.


“No sábado e domingo próximos, 23 e 24 de Julho, realizam-se imponentes festejos a nossa Senhora do Carmo, na Rua da Ponte Nova, em frente à Rua Mouzinho da Silveira.
Tanto num dia como no outro haverá música, embandeiramento e iluminação, trabalho este que foi confiado ao ornamentista sr. José de Almeida.
No sábado à noite, haverá um brilhante fogo de artifício, do conhecido pirotécnico sr. Joaquim Devezas. No dia, à tarde, será queimado um vistoso fogo de bonecos.
A imagem da Senhora apresentará, pela primeira vez, um rico vestido e manto, bordados a ouro, oferta de uma comissão de senhoras.
A conceituada casa Jayme Augusto Silva encarregou-se da ornamentação do oratório.”
In jornal “A Província” de 19 de Julho de 1898 – 3ª Feira



Cartão comercial da “Fábrica Nacional de Produtos Pirotécnicos”



O cartão comercial da gravura acima publicita a “Fábrica Nacional de Produtos Pirotécnicos”, que é também referida na notícia anterior, inserida no jornal “A Província”.
Curioso será notar que, a referida fábrica, pelas suas características, estava à data em local bem afastado da cidade, no lugar de Currais, para os lados da Areosa, enquanto os seus escritórios estavam na Rua Visconde de Setúbal, perto da Praça do Marquês.



Rua da Ponte Nova


A Rua da Ponte Nova é cortada pela Rua Mouzinho da Silveira, conforme se vê na foto acima. Em tempos, a Rua da Ponte Nova atravessava o Rio da Vila que corria onde hoje está o chão da Rua Mouzinho da Silveira.
Em muitos casos, a festa associava-se ao culto a um qualquer padroeiro ou orago de uma capela, promovida por alguém do lugar, com posses.
Era o caso do culto ao Senhor dos Navegantes, em Sobreiras, próximo à Cantareira.


“Amanhã há grandes festas em Sobreiras, na capela do Senhor dos Navegantes, próximo da Foz. Os festeiros são o capitão e tripulação da barca «Silêncio», de que é proprietário o sr. António Ferreira Miranda Guimarães. Na véspera há fogo preso e iluminação, música regimental, fogo do ar e arraial.”
In jornal “O Braz Tisana” de 3 de Setembro de 1853 – Sábado



A capela do Senhor dos Navegantes está, há muito, afecta a uma área comercial



Na Foz do Douro, uma outra capela era o alvo das atenções à sua padroeira – Nossa Senhora da Lapa, que envolvia grandes festejos organizados pelos pilotos da barra e que tinha como devotos os pescadores locais, mareantes e embarcadiços.


“No sítio da Cantareira, na rua do Passeio Alegre, da povoação da Foz do Douro, ao Norte da estrada pública, em frente do antigo farol e torre…há outra Capela e Oratório…cujo orago é Nossa Senhora da Lapa…a sua decente edificação e boa ordem dos adornos internos testemunha o gosto do seu fundador e indica o dispêndio feito na erecção deste Santuário…quando se reedificou há bem poucos anos”.
Sousa Reis – Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP)



Capela de Nossa senhora da Lapa – Ed. JPortojo



“Na Foz do Douro, junto ao Passeio Alegre, ergue-se, desde há muitos anos, com a fachada voltada ao mar, uma pequena ermida que tem como padroeira Nossa Senhora da Lapa. Em épocas muito recuadas foram grandes devotos desta padroeira, os pescadores locais; mareantes e embarcadiços; e, ultimamente, os pilotos da barra do Douro, quando esta corporação funcionava por ali perto e a sua atividade era fundamental para o acompanhamento, em segurança, da entrada e saída de navios na perigosíssima barra do rio Douro.
Foi uma das mais queridas capelas da zona da Foz do Douro com direito a festa e arraial que tinham organização primorosa dos pilotos que zelavam, também, pelo culto, asseio, adorno e conservação do pequeno templo. No lintel por cima da porta da entrada no templo está gravada uma legenda em latim que, em vernáculo, diz o seguinte: construída no ano de 1391.
Fundaram-na uns devotos do culto de Nossa Senhora da Lapa, uns pobres pescadores cujo barco teria sido salvo de um naufrágio, por interceção de Nossa Senhora da Lapa, vindo dar ao areal que existia onde agora está o jardim. Devia ser bem pequenina a primitiva ermida. A que agora lá vemos resultou de vários restauros feitos ao longo dos anos e de uma ampliação realizada em 1820.
Muitos outros milagres, diz a tradição, fez a Senhora da Lapa, salvando, nomeadamente, pequenas embarcações de pescadores sanjoaneiros quando pareciam prestes a serem tragados pelo mar revolto em dias de temporais.
De um desses “salvamentos” há registo escrito. Passou-se com o patacho “Rápido” no dia 29 de Janeiro de 1866. O veleiro estava a entrar na barra quando uma vaga mais alterosa o atirou para cima de um rochedo. A história diz que “morreriam todos e o navio perder-se-ia se Nossa Senhora da Lapa não tivesse ouvido as preces que os tripulantes do navio lhe dirigiram…”
Entretanto o culto ao redor da imagem de Nossa Senhora da Lapa foi esmorecendo, decaiu e, entre os homens do mar, está, se não extinto, pelo menos adormecido. Mas o pequeno templo resiste. É hoje propriedade particular. Mas foi durante muitos anos um centro de devoção marinheira e continua a ser, no aparente esquecimento em que jaz, um trono de saudades no coração dos fozeiros”.
Cortesia de Germano Silva



Se as festas ao Senhor da Boa Nova, à Torre da Marca, funcionavam como o abrir do calendário festivo, a romaria à Senhora do Rosário, em S. Cosme, Gondomar, funcionava como o crepúsculo dele.
Esta festa tem lugar no 1º Domingo de Outubro e é, também, conhecida como a romaria das Nozes.
A romaria é levada à prática há mais de 260 anos.
Contam os historiadores que a devoção inicial que mobilizava os devotos a Gondomar seria dirigida a S. Cosme e S. Damião, patronos dos médicos e das doenças más. Posteriormente, passou a ser dirigida à Nossa Senhora do Rosário.



Igreja Matriz de Gondomar


“Ontem foi a última romaria do ano, a Senhora do Rosário. Apesar da manhã ter estado chuvosa, muita gente concorreu, tanto a S. Cosme, como a Campanhã”.
In jornal “O Informador” de 5 de Outubro de 1846 – 2ª Feira


“Foi ontem a romaria de Nossa Senhora do Rosário, em S. Cosme de Gondomar, que é também a última do ano.
Os amigos destas festanças não podiam passar sem assistir ao bota-fora das romarias, por isso era tão grande a concorrência dos romeiros; alguns houve que, para não perderem pitada, já para lá tinham ido de véspera.
Alguns que costumam gostar das romarias molhadinhas, foram os que voltaram mais satisfeitos, porque o Céu veio em seu auxílio”.
In jornal “Restauração” de 2 de Outubro de 1865 – 2ª Feira


“Foi ante-ontem, em S. Cosme de Gondomar, a festividade e romaria da Senhora do Rosário, que é costume verificar-se no primeiro domingo do mês de Outubro, romaria que é o epílogo de todas as funções e arraiais”.
In jornal “O Brio do Paiz” de 4 de Outubro de 1870 – 3ª Feira



Os romeiros, oriundos das redondezas, rumavam à Romaria de Nossa Senhora do Rosário, utilizando todos os meios de transporte de que podiam lançar mão, carros puxados por animais, etc, mas muitos deles faziam-no mesmo a pé, cobrindo grandes distâncias. Era, assim, com esta e com outras romarias, para as quais se partia, em plena madrugada.
No início do século XX, logo nas primeiras décadas, apareceu o transporte por camionetas, com percursos e serviços devidamente concessionados por lei.
No caso de Gondomar, desde 1939, a “Empresa de Transportes Gondomarense”, foi uma bênção para os romeiros portuenses que se dirigiam a S. Cosme.
Deve observar-se que, naqueles tempos, o uso de viatura própria era exclusivo de apenas alguns privilegiados.
Fundada em 1939, a Empresa de Transportes Gondomarense, Lda. resultou da fusão de quatro das seis empresas concessionárias existentes, à data, em Gondomar. As duas empresas remanescentes acabaram também por integrar a Gondomarense, em 1957.
Operava a partir de Atães, para todo o concelho e daí para a cidade do Porto, como empresa de transporte colectivo de passageiros e turismo.
O terminal de camionagem da Empresa de Transportes Gondomarense, Lda., era na Rua Duque de Loulé.
Em 1989, a Gondomarense acabou por ser adquirida pelo grupo JAL, SA, que adquire, ainda, a congénere AAMS - Américo António Martins Soares, sediada em Seixo (Gondomar) e que operava carreiras interurbanas entre o Porto, Valongo e Sobrado.
No dia 1 de Dezembro de 2023, na sequência de um concurso para concessionar todos os transportes de passageiros na Área Metropolitana do Porto, a Gondomarense cessou a sua actividade de transportes públicos, sendo substituída pela UNIR.
Passou, então, a operar no privado, em serviços de aluguer.
 
 


Camioneta da Gondomarense


 

Camionetas da Empresa de Transportes Gondomarense, Lda., em 1968, na Alameda das Fontainhas, o seu local de estacionamento habitual

 
 
Antes da realização da Feira das Nozes, a meio do ano, pelo concelho de Gondomar, mais precisamente em Rio Tinto, tinha lugar uma romaria antiga, que ainda se mantem nos nossos dias, dedicada a S. Bento.
O altar de S. Bento das Peras, em talha dourada, exposto na igreja matriz de Rio Tinto, apresenta-o invulgarmente vestido de bispo, ao contrário da sua representação habitual como monge.
A festa ao S. Bento, em Rio Tinto, realiza-se em 11 de Julho e, na semana seguinte, é festejado S. Cristovão.



 
 

Notícia à romaria de São Bento das Peras, In jornal “A Voz Pública” de 12 Julho de 1900
 
 
 
 

Igreja matriz de Rio Tinto





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