Rio Douro e
navegabilidade no estuário
Sempre foi do conhecimento dos homens do mar das
dificuldades na entrada da barra do Douro.
O respeito que os comandantes tinham por aquela barra está
expresso no cais da meia laranja, no Passeio Alegre, onde está recordada a
memória do Comandante John W. Cowie, veterano da Barra do Douro, que serviu
desde oficial praticante a capitão, em grande parte da frota de um armador de
Glasgow, que escalava os portos portugueses com regularidade e que legou as
suas cinzas ao rio, onde foram lançadas, em 19 de Julho de 1958, de bordo do
navio-motor inglês Seamew, o seu último navio comandado.
Também o reverendo William Kimsey, num texto transcrito a seguir, nos
dá conta duma entrada na barra do Douro e dos perigos subjacentes.
Descrição do reverendo William Kimsay
Muitas soluções foram propostas para eliminar muitos perigos
que o vencer da barra oferecia.
Tendo em conta as soluções respectivas e que implicavam
também uma alteração da fisionomia da margem direita, junto da foz do rio, a
construção de um cais (ou dique), começa com um projecto de Reynaldo Oudinot de
1789.
“Neste esquema da
proposta de Oudinot pode descrever-se as seguintes obras:
1 - Construção de um
cais desde a Capelinha da Cantareira até ao rochedo «Sopena» e, se possível, o
seu prolongamento até às pedras «Felgueiras», para resistir ao entupimento da
barra;
2 - E necessário fazer
qualquer obra no Cabedelo, pois ele condiciona a corrente das águas, encanando
o rio. Se se construísse outro cais na margem esquerda, este evitaria que as
cheias alargassem a foz, aprofundando-a, embora não contrariasse a acumulação
de areias durante o estio. Segundo Oudinot, as cheias atacavam o Cabedelo,
podendo demolir aquela estrutura arenosa. As obras projectadas por Oudinot
foram realizadas durante vários anos, até serem interrompidas, em 1805, com o
desenrolar da Guerra Peninsular. Os resultados foram algum aprofundamento da
barra, bem como o deslocamento do Cabedelo para sul, sofrendo a rota dos navios
uma correcção”.
Fonte: A. LOUREIRO
Mais tarde, em 1820, num projecto de Luiz Gomes de Carvalho,
era proposto para a margem direita a construção de diques por lanços, desde as
pedras «Eiras», passando pelo farol de S. Miguel-o-Anjo e continuando para
montante.
O dique de Luiz Gomes de Carvalho atingiu 616 metros de
comprimento; no entanto, não chegou a ser concluído e, em 1825, as obras
limitavam-se à simples conservação das estruturas.
A partir daqui, várias soluções seriam propostas para
regularização da barra como o projecto de Andrea Sheerboon (de 1838), projecto
de Joseph Gibbs (de 1840), projecto de Bigot (em 1843/1844), projecto de
William Jates Freebody (em 1855) e projecto de Manuel Afonso Espregueira de
1866, que propõe, entre outras soluções, a conclusão do dique de Luiz Gomes de
Carvalho e o seu prolongamento para o mar.
Muitos outros projectos e soluções se iriam suceder até aos
nossos dias, culminando com o levantamento, há cerca de 10 anos, de novos molhes.
Gravura de identificação das mais importantes construções,
locais e rochas da barra do Douro – Ed. Teodoro de Sousa Maldonado (des.) e
Manuel da Silva Godinho (grav.); Fonte: “gisaweb.cm-porto.pt”
Legenda:
2 – Castelo da Foz; 3 – Lage Davra; 4 – Aguião; 5 – Picão; 6
– Felgueiras; 10 – Cabedelo; 11 – Touro;
12 – Supena; 13 – Samagaio; 14 – Picoens;
15 – Olinda; 16 – Gamela; 17 – JOMBOI; 18 – Pilar da Cruz; 19 – O Ferro;
20 – Sul do Ferro; 21 – Pedras de Muge; 22 – Bunarceira; 23 – Arribadouros; 29
– Farol “O Anjo”; 30 – Praia
Observação: Entre a Lage Davra e o Cabedelo existem ainda do
lado de Gaia as pedras conhecidas por “Foga Manadas” e “Filhas da Perlonga”.
Andrea Sheerboon
propunha, de acordo com gravura anterior:
1 - Um dique ou paredão de pedra solta desde a ponta do
Cabedelo (pedras «Caranguejeiras») até às pedras «Perlongas». Esta margem
artificial avançaria sensivelmente para o mar até igualar a margem direita;
2 - Completar, regularizar e reconstruir a margem direita através
de outro paredão, unindo a ponta da «Galeota» com as pedras «Felgueiras»;
3 - Implementar um dique desde Sobreiras até ao penedo «Cruz
de Ferro» (em frente ao Farol S. Miguel-o-Anjo);
4 - Remover artificialmente as areias do Cabedelo que
permanecessem a norte do paredão e acima do nível da baixa-mar (volume avaliado
de 16000 metros cúbicos);
5 - Aprofundar o canal da barra através de dragagens.
Este projecto é muito próximo do apresentado pelo português
Luiz Gomes de Carvalho, nomeadamente, nos pontos 1, 2 e 3.
Em 1873, para melhorar o movimento das embarcações, que
demandavam o Rio Douro, a companhia que operava nas manobras de reboque
comprou uma nova unidade.
Assim, foi comprado pela “Companhia de Reboques
Maritimos e Fluviaes”, em 1873, o vapor Scotia, barco construído em
Blockwall, no ano de 1864, com a força de 100 cavalos nominais, próprio para
rebocador, e pertencente à companhia Coledonian Steam Towing.
Para que fosse possível pô-lo a navegar, apenas foram
necessárias algumas pequenas reparações na caldeira e no casco. Ganhou, então,
o nome de VELOZ.
Rio Douro e a
actividade comercial
O Rio Douro e a região demarcada dos vinhos do Douro
Desde que foi traçada a região demarcada dos vinhos do
Douro, foi notória a influência da comunidade britânica neste sector económico
e na vida económica e social da cidade do Porto.
A actividade não seria, porém, ausente de contra-tempos.
Primeiro, foi o oídio, uma doença causada por um fungo
ectoparasita, cujo micélio se desenvolve sobre todos os tecidos verdes (folhas,
pâmpanos e cachos) e, cujo tratamento impõem a protecção da vinha desde a
floração até ao fecho dos cachos. A doença é controlada desde 1854 com a
aplicação de enxofre.
Depois, foi o míldio, um fungo caracterizado como um
endoparasita, ou seja, desenvolve-se no interior das folhas da videira e que
hoje é evitada com a famosa “calda bordalesa” (mistura de sulfato de cobre, cal
virgem e água).
Ambas as doenças têm hoje tratamento, mas, no século XIX,
provocaram grandes prejuízos no Douro vinhateiro, que se agravaram quando, após
poucos anos, apareceu a praga da filoxera.
“No final da década de
1850 e início da década de 1860, especialistas em botânica e viticultores
europeus tinham começado a importar da América do Norte videiras de castas
indígenas. Estes estudiosos não estavam cientes de que, em muitos casos, estas
videiras americanas traziam consigo pequenos insectos amarelos que se alimentavam
das suas raízes, sugando a sua seiva.
As videiras americanas
estavam habituadas ao ataque destes insectos quase invisíveis e tinham
desenvolvido formas de lhe sobreviver. Contudo, as vinhas europeias de produção
de vinho não tinham quaisquer defesas. Os insectos alimentavam-se pela raiz da
videira, provocando inchaços tuberosos até que a raiz ficava tão deformada que
não podia absorver água e nutrientes do solo.
Famintas e sedentas,
as videiras murchavam e morriam. O primeiro surto significativo ocorreu em
França no sul da região do Ródano em 1862 e a praga então rapidamente se
espalhou a outras partes do país causando devastação generalizada nas vinhas.
Quando a causa foi finalmente identificada, foi dado ao destrutivo insecto o
nome de Phylloxera vastatrix, ou filoxera.
Crê-se que a filoxera
chegou à região do Douro em 1868. Em primeiro lugar, desencadeou a sua
destruição nas zonas mais a leste, a origem dos melhores vinhos do Porto e, em
1872, colocou de rastos muitas das mais conhecidas propriedades produtoras de
vinho do Porto. Os rendimentos baixaram drasticamente, provocando escassez de
vinho e uma subida do seu preço. Um dos mais dinâmicos campeões da batalha
contra a filoxera foi John Fladgate, um dos sócios da Taylor’s. Ele viajara
para França para saber que remédios estavam aí a ser usados e, em 1872,
publicou os seus achados numa carta aberta aos agricultores do Douro.
Mais tarde viria a
ser-lhe concedido o título de Barão da Roêda pelo seu trabalho. Passou algum
tempo, porém, até que a solução definitiva fosse encontrada. Esta passava por
enxertar as videiras europeias nas raízes resistentes das castas americanas,
uma medida que acabou por fazer parar a destruição.
Fonte: site “Taylor’s”
Nos anos de filoxera, a cultura da vinha na região foi
substituída pela do sumagre.
Desses tempos, é possível ainda encontrar algumas atafonas,
que são os moinhos onde se processava a redução da folhagem do sumagre a pó, para posterior comercialização.
Antigamente, os Romanos usavam-no em vez do vinagre ou limão, que só
chegou séculos mais tarde. Foi, também, muito usado como corante para couro.
Os Impostos na actividade fluvial
Durante mais de dois séculos, o rendimento das portagens
era arrecadado exclusivamente pela Igreja portucalense, ou seja, pelo bispo, a
quem a cidade pertencia, desde a doação feita por D. Teresa, em 1120, ao tal
bispo D. Hugo.
A partir do século XIV, com a criação dos primeiros cargos
de administração do burgo (câmara), esta começou a alcançar alguma
emancipação e a usufruir do direito de cobrar rendas.
Em 1371, foi lançada uma sisa especial sobre o vinho, os panos, o sal e o
pescado, cujo rendimento se destinava ao pagamento das obras de construção do
muro da cidade, começada no reinado de D. Afonso IV e terminada no de D.
Fernando.
Diversos impostos existiram, alguns deles devidos ao Bispo e, muitos deles, com nomes curiosos, como o das Colheres, das Canadas, da Malatesta,
dos Milheiros, da Redizima e da Dízima do Pescado.
“A Colher era uma
medida que correspondia à quadragésima parte de um alqueire. Este imposto que
era cobrado junto de uma fonte, ainda existente, a Fonte da Colher, em
Miragaia, tributava o pão (cereal), a farinha, nozes, castanhas, produtos que
entravam na cidade pelo rio ou por terra. Por cada alqueire de um destes
produtos, uma colher era para o bispo.
O vinho que entrava no
burgo por terra, pagava, por cada carro, seis canadas. Se viesse em carga
cavalar ou muar, pagava canada e meia, porque a carga era menor.
Malaposta era a
designação dada a um tonel. Por cada tonel, recebia o bispo quarenta e oito
reais.
Milheiro ou dez por
mil, ou um por cento, era o que se pagava de imposto por todo o vinho vendido
à prancha nos barcos”.
Germano Silva
A fiscalização era efectuada em postos de cobrança em terra,
e estendia-se, igualmente, pela beira-rio, onde havia vários postos como, por
exemplo, à entrada dos tabuleiros da Ponte de Luís I e no Cais da Estiva. Esta
parte do rio, na época em que vigoravam as barreiras, estava circuitada por
grades de ferro e possuía duas entradas - uma junto à Praça da Ribeira, outra
do lado do Largo do Terreiro, do velho Terreiro da Alfândega Velha. Era junto
à porta do lado da Ribeira que se situava o posto da barreira.
Era a Câmara que mandava construir os edifícios, como o do
cais da Estiva, na foto abaixo.
Em diversas épocas, os rendimentos extraídos do rio estiveram
sob a alçada de diversas entidades, como sejam as clarissas do mosteiro de Santa
Clara ou os beneditinos de Cedofeita ou, ainda, o conde de Massarelos e de S.
João da Foz, cujo condado não correspondia a um território sob a sua tutela, mas, sim, a um imposto que era pago sobre o pescado que se retirava do rio
Douro.
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