terça-feira, 29 de outubro de 2019

(Conclusão)


“Os antigos costumes locais desapareceram com as liteiras do Lopes e do Carneiro, com as cadeirinhas da Rua do Almada, com as tortas do pasteleiro da Rua de Santo António, com os carroções do Manuel José de Oliveira, com os Sanjoões da Lapa, do Bonfim e de Cedofeita, com as merendas pelo rio acima, com a política jacobina de José Passos, na sua casa da Viela da Neta, e com o velho botequim das Hortas, em que à noite se jogava o loto a vintém o cartão, e que, ao abrir-se uma das suas portas envidraçadas guarnecidas da cortininha de cassa branca, enchia de um picante perfume de calda de capilé e de café torrado a rua toda, sobre cujos lajedos dormiam estiraçados ao sol, entre os fardos de estopa e as molhadas de verguinha de ferro, os podengos cor de raposa e os galgos dos lojistas.
Aos domingos de Verão, o picheleiro do Souto, o guarda-soleiro da Bainharia, o ourives ou o mercador de panos da Rua das Flores, ia com o romper do dia à missa das almas a S. Francisco ou aos Congregados; comprava depois o melão, a melancia e as laranjas na Feira do Anjo, e, às seis horas da manhã, na frescura aquática do Cais da Ribeira, embarcava com a família em barco de toldo para a Oliveira, para Avintes ou para Quebrantões”.
Ramalho Ortigão, In Farpas IV




Pic-nic no rio Douro




“O patrão, de quinzena de ganga e chapéu de esteira; as filhas à frente em toilette de musselina; a mulher ao lado, de saia de nobreza, luvas de retrós e a mantilha de lapim no braço, a jovem com as roupinhas novas de camponesa maiata; e o marçano atrás com niza de briche, camisa de linho caseiro, chinelas amarelas de grosso bezerro de Penafiel, e à cabeça o açafate dos víveres, discretamente cobertos com a alva toalha de olho-de-perdiz, e com o chapéu braguês, duro e afunilado, posto em cima, de remate ao festivo monumento campestre de gastronomia dominical: — o alguidar novo com a infalível sapateirada, as postas de pescada frita, as alfaces, as frutas e a inolvidável borracha de canada com o vinho maduro da Companhia, que há-de ir refrescar ao fundo do poço, de borda ornada de craveiros e manjericos, debaixo dos álamos, enquanto a família em folga ripar a salada, sentada na erva.
Tamanho era o dia como a romaria. De sorte que só a noite fechada se voltava para casa. E os que tinham ficado na cidade, depois de terem ido ao Senhor Exposto a Santo António das Taipas ou a S. João Novo, viam do paredão das Fontainhas deslizar em baixo, no espelho negro do rio angustiado e túmido, as lentas barcas iluminadas de lanternas. O golpe das remadas, batendo compassadamente nos toletes e arrepiando a corrente, parecia remexer um turbilhão de estrelas no fundo tenebroso da água; e, de vez em quando, o eco da serra do Pilar repetia como num soluço, da banda de além, uma plangente arcada de violino ou um saudoso harpejo de banzas, com que o morno vento leste varria docemente a superfície do rio, até se ir perder expirante para os lados do Candal, nas alamedas sombrias de Vale de Amores”.
Ramalho Ortigão, In Farpas IV


Arnaldo Leite no texto que se segue dá uma imagem do Porto da sua juventude, do bulício da cidade e dos pregões que se ouviam.






Família em passeio pelo rio Douro. À esquerda, um Valboeiro.




Crestuma, próximo da Pedra Salgada, com o palácio do Freixo (em frente), durante uma regata no rio Douro, em 1905



Por este rio acima se ia, após a curva, à direita, merendar à Pedra Salgada – Ed. “Illutração Portugueza” (14 Out. 1907)


Vista sobre o Cais dos Guindais (à direita) e Ribeira (à esquerda), em 1903



Exposição canina no Palácio de Cristal, em 1902



Criada de servir na 1ª metade do século XX



À esquerda, um amolador ou guarda-soleiro, junto da passagem de nível do ramal de Matosinhos, na Rua Brito Capelo. As instalações são da “Fábrica de Conservas Portuguesa”. Hoje, no seu lugar, está um moderno edifício com uma loja da “Arcádia” 


Leiteira em 1908


Lavradeira do Porto



Mulher de Avintes




Mulher da Maia, em traje de festa




As “Galinheiras” que, outrora, calcorrearam o Porto


Lavadeiras do rio Douro, em 1953



Lavadeiras do Leça – Cortesia Joel Cleto


Pescadores na Cantareira


Mercado do Peixe, na Ribeira, em 1942



Carro eléctrico passando na Praça da Batalha, da Linha 7 //, que ligava aquela praça a S. Mamede de Infesta. Terminou em 20/6/77




E, sobre um rol imenso de desaparecimentos de factos que fizeram a história da cidade, acrescentam-se mais recentemente, aos já reportados anteriormente:



O Porto dos almoços de Domingo, de galinha corada no forno, ouvindo no rádio a “Voz dos Ridículos”; o Porto vibrando nas tardes de Domingo ao som dos relatos de futebol, que se ouviam bem longe, antes, pela autoria das “Produções Lança Moreira” e, depois, pela voz do Amaro; o Porto que parava para ouvir a rádio novela “A força do Destino, mais conhecida pelo Teatro do Tide ou a rádio novela “Simplesmente Maria”; o Porto das mercearias de bairro, de vendas “a fiado” que pelo Natal distribuíam aos clientes, mais fiéis, a garrafa de vinho-fino “Lágrima Christi” ou a garrafa do afamado espumante “Neto Costa” ou, ainda, a tablete de chocolate; o Porto das idas à Ribeira ao fim de semana para comer iscas no “Frita Lêndeas”; o Porto dos bailes nos Salões dos Bombeiros, no Clube Vasco da Gama (à Batalha) e na Casa de Espanha ou na Casa da Beira-Alta; o Porto dos pregões das varinas, das galinheiras e dos castanheiros; o Porto da distribuição ao domicílio do pão e do leite e uma vez por semana da doceira de Valongo; o Porto das idas ao Domingo de tarde à Praça da Liberdade dar uma volta à mesma e à estátua do D. Pedro montado no seu cavalo  – a famosa “volta dos tristes”; o Porto dos casais de magalas e sopeiras, ao Domingo, passeando nos jardins; o Porto da Feira Popular no Palácio de Cristal; o Porto do parque das Camélias, com o espectáculo musical “A Hora do Garnizé”; o Porto do Fernando Gonçalves e do seu espectáculo musical “Festival”, no cinema Vale Formoso e, a seguir, no teatro Sá da Bandeira; o Porto do Mercado do Bolhão; o Porto do mercado do Bom Sucesso; o Porto das sardinhas assadas e frangos no churrasco, nas barracas do Palácio; o Porto do compasso pascal percorrendo as ruas no dealbar da aleluia; o Porto das romarias aos Domingos de futebol, à tarde, à Constituição e depois às Antas; o Porto dos eléctricos percorrendo as ruas da cidade, bem como dos silenciosos troleicarros; o Porto do placard (luminoso) de notícias, acabadas de acontecer e dadas de imediato a conhecer (situado no cimo do Palacete das Cardosas) e que os transeuntes liam, de pescoço esticado para o céu; o Porto da Feira do Livro na Praça da Liberdade; o Porto dos grupos de rapazes que na Rua de Santa Catarina, situados em esquinas estratégicas, assistiam à passagem das empregadas de comércio e das aprendizas de modista que exerciam na baixa da cidade; o Porto das tasquinhas e casas de pasto que estavam um pouco por toda a cidade, mormente, na Rua de Cima de Vila, Travessa dos Congregados, Rua da Madeira, Largo de S. Lázaro, etc; o Porto dos apitos das fábricas, a horas certas; o Porto dos fotógrafos “à la minuta”; o Porto de restaurantes icónicos como “A Mamuda” na Rua do Campinho, o “Casais” em S. Lázaro e na Rua de Fernandes Tomás, o “Neptuno” e  “Aquário Marisqueiro” na Rua Rodrigues Sampaio, o “Porto” e “Regaleira” na Rua do Bonjardim, etc.; o Porto dos cafés “Sabá” e “Rialto” na Rua Sá da Bandeira, do “Rivoli”, do “Monumental”, do “Excelsior”, do “Imperial”, do “Palladium”, do “Bela Cruz” no castelo do Queijo, do Tijuca em Passos Manuel, etc.; o Porto das confeitarias Palace, Ateneia, Costa Moreira, Cunha, etc.; o Porto dos cinemas Batalha, Vale Formoso, Águia Douro, Olímpia, Nun’Álvares, Passos Manuel, Sala Bébé; o Porto de ajuntamentos de pessoas em frente das montras das casas que vendiam televisões a preto e branco, em que as cores eram adivinhadas, pela apreciação da tonalidade dos cinzentos, etc.;



Mercado do Bolhão, c. 1900



Rua de Santo António engalanada para as Festas de Verão, em 1908, pois, nessa data, era assim que se chamavam os festejos S. Joaninos



Padeiros de Valongo que demandavam a cidade, entrando pela Rua do Bonfim – Ed. Emílio Biel




Feira do Livro, na Praça da Liberdade, em 1936


Vendedor de castanhas, vulgo castanheiro, junto à Capela das Almas – Fonte: “jpn.up.pt”


Entrada da Barra do Douro nos anos 40 do século XX



A meio da foto, na esquina, a confeitaria Palace, c. 1950. O carro eléctrico 15 ligava a Praça às Antas e vice-versa (Praça da Liberdade - Batalha - Bonfim - Antas - Rua Costa Cabral - Praça Marquês de Pombal - Praça da Liberdade). O outro que também se observa é o “Pipi” da linha 20 que, após 1949, fazia um itinerário fechado  (Praça da Liberdade - Batalha - Rua Alegria - Constituição - Boavista - Palácio - Carmo - Praça da Liberdade)



Jantar em 1961, no Restaurante Abadia, da equipa de “A Voz dos Ridículos”, à data, transmitia da “Ideal Rádio”, sita na Rua Alferes Malheiro



Publicidade à "Ideal Rádio" no Pirolito de 28/03/1931



Carro alegórico (“A Confidente”) na Avenida dos Aliados no carnaval de 1955


Fotógrafo “à la minuta” – Fonte: “portoarc.blogspot.com”



Na esquina (à esquerda) o Café Rialto c. 1960, na Praça D. João I. As estátuas equestres desta praça foram inauguradas em 1957



Numa ampliação da foto anterior, pode observar-se que, no rés-do-chão do prédio, à direita, ficava o Café Rivoli, fronteiro ao cine-teatro Rivoli



Em aparelhos de rádio (similares) vibrava-se com a narração das novelas radiofónicas e com os relatos de futebol



TV Grundig (1956)


TV Philips (1956)


TV Gretz (1957)


TV em mira técnica




Cinema Batalha (em funcionamento), antes do encerramento, que durou anos



Troleicarro na Praça da Batalha. Deixaram de circular desde 1997



Aspecto de tasco do início do século XX


“A Lutadora” na antiga Rua do Poço das Patas, nº 41 (Rua Coelho Neto)


“Adega do Olho” em 1940, na Rua Afonso Martins Alho. Desde 2017, resta, só, a memória


A “Adega de S. Martinho” (com a D. Teresinha ao comando), na Rua de D. João IV, nº 795, fechou as portas no final de 2016

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