quarta-feira, 6 de março de 2024

25.230 O Rio Douro: navegabilidade no estuário e actividade comercial

 
Rio Douro e navegabilidade no estuário
 
 
Sempre foi do conhecimento dos homens do mar das dificuldades na entrada da barra do Douro.
O respeito que os comandantes tinham por aquela barra está expresso no cais da meia laranja, no Passeio Alegre, onde está recordada a memória do Comandante John W. Cowie, veterano da Barra do Douro, que serviu desde oficial praticante a capitão, em grande parte da frota de um armador de Glasgow, que escalava os portos portugueses com regularidade e que legou as suas cinzas ao rio, onde foram lançadas, em 19 de Julho de 1958, de bordo do navio-motor inglês Seamew, o seu último navio comandado.

 
 
 

Placa memorial - Ed. J. Portojo

 
 
Também o reverendo William Kimsey, num texto transcrito a seguir, nos dá conta duma entrada na barra do Douro e dos perigos subjacentes.
 
 
 
 
Descrição do reverendo William Kimsay
 
 
 
Muitas soluções foram propostas para eliminar muitos perigos que o vencer da barra oferecia.
Tendo em conta as soluções respectivas e que implicavam também uma alteração da fisionomia da margem direita, junto da foz do rio, a construção de um cais (ou dique), começa com um projecto de Reynaldo Oudinot de 1789.
 
 
“Neste esquema da proposta de Oudinot pode descrever-se as seguintes obras:
1 - Construção de um cais desde a Capelinha da Cantareira até ao rochedo «Sopena» e, se possível, o seu prolongamento até às pedras «Felgueiras», para resistir ao entupimento da barra;
2 - E necessário fazer qualquer obra no Cabedelo, pois ele condiciona a corrente das águas, encanando o rio. Se se construísse outro cais na margem esquerda, este evitaria que as cheias alargassem a foz, aprofundando-a, embora não contrariasse a acumulação de areias durante o estio. Segundo Oudinot, as cheias atacavam o Cabedelo, podendo demolir aquela estrutura arenosa. As obras projectadas por Oudinot foram realizadas durante vários anos, até serem interrompidas, em 1805, com o desenrolar da Guerra Peninsular. Os resultados foram algum aprofundamento da barra, bem como o deslocamento do Cabedelo para sul, sofrendo a rota dos navios uma correcção”.
Fonte: A. LOUREIRO
 
 
 
Mais tarde, em 1820, num projecto de Luiz Gomes de Carvalho, era proposto para a margem direita a construção de diques por lanços, desde as pedras «Eiras», passando pelo farol de S. Miguel-o-Anjo e continuando para montante.
O dique de Luiz Gomes de Carvalho atingiu 616 metros de comprimento; no entanto, não chegou a ser concluído e, em 1825, as obras limitavam-se à simples conservação das estruturas.
A partir daqui, várias soluções seriam propostas para regularização da barra como o projecto de Andrea Sheerboon (de 1838), projecto de Joseph Gibbs (de 1840), projecto de Bigot (em 1843/1844), projecto de William Jates Freebody (em 1855) e projecto de Manuel Afonso Espregueira de 1866, que propõe, entre outras soluções, a conclusão do dique de Luiz Gomes de Carvalho e o seu prolongamento para o mar.
Muitos outros projectos e soluções se iriam suceder até aos nossos dias, culminando com o levantamento, há cerca de 10 anos, de novos molhes.

 
 
Gravura de identificação das mais importantes construções, locais e rochas da barra do Douro – Ed. Teodoro de Sousa Maldonado (des.) e Manuel da Silva Godinho (grav.); Fonte: “gisaweb.cm-porto.pt”
 
Legenda:
 
2 – Castelo da Foz; 3 – Lage Davra; 4 – Aguião; 5 – Picão; 6 – Felgueiras;  10 – Cabedelo; 11 – Touro; 12 – Supena; 13 – Samagaio; 14 – Picoens;  15 – Olinda; 16 – Gamela; 17 – JOMBOI; 18 – Pilar da Cruz; 19 – O Ferro; 20 – Sul do Ferro; 21 – Pedras de Muge; 22 – Bunarceira; 23 – Arribadouros; 29 – Farol “O Anjo”; 30 – Praia


 
Observação: Entre a Lage Davra e o Cabedelo existem ainda do lado de Gaia as pedras conhecidas por “Foga Manadas” e “Filhas da Perlonga”.

 
 

 
Projecto de Andrea Sheerboon (de 1838); Fonte: LOUREIRO, A
 
 
 
 Andrea Sheerboon propunha, de acordo com gravura anterior:
 
1 - Um dique ou paredão de pedra solta desde a ponta do Cabedelo (pedras «Caranguejeiras») até às pedras «Perlongas». Esta margem artificial avançaria sensivelmente para o mar até igualar a margem direita;
2 - Completar, regularizar e reconstruir a margem direita através de outro paredão, unindo a ponta da «Galeota» com as pedras «Felgueiras»;
3 - Implementar um dique desde Sobreiras até ao penedo «Cruz de Ferro» (em frente ao Farol S. Miguel-o-Anjo);
4 - Remover artificialmente as areias do Cabedelo que permanecessem a norte do paredão e acima do nível da baixa-mar (volume avaliado de 16000 metros cúbicos);
5 - Aprofundar o canal da barra através de dragagens.

 
 
Este projecto é muito próximo do apresentado pelo português Luiz Gomes de Carvalho, nomeadamente, nos pontos 1, 2 e 3. 
Em 1873, para melhorar o movimento das embarcações, que demandavam o Rio Douro, a companhia que operava nas manobras de reboque comprou uma nova unidade.
Assim, foi comprado pela “Companhia de Reboques Maritimos e Fluviaes”, em 1873, o vapor Scotia, barco construído em Blockwall, no ano de 1864, com a força de 100 cavalos nominais, próprio para rebocador, e pertencente à companhia Coledonian Steam Towing.
Para que fosse possível pô-lo a navegar, apenas foram necessárias algumas pequenas reparações na caldeira e no casco. Ganhou, então, o nome de VELOZ.


 
 
Rebocador Veloz - Foto de Aurélio da Paz dos Reis, início do séc. XX


 
 
Rio Douro e a actividade comercial
 
O Rio Douro e a região demarcada dos vinhos do Douro
 
 
Desde que foi traçada a região demarcada dos vinhos do Douro, foi notória a influência da comunidade britânica neste sector económico e na vida económica e social da cidade do Porto.
A actividade não seria, porém, ausente de contra-tempos.
Primeiro, foi o oídio, uma doença causada por um fungo ectoparasita, cujo micélio se desenvolve sobre todos os tecidos verdes (folhas, pâmpanos e cachos) e, cujo tratamento impõem a protecção da vinha desde a floração até ao fecho dos cachos. A doença é controlada desde 1854 com a aplicação de enxofre.
Depois, foi o míldio, um fungo caracterizado como um endoparasita, ou seja, desenvolve-se no interior das folhas da videira e que hoje é evitada com a famosa “calda bordalesa” (mistura de sulfato de cobre, cal virgem e água).
Ambas as doenças têm hoje tratamento, mas, no século XIX, provocaram grandes prejuízos no Douro vinhateiro, que se agravaram quando, após poucos anos, apareceu a praga da filoxera.

 
 
“No final da década de 1850 e início da década de 1860, especialistas em botânica e viticultores europeus tinham começado a importar da América do Norte videiras de castas indígenas. Estes estudiosos não estavam cientes de que, em muitos casos, estas videiras americanas traziam consigo pequenos insectos amarelos que se alimentavam das suas raízes, sugando a sua seiva.
As videiras americanas estavam habituadas ao ataque destes insectos quase invisíveis e tinham desenvolvido formas de lhe sobreviver. Contudo, as vinhas europeias de produção de vinho não tinham quaisquer defesas. Os insectos alimentavam-se pela raiz da videira, provocando inchaços tuberosos até que a raiz ficava tão deformada que não podia absorver água e nutrientes do solo.
Famintas e sedentas, as videiras murchavam e morriam. O primeiro surto significativo ocorreu em França no sul da região do Ródano em 1862 e a praga então rapidamente se espalhou a outras partes do país causando devastação generalizada nas vinhas. Quando a causa foi finalmente identificada, foi dado ao destrutivo insecto o nome de Phylloxera vastatrix, ou filoxera.
Crê-se que a filoxera chegou à região do Douro em 1868. Em primeiro lugar, desencadeou a sua destruição nas zonas mais a leste, a origem dos melhores vinhos do Porto e, em 1872, colocou de rastos muitas das mais conhecidas propriedades produtoras de vinho do Porto. Os rendimentos baixaram drasticamente, provocando escassez de vinho e uma subida do seu preço. Um dos mais dinâmicos campeões da batalha contra a filoxera foi John Fladgate, um dos sócios da Taylor’s. Ele viajara para França para saber que remédios estavam aí a ser usados e, em 1872, publicou os seus achados numa carta aberta aos agricultores do Douro.
Mais tarde viria a ser-lhe concedido o título de Barão da Roêda pelo seu trabalho. Passou algum tempo, porém, até que a solução definitiva fosse encontrada. Esta passava por enxertar as videiras europeias nas raízes resistentes das castas americanas, uma medida que acabou por fazer parar a destruição.
Fonte: site “Taylor’s”

 
 

Cachão da Valeira - Ed. Emílio Biel


 

Túnel de Caminho-de-Ferro da Valeira - Ed. Emílio Biel


 

Estação de Caminho-de-Ferro das Covellinhas - Ed. Emílio Biel


 

Estação de Caminho-de-Ferro de Moledo - Ed. Emílio Biel


 

Túnel de Caminho-de-Ferro do Loureiro e da Murta - Ed. Emílio Biel


 
 

Vista sobre a Barra do rio Douro – Fonte: “delcampe.net”


 
Nos anos de filoxera, a cultura da vinha na região foi substituída pela do sumagre.
Desses tempos, é possível ainda encontrar algumas atafonas, que são os moinhos onde se processava a redução da folhagem do sumagre a pó, para posterior comercialização. 


 

Sumagre nas margens do rio Douro

 
 
Antigamente, os Romanos usavam-no em vez do vinagre ou limão, que só chegou séculos mais tarde. Foi, também, muito usado como corante para couro.

 
 
Os Impostos na actividade fluvial
 

Durante mais de dois séculos, o rendimento das por­tagens era arrecadado exclusivamente pela Igreja portucalense, ou seja, pelo bispo, a quem a cidade pertencia, desde a doação feita por D. Teresa, em 1120, ao tal bispo D. Hugo. 
A partir do século XIV, com a cria­ção dos primeiros cargos de administração do burgo (câmara), esta começou a alcançar alguma eman­cipação e a usufruir do direito de cobrar rendas. 
Em 1371, foi lançada uma sisa especial sobre o vinho, os panos, o sal e o pescado, cujo rendimento se destinava ao pagamen­to das obras de construção do muro da ci­dade, começada no reinado de D. Afonso IV e terminada no de D. Fernando.
Diversos im­postos existiram, alguns deles devidos ao Bispo e, muitos deles, com nomes curiosos, como o das Colheres, das Canadas, da Malatesta, dos Milheiros, da Redizima e da Dízima do Pescado. 

 
“A Colher era uma medida que corres­pondia à quadragésima parte de um alquei­re. Este imposto que era cobrado junto de uma fonte, ainda existente, a Fonte da Co­lher, em Miragaia, tributava o pão (cereal), a farinha, nozes, castanhas, produtos que entravam na cidade pelo rio ou por terra. Por cada alqueire de um destes produtos, uma colher era para o bispo. 
O vinho que entrava no burgo por terra, pagava, por cada carro, seis canadas. Se viesse em carga cavalar ou muar, pagava canada e meia, porque a carga era menor. 
Malaposta era a designação dada a um tonel. Por cada tonel, recebia o bispo qua­renta e oito reais. 
Milheiro ou dez por mil, ou um por cen­to, era o que se pagava de imposto por todo o vinho vendido à prancha nos barcos”.
Germano Silva 


 
A fiscalização era efectuada em postos de cobrança em terra, e estendia-se, igualmente, pela beira-rio, onde havia vários postos como, por exemplo, à en­trada dos tabuleiros da Ponte de Luís I e no Cais da Estiva. Esta parte do rio, na época em que vigo­ravam as barreiras, estava circuitada por grades de ferro e possuía duas en­tradas - uma junto à Praça da Ribeira, outra do lado do Largo do Terreiro, do velho Terreiro da Alfânde­ga Velha. Era junto à porta do lado da Ribeira que se situava o posto da barrei­ra.
Era a Câmara que mandava construir os edifícios, como o do cais da Estiva, na foto abaixo.
 
 
 

Barreira da Estiva na Ribeira – Fonte: “JN”


 
Em diversas épocas, os rendimentos extraídos do rio estiveram sob a alçada de diversas entidades, como sejam as clarissas do mosteiro de Santa Clara ou os beneditinos de Cedofeita ou, ainda, o conde de Massarelos e de S. João da Foz, cujo condado não correspondia a um território sob a sua tutela, mas, sim, a um imposto que era pago sobre o pescado que se retirava do rio Douro.


 

O rio Douro visto da Arrábida - In Ilustração Portugueza, nº16, 1867

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