“Os antigos costumes
locais desapareceram com as liteiras do Lopes e do Carneiro, com as cadeirinhas
da Rua do Almada, com as tortas do pasteleiro da Rua de Santo António, com os
carroções do Manuel José de Oliveira, com os Sanjoões da Lapa, do Bonfim e de
Cedofeita, com as merendas pelo rio acima, com a política jacobina de José
Passos, na sua casa da Viela da Neta, e com o velho botequim das Hortas, em que
à noite se jogava o loto a vintém o cartão, e que, ao abrir-se uma das suas portas
envidraçadas guarnecidas da cortininha de cassa branca, enchia de um picante
perfume de calda de capilé e de café torrado a rua toda, sobre cujos lajedos
dormiam estiraçados ao sol, entre os fardos de estopa e as molhadas de
verguinha de ferro, os podengos cor de raposa e os galgos dos lojistas.
Aos domingos de Verão,
o picheleiro do Souto, o guarda-soleiro da Bainharia, o ourives ou o mercador
de panos da Rua das Flores, ia com o romper do dia à missa das almas a S.
Francisco ou aos Congregados; comprava depois o melão, a melancia e as laranjas
na Feira do Anjo, e, às seis horas da manhã, na frescura aquática do Cais da
Ribeira, embarcava com a família em barco de toldo para a Oliveira, para
Avintes ou para Quebrantões”.
Ramalho Ortigão, In Farpas IV
Pic-nic no rio Douro
“O patrão, de quinzena
de ganga e chapéu de esteira; as filhas à frente em toilette de musselina; a
mulher ao lado, de saia de nobreza, luvas de retrós e a mantilha de lapim no
braço, a jovem com as roupinhas novas de camponesa maiata; e o marçano atrás
com niza de briche, camisa de linho caseiro, chinelas amarelas de grosso
bezerro de Penafiel, e à cabeça o açafate dos víveres, discretamente cobertos
com a alva toalha de olho-de-perdiz, e com o chapéu braguês, duro e afunilado,
posto em cima, de remate ao festivo monumento campestre de gastronomia
dominical: — o alguidar novo com a infalível sapateirada, as postas de pescada
frita, as alfaces, as frutas e a inolvidável borracha de canada com o vinho
maduro da Companhia, que há-de ir refrescar ao fundo do poço, de borda ornada
de craveiros e manjericos, debaixo dos álamos, enquanto a família em folga
ripar a salada, sentada na erva.
Tamanho era o dia como
a romaria. De sorte que só a noite fechada se voltava para casa. E os que
tinham ficado na cidade, depois de terem ido ao Senhor Exposto a Santo António
das Taipas ou a S. João Novo, viam do paredão das Fontainhas deslizar em baixo,
no espelho negro do rio angustiado e túmido, as lentas barcas iluminadas de
lanternas. O golpe das remadas, batendo compassadamente nos toletes e
arrepiando a corrente, parecia remexer um turbilhão de estrelas no fundo
tenebroso da água; e, de vez em quando, o eco da serra do Pilar repetia como
num soluço, da banda de além, uma plangente arcada de violino ou um saudoso
harpejo de banzas, com que o morno vento leste varria docemente a superfície do
rio, até se ir perder expirante para os lados do Candal, nas alamedas sombrias
de Vale de Amores”.
Ramalho Ortigão, In Farpas IV
Arnaldo Leite no texto que se segue dá uma imagem do Porto da sua juventude, do bulício da cidade e dos pregões que se ouviam.
Família em passeio pelo rio Douro. À esquerda, um Valboeiro.
Crestuma, próximo da Pedra Salgada, com o palácio do Freixo
(em frente), durante uma regata no rio Douro, em 1905
Por este rio acima se ia, após a curva, à direita, merendar
à Pedra Salgada – Ed. “Illutração Portugueza” (14 Out. 1907)
Vista sobre o Cais dos Guindais (à direita) e Ribeira (à esquerda), em 1903
Exposição canina no Palácio de Cristal, em 1902
Criada de servir na
1ª metade do século XX
À esquerda, um
amolador ou guarda-soleiro, junto da passagem de nível do ramal de Matosinhos,
na Rua Brito Capelo. As instalações são da “Fábrica de Conservas Portuguesa”.
Hoje, no seu lugar, está um moderno edifício com uma loja da “Arcádia”
Leiteira em 1908
Lavradeira do Porto
Mulher de Avintes
Mulher da Maia, em
traje de festa
As “Galinheiras” que, outrora, calcorrearam o Porto
Lavadeiras do rio
Douro, em 1953
Lavadeiras do Leça –
Cortesia Joel Cleto
Pescadores na
Cantareira
Mercado do Peixe, na
Ribeira, em 1942
Carro eléctrico
passando na Praça da Batalha, da Linha 7 //, que ligava aquela praça a S.
Mamede de Infesta. Terminou em 20/6/77
E, sobre um rol imenso de desaparecimentos de factos que
fizeram a história da cidade, acrescentam-se mais recentemente, aos já
reportados anteriormente:
O Porto dos almoços de Domingo, de galinha corada no forno,
ouvindo no rádio a “Voz dos Ridículos”; o Porto vibrando nas tardes de Domingo
ao som dos relatos de futebol, que se ouviam bem longe, antes, pela autoria das
“Produções Lança Moreira” e, depois, pela voz do Amaro; o Porto que parava para
ouvir a rádio novela “A força do Destino, mais conhecida pelo Teatro do Tide ou
a rádio novela “Simplesmente Maria”; o Porto das mercearias de bairro, de
vendas “a fiado” que pelo Natal distribuíam aos clientes, mais fiéis, a garrafa
de vinho-fino “Lágrima Christi” ou a garrafa do afamado espumante “Neto Costa”
ou, ainda, a tablete de chocolate; o Porto das idas à Ribeira ao fim de semana
para comer iscas no “Frita Lêndeas”; o Porto dos bailes nos Salões dos
Bombeiros, no Clube Vasco da Gama (à Batalha) e na Casa de Espanha ou na Casa
da Beira-Alta; o Porto dos pregões das varinas, das galinheiras e dos
castanheiros; o Porto da distribuição ao domicílio do pão e do leite e uma vez
por semana da doceira de Valongo; o Porto das idas ao Domingo de tarde à Praça
da Liberdade dar uma volta à mesma e à estátua do D. Pedro montado no seu
cavalo – a famosa “volta dos tristes”; o
Porto dos casais de magalas e sopeiras, ao Domingo, passeando nos jardins; o
Porto da Feira Popular no Palácio de Cristal; o Porto do parque das Camélias, com
o espectáculo musical “A Hora do Garnizé”; o Porto do Fernando Gonçalves e do
seu espectáculo musical “Festival”, no cinema Vale Formoso e, a seguir, no
teatro Sá da Bandeira; o Porto do Mercado do Bolhão; o Porto do mercado do Bom
Sucesso; o Porto das sardinhas assadas e frangos no churrasco, nas barracas do
Palácio; o Porto do compasso pascal percorrendo as ruas no dealbar da aleluia;
o Porto das romarias aos Domingos de futebol, à tarde, à Constituição e depois
às Antas; o Porto dos eléctricos percorrendo as ruas da cidade, bem como dos
silenciosos troleicarros; o Porto do placard (luminoso) de notícias, acabadas
de acontecer e dadas de imediato a conhecer (situado no cimo do Palacete das
Cardosas) e que os transeuntes liam, de pescoço esticado para o céu; o Porto da
Feira do Livro na Praça da Liberdade; o Porto dos grupos de rapazes que na Rua
de Santa Catarina, situados em esquinas estratégicas, assistiam à passagem das
empregadas de comércio e das aprendizas de modista que exerciam na baixa da
cidade; o Porto das tasquinhas e casas de pasto que estavam um pouco por toda a
cidade, mormente, na Rua de Cima de Vila, Travessa dos Congregados, Rua da
Madeira, Largo de S. Lázaro, etc; o Porto dos apitos das fábricas, a horas
certas; o Porto dos fotógrafos “à la minuta”; o Porto de restaurantes icónicos
como “A Mamuda” na Rua do Campinho, o “Casais” em S. Lázaro e na Rua de
Fernandes Tomás, o “Neptuno” e “Aquário Marisqueiro” na Rua Rodrigues
Sampaio, o “Porto” e “Regaleira” na Rua do Bonjardim, etc.; o Porto dos cafés
“Sabá” e “Rialto” na Rua Sá da Bandeira, do “Rivoli”, do “Monumental”, do
“Excelsior”, do “Imperial”, do “Palladium”, do “Bela Cruz” no castelo do
Queijo, do Tijuca em Passos Manuel, etc.; o Porto das confeitarias Palace,
Ateneia, Costa Moreira, Cunha, etc.; o Porto dos cinemas Batalha, Vale Formoso,
Águia Douro, Olímpia, Nun’Álvares, Passos Manuel, Sala Bébé; o Porto de
ajuntamentos de pessoas em frente das montras das casas que vendiam televisões
a preto e branco, em que as cores eram adivinhadas, pela apreciação da
tonalidade dos cinzentos, etc.;
Mercado do Bolhão, c. 1900
Rua de Santo António engalanada para as Festas de Verão, em
1908, pois, nessa data, era assim que se chamavam os festejos S. Joaninos
Padeiros de Valongo que demandavam a cidade, entrando pela
Rua do Bonfim – Ed. Emílio Biel
Feira do Livro, na Praça da Liberdade, em 1936
Vendedor de
castanhas, vulgo castanheiro, junto à Capela das Almas – Fonte: “jpn.up.pt”
Entrada da Barra do
Douro nos anos 40 do século XX
A meio da foto, na esquina, a confeitaria Palace, c. 1950. O
carro eléctrico 15 ligava a Praça às Antas e vice-versa (Praça da Liberdade -
Batalha - Bonfim - Antas - Rua Costa Cabral - Praça Marquês de Pombal - Praça
da Liberdade). O outro que também se observa é o “Pipi” da linha 20 que, após
1949, fazia um itinerário fechado (Praça da Liberdade - Batalha - Rua
Alegria - Constituição - Boavista - Palácio - Carmo - Praça da Liberdade)
Jantar em 1961, no Restaurante Abadia, da equipa de “A Voz
dos Ridículos”, à data, transmitia da “Ideal Rádio”, sita na Rua Alferes
Malheiro
Publicidade à "Ideal Rádio" no Pirolito de 28/03/1931
Carro alegórico (“A Confidente”) na Avenida dos Aliados no
carnaval de 1955
Fotógrafo “à la minuta” – Fonte: “portoarc.blogspot.com”
Na esquina (à esquerda) o Café Rialto c. 1960, na Praça D.
João I. As estátuas equestres desta praça foram inauguradas em 1957
Numa ampliação da foto anterior, pode observar-se que, no
rés-do-chão do prédio, à direita, ficava o Café Rivoli, fronteiro ao cine-teatro
Rivoli
Em aparelhos de rádio (similares) vibrava-se com a narração das novelas radiofónicas e com os relatos de futebol
TV Grundig (1956)
TV Philips (1956)
TV Gretz (1957)
TV em mira técnica
Cinema Batalha (em funcionamento), antes do encerramento, que
durou anos
Troleicarro na Praça da Batalha. Deixaram de circular desde
1997
Aspecto de tasco do início do século XX
“A Lutadora” na antiga Rua do Poço das Patas, nº 41 (Rua
Coelho Neto)
“Adega do Olho” em 1940, na Rua Afonso Martins Alho. Desde 2017,
resta, só, a memória
A “Adega de S. Martinho” (com a D. Teresinha ao comando), na
Rua de D. João IV, nº 795, fechou as portas no final de 2016
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