Capela de Santo
António do Penedo
Uma capela junto da Porta de Carros tinha sido começada a
construir no ano de 1660, por iniciativa dos desembargadores do Tribunal da
Relação cuja confraria, no século XVII, estava instalada num pequeno templo que
existia nos antigos Carvalhos do Monte, actual Largo do 1.º de Dezembro,
chamada capela de Santo Antão e que, viria, mais tarde, também, a ser conhecida
por Capela de Santo António do Penedo, segundo alguns historiadores, por ter
sido construída sobre uma rocha e segundo outros numa alusão ao culto a Saint
Antoine du Rocher, um eremita que, no século VI, fundou em Tours, na França, a
célebre abadia de S. Juliano.
Quando os magistrados deixaram a capela dos Carvalhos do
Monte ela pertencia ao morgado Miguel Brandão da Silva. Mudou várias vezes
de dono sofrendo profundas alterações de cada vez que mudava de mãos. Possuía
um elegante alpendre que um dos últimos proprietários mandou demolir. Com essa
mutilação, a capela perdeu toda a graça e pitoresco que a caraterizavam.
Por volta de 1886, a capela estava já em ruínas e foi
completamente demolida para a abertura da Rua de Saraiva de Carvalho, que iria
facilitar o acesso ao tabuleiro superior da ponte de Luís I.
Ligação da Capela de
Santo António do Penedo à Igreja dos Congregados
A ligação entre estes dois locais de culto é muito evidente
e tal será mostrado a seguir.
Assim, no Porto, o
Padre a Baltazar Guedes, fundador do Colégio dos Órfãos tinha erguido, em 1664,
na igreja de Nossa Senhora da Graça, contígua ao colégio, um altar em honra de
S. Filipe Néry, tendo no ano seguinte criado a Confraria de S. Filipe de Néry,
ligada ao seu colégio.
Em Julho de 1680, chegavam ao Porto vindos de Lisboa os
Padres Manuel Rodrigues e João Lobo, onde acabava de ser criada a Congregação
do Oratório da Regra de S. Filipe Néry, que pretendiam formar um convento,
tendo começado por tentar ocupar o Colégio dos Meninos Órfãos de Nossa Senhora
da Graça, onde era reitor o Padre Baltasar Guedes. Este opôs-se veemente que
tal acontecesse e os padres referidos passaram a cobiçar uma capelinha em
frente da Porta de Carros.
No ano de 1680, a Câmara Municipal do Porto, aceitando um
pedido do rei D. Pedro II, disponibilizou-se para facilitar à Congregação do
Oratório de S. Filipe de Nery tudo o que estivesse ao seu alcance para que os
padres congregados pudessem instalar-se na cidade e aqui "estabelecer a sua casa".
No rol das facilidades, incluiu-se a cedência, à referida
congregação, da capela da Porta de Carros, da invocação de Santo António, que
fora começada a construir em 1660 com esmolas dos portuenses, mas cuja
administração estava, então, a cargo da Câmara que, por essa razão, era quem
organizava e, obviamente, pagava a grande festa que todos os anos se realizava
no dia do patrono.
No documento que foi lavrado, aquando da cedência do templo,
constavam duas alíneas curiosas: primeiro, que a ermida era doada à referida
congregação na condição de que esta manteria Santo António como padroeiro do
templo e que a sua imagem continuaria a figurar em lugar de relevo na fachada
ou no altar-mor; segundo, que, além da capela, a Câmara também doava aos padres
de S. Filipe de Nery "o sítio e
campos ao redor della..." a fim de aí construírem um convento.
Para a nova igreja dos padres congregados, foi aproveitada a
antiga capela que ficou a servir de capela-mor do actual templo.
Ora o tal sítio e campos que havia ao redor da Capela da
Porta de Carros, onde viria a surgir a Igreja de Santo António da Porta de
Carros ou Igreja dos Congregados, faziam parte do conhecido como o “Campo das
Hortas” que o bispo D. Tomás de Almeida, no século XVIII, transformaria na
Praça Nova das Hortas antecessora da actual Praça da Liberdade.
Aliás, este bispo, que também exerceu as funções de
governador da Relação e de governador das Armas da Cidade, foi quem mandou
abrir na muralha Fernandina o Postigo de Santo Elói, junto ao largo do mesmo
nome, hoje Largo dos Lóios, em frente à velhíssima Rua das Hortas, actual
Rua do Almada.
Sobre a capela da
Porta de Carros, escreve Horácio Marçal as notas seguintes retiradas de O
Tripeiro, serie V, nº. X de um artigo de 1955:
“Em meados do séc. XVII a Confraria de Santo
António, sediada por favor na Capela de Santo António Magno ou do Penedo,
propriedade do morgado Miguel Brandão da Silva, decidiu adquirir casa privativa
e conseguiu que a Câmara lhes vendesse um terreno perto da Porta dos Carros,
onde erigiram uma pequena capela. Poucos anos depois acordaram com a Câmara
lhes comprasse o terreno, com a condição de lhes construir a capela-mor, o que
aconteceu. Porém, por insistência real e do Bispo do Porto, a capela foi entregue,
em 1680, à Congregação da Regra de S. Filipe de Néri, com a condição de manter
Santo António como padroeiro. Estes terminaram a construção da parte da Igreja
ainda inacabada. Tornando-se pequena, a capela foi demolida em 1694, e em seu
lugar erigida uma importante Igreja que, depois de novas ampliações, é a que
podemos apreciar no nosso tempo.
O convento começou a construir-se em 1683.”
Por sua vez, as obras na Igreja de Santo António da Porta de
Carros, ficaram prontas em 1703, tendo presidido à cerimónia de inauguração o
bispo D. Frei José de Santa Maria Saldanha.
O sucessor deste bispo, D. Tomás de Almeida, protegeu muito
os padres da Congregação de S. Filipe de Nery contribuindo para o embelezamento
do interior da sua igreja, a actual igreja dos Congregados, diante da qual
mandou fazer um belíssimo átrio que comportava "três arcarias", varandas de ferro e uma larga escadaria "por baixo da qual havia lojas
abobadadas que os padres alugavam".
D. Tomás de Almeida saiu do Porto, em 1717, para tomar posse
do cargo de cardeal patriarca de Lisboa. Foi o primeiro a ocupar aquele alto
cargo eclesial.
“Naqueles recuados
tempos, quem saísse do velho burgo pela porta de Carros, que ficava mesmo em
frente à igreja dos padres da Congregação, os Congregados, entrava numa zona
tipicamente rural, composto por caminhos vicinais, semelhantes aos de uma
qualquer aldeia do interior; lameiros, dos quais o mais célebre era o do
meloal, onde havia uma nascente de água que abastecia o mosteiro dos franciscanos;
enormes extensões de terras onde vicejavam hortas, daí o nome da tal praça que
foi construída nas hortas que eram do bispo; soutos de carvalheiras, nome que
subsiste numa rua ali perto; e odoríferos laranjais que viriam a identificar um
sítio, o do Laranjal, topónimo que, durante muitos anos, identificou uma rua,
um largo e uma quinta, a do Laranjal ou dos Laranjais.
A norte da antiga
Praça Nova das Hortas, havia também o Casal da Regada, enorme propriedade com
terras de cultivo e pomares que em 1759 era foreira do Cabido da Sé. Da
leitura das suas confrontações ficamos a saber que a norte tinha como limite
"o ribeiro que vem do Bonjardim"; a poente, "uma terra que
pertence aos lázaros e o caminho público que vai para Liceiras e Santo
Ovídio...".
As terras do Casal da Regada eram irrigadas com a
água do referido ribeiro do Bonjardim, como consta de um emprazamento feito à
propriedade.
Havia também, a norte
da Praça Nova das Hortas, o Casal do
Galvão que, em 1677, "ficava junto da Fonte da Neta e do qual fazia
parte o campo da Cancela que de
norte partia com o caminho que ia para a Porta de Carros...".
Foi nos terrenos desta propriedade que, muitos anos mais tarde, se construiu o
largo da Cancela Velha que chegou, praticamente, até aos nossos dias, e de que
resta a memória somente no nome de um café local”.
Com a devida vénia a Germano Silva
No desenho, anterior de 1834, observa-se que a igreja
apresenta a torre quadrada com terraço,
que tinha 8 sinos e que existiu até 1842, tendo os sinos sido comprados pela
Igreja da Santíssima Trindade. À direita, vê-se uma “cadeirinha” do Porto.
Henrique Duarte
Sousa Reis, In “Apontamentos para a verdadeira história da cidade do Porto” (Vol.
4), diz sobre a igreja e convento dos congregados, uma narrativa que descreve,
em parte, o desenho executado por Joaquim Villanova:
"Tinha este
convento a sua principal fachada voltada para a porta de Carros, ficando-lhe o
frontispício do seu templo no centro, a qual toda descansava em um largo pátio
ladrilhado e de figura quadrilonga, com uma escadaria de mais de dez degraus,
que ocupava quase todo o lado fronteiro; à esquerda da porta da igreja e na
parte do convento, que ficava até à esquina da Praça Nova [hoje Praça da
Liberdade] estava praticada a portaria, sobre ela se via, em formas colossais,
metido em um grande nicho a imagem do padroeiro, e logo acima estavam rasgadas
duas janelas de sacada com suas varandas de ferro, servindo de remate a torre
dos sinos: do outro lado da igreja havia um idêntico edifício, em tudo igual
menos na torre que não tinha, e esteve sempre habitado por inquilinos que
pagavam o aluguer ao convento, cuja parte habitada pelos frades era esta que
ainda se estende pela parte do nascente da Praça de D. Pedro [novamente, a
atual Praça de Liberdade], sendo apenas alterada pelos herdeiros de Manuel José
de Sousa Guimarães, que comprou ao estado, em lhe rasgarem mais janelas de
varanda no primeiro andar do que as que tinha antes, fazendo-lhe ao mesmo
tempo, no pavimento térreo portais regulares, sendo antigamente baixos e que
davam entrada às lojas soterradas, que os padres costumavam arrendar por bem
acrescida quantia.
Tinha este
convento uma escolhida livraria, e no seu interior, além da capela-mor, um
pátio ou claustro, que no seu centro continha um chafariz com a estátua de S.
Filipe deitando água. A sacristia era situada para o lado da praça de D. Pedro,
recebia muita luz, possuía bem constituídos caixões cheios de ricos paramentos,
e suas paredes eram adornadas com os retratos dos Propósitos da congregação;
esta, com a torre foi demolida pelo comprador, e regularizado o risco, para
comodidade dos moradores, destas casas, que edificou, mas não conseguiu a
demolição sem ter uma forte questão judicial com a irmandade, que pretendia
ambas estas peças do edifício por serem pertenças da Igreja que lhe tinha sido
dada pela Soberana a Senhora D. Maria II."
Durante a guerra civil acontecida entre o exército de D.
Pedro IV e a tropa de D. Miguel, os padres congregados, que eram miguelistas,
fugiram da cidade e deixaram a igreja e o convento abandonados. A igreja serviu
de hospital de sangue durante o Cerco do Porto e nas instalações do mosteiro
arrecadaram-se livros e outros objetos provenientes de outros
conventos.
Com a extinção das ordens religiosas, o mosteiro foi
vendido, em 23 de Abril de 1834, a um brasileiro de torna viagem, Manuel
Duarte Guimarães, de alcunha "O Cheira", enquanto a igreja era cedida
à confraria de Santo António.
A Confraria de Santo António da Porta dos Carros que esteve extinta
entre 1680 e 1708, ano em que foi reactivada, manteve na Igreja a sua sede até
à saída dos monges em 1832. Em 1834, a Igreja foi-lhe devolvida pela Câmara,
livre de encargos.
Foi a partir da tomada de posse do templo pelos homens da
irmandade de Santo António que a igreja passou a ser conhecida por igreja de
Santo António dos Congregados.
Infelizmente, aos homens da confraria não foi entregue a
igreja na sua totalidade. A torre quadrangular e a primitiva sacristia já
haviam levado sumiço. Os herdeiros de Manuel Sousa Guimarães, junto do convento e igreja,
mandaram fazer grandes obras, com abertura de novas janelas e portas
exteriores.
Demoliram a sacristia, que ficava do lado da Praça das Hortas e a torre
(1842). Desta forma poderiam alugar ou vender a diversas pessoas, o que
ocasionou a abertura de estabelecimentos e casas de habitação.
A planta acima será da 2ª metade do Século XVIII.
O acesso à igreja dos congregados, ao longo dos tempos, foi mudando
como se pode ver a seguir.
De notar que na gravura anterior da autoria de J. Villanova
de 1834, a entrada da igreja (como inicialmente), se fazia por escadaria
frontal.
Em 1839, o acesso já era feito por dois lanços laterais de
escadas amparadas por varandim (que se manteve durante algumas décadas), como
se vê na foto abaixo.
Voltaria a ter, novamente, um acesso por escadas frontais
envolvidas com balaustrada, como se pode ver em fotos seguintes e, a partir de
1913, o acesso ao templo realiza-se à face da rua, passando o desnível a ser
vencido por escada interior, colocada à entrada.
Na foto acima, a igreja tem a torre sineira já à direita e
está novamente com uma escadaria frontal.
Em 1911, colocou-se a hipótese, face à abertura de novo
troço da rua que ia do fundo da Rua de 31 de Janeiro para a Rua Sampaio Bruno,
até aí fazendo parte da Rua do Bonjardim, entre outras alterações, do corte do
ângulo nascente da Igreja dos Congregados ao que a respectiva confraria se
opunha, como é fácil de imaginar.
“Uma ajuda importante
para a resolução dos problemas das expropriações veio de António da Silva
Cunha, deputado pelo Porto às Constituintes de 1911. Era o proprietário da
camisaria Confiança, que funcionava na Rua de Santa Catarina, num prédio pegado
ao edifício onde está instalado o Grande Hotel do Porto.
Em agosto de 1911,
Silva Cunha, que teve de enfrentar complicados problemas de expropriações
quando andava a construir o edifício para a sua fábrica, fez uma intervenção
no Parlamento, solicitando a publicação urgente de uma lei que facilitasse as
expropriações na zona para onde estava projetada a obra de alargamento da Rua
do Bonjardim. O Parlamento atendeu o pedido e a lei foi publicada em agosto de
1911. Mas as dificuldades para a realização da obra não estavam totalmente
ultrapassadas. Houve, até, necessidade de esboçar um novo projeto, o que
aconteceu em 1915.
Estava então à frente
"das obras da Câmara", o dinâmico vereador Elísio de Melo, a quem a
cidade deve alguns dos mais importantes projetos urbanísticos dos começos do
século XX, como a Avenida dos Aliados, por exemplo. Este segundo projeto foi
aprovado em 3 de fevereiro de 1915, dando-se início aos trabalhos logo a
seguir.
O primeiro projeto
estimava para a nova artéria uma largura de dezoito metros, tendo em atenção o
volumoso trânsito, não apenas de veículos, mas também de pessoas que por ali
circulavam. Essa largura, na segunda a versão, foi reduzida para catorze
metros e meio, o que evitava que o edifício da Igreja dos Congregados fosse
mutilado”.
Germano Silva, In JN
O projecto inicial seria abandonado, e o que o substituiu
não previa qualquer corte no edifício da igreja. No entanto, a irmandade dos
padres da Congregação teve que fazer obras que consistiram em adaptar a entrada
no templo ao novo projecto urbanístico. Essa adaptação consistiu na supressão
de uma elegante escadaria de acesso frontal ao interior do templo. A escadaria
não sendo suprimida acabaria por mudar de sítio. Deixou de estar no exterior do
templo para passar a estar, agora, na parte de dentro, de modo a que fosse
possível vencer o desnível.
Entrada, ao nível da rua, da Igreja dos Congregados, em 1915. Em baixo, à direita, uma viatura de venda de água mineral com a indicação de “Águas Romanas”
As "Águas Romanas" identificavam-se como as águas
minerais provenientes de Pedras Salgadas e foram registadas por Ernesto
Canavarro, como nos dá conta o texto seguinte, publicado na revista "O
Tripeiro" IXº ano, Vª série.
Para se poder fazer uma ideia, ainda que aproximada, da
extensão dos terrenos na posse da congregação de S. Filipe Nery, bastará dizer
que a cerca do convento se estendia até à antiga Cancela Velha e corria ao
longo de uma estreita e tortuosa viela ainda hoje conhecida por Travessa dos
Congregados.
Na planta anterior se pode ver os terrenos de uma vasta área
que igreja, convento e respectiva cerca ocupavam.
Na planta junto da
igreja, encontra-se representada uma fonte que tinha a imagem de S. Filipe de
Néri a deitar água.
A actual Travessa dos Congregados em tempos muito antigos,
era um caminho conhecido como a Viela do Bispo ou a Rua
do Bispo, por estar em terrenos que pagavam foros à Mitra, ou seja, ao
mitrado, isto é, ao bispo. Fazia a ligação desde a esquina da Rua do Bonjardim,
onde ainda hoje começa, ao Largo da Cancela Velha, que ficava, sensivelmente,
onde agora está o edifício dos Correios. Na planta anterior seria o caminho de
ABC.
Da Travessa dos
Congregados ainda existe uma pequena parte que começa na Rua de Sampaio Bruno
onde se encontra a porta da foto abaixo, que, supomos, era a entrada para uma
construção no fundo da cerca do convento.
Durante grande parte do século XX várias gerações de
portuenses, à tarde ou à noite, após assistirem a um filme, um teatro ou uma
revista, numa sala de espectáculos das redondezas, foram clientes da “Flor dos
Congregados”, da “Viúva” ou do “Paris”, à época, chamados de adegas ou tascos.
Mais tarde, quase em frente ao Teatro Sá da Bandeira (ainda
existe), abriu o Restaurante Girassol que apelava a uma clientela mais selecta.
A Congregação de S. Filipe de Nery possuía, ainda, terrenos
numa outra zona da cidade, para o cimo da actual Rua da Alegria.
Depois da vitória dos liberais, também parte do chamado Monte dos
Congregados, que D. João V havia oferecido aos padres congregados, acabaria nas
mãos de um brasileiro de torna viagem de apelido Moreira.
A Câmara reservou o restante terreno para abertura das ruas da Alegria
e da Duquesa de Bragança, hoje D. João IV.
“Em 1715, o rei D.
João V cedeu aos padres Congregados uma espaçosa quinta, junto à actual Praça
do Marquês de Pombal, antigo Largo da Aguardente, para servir de brévia, ou
seja de espaço de repouso e de lazer numa vasta propriedade denominada Monte de
Santa Catarina mas que, depois de ocupada por aqueles religiosos, passou a ser
conhecido por Monte dos Congregados e ainda hoje, está recordada na toponímia
através da Rua e Travessa do Monte dos Congregados. Foi em terrenos dessa
quinta que se rasgou, nos finais do século XIX, a Rua da Alegria.
Há quem afirme, no
entanto, que a congregação, apesar daquela doação, já estava por estas bandas
desde 1680.
Com a extinção das
ordens religiosas, em 1834, a propriedade dos padres da Congregação do
Oratório passou para a posse do Estado que a colocou à venda. Comprou-a, dizem
as crónicas da época, por muito baixo preço, um brasileiro de torna viagem, de
apelido Moreira que, logo a seguir, deu à exploração a enorme pedreira em que
assentava a brévia dos Congregados. Com a extração da pedra foi-se abrindo na
rocha uma espécie de amplo corredor que o próprio Moreira ofereceu à Câmara
para continuação duma artéria em projecto.
Segundo este, o
caminho rústico que entretanto ligava a Rua do Reimão (actual Avenida Rodrigues
de Freitas) e o Monte dos Congregados, seria substituído por uma nova rua que
devia ligar a desaparecida Rua do Reimão, junto a São Lázaro, com a Cruz das
Regateiras, junto ao Hospital do Conde de Ferreira, em Costa Cabral. É claro
que o tal Moreira não ofereceu o terreno à Câmara, sem mais aquelas! Pôs uma
condição: que fosse autorizado a dividir em talhões as faixas laterais para a
seguir as vender para a construção de prédios.
A esta nova artéria
iriam dar duas outras novas ruas: a Rua
da igreja de Santa Catarina, em alusão à capela das Almas, que, depois,
passou a ter o nome de Fernandes Tomás; e uma outra que é a atual Rua do
Moreira, apelido do comprador da quinta dos Congregados. Estas duas
serventias, naquela altura, não iam além da rua que tem hoje o nome de D. João
IV. Só muito mais tarde a primeira teve continuação até ao Campo de 24 de
Agosto; e a segunda até à Rua de São
Jerónimo, hoje Rua de Santos Pousada.
Era, o Monte dos
Congregados, um sítio de tal modo privilegiado, que durante o cerco do Porto os
liberais montaram lá uma estação telegráfica e uma bateria, a célebre bateria
dos Congregados que, devido à altura em que estava, protegia amplamente outras
baterias como era o caso da bateria da Aguardente (Marquês de Pombal); da
bateria de D. Pedro e D. Maria II, no sítio do Sério (Rua de Antero de
Quental); e ainda outros postos de combate instalados na Ramada Alta (reduto
das Medalhas); no Vale Formoso; no Monte Pedral e as baterias de São Brás e da
Glória, junto à Lapa”.
Com a devida vénia a Germano Silva
Da cerca do convento
dos padres Congregados à Cancela Velha
Voltando ao local onde os padres congregados tinham o igreja
e o convento, para se ter uma ideia do
tamanho do terreno, notemos que os chamados “Lavadouros” ficavam na esquina, do
que é hoje, a Avenida dos Aliados e a Rua de Magalhães Lemos, em pleno “Laranjal”
antigo.
Em tempos, à Cancela Velha tencionava levar a cidade uma rua
desde a Câmara Municipal situada na Praça Nova, mas estava vedada, tal
intenção, pela oposição dos padres congregados, pois não estavam dispostos a
ceder qualquer parcela pertencente ao seu convento.
Ainda 1834, depois da vitória dos liberais no Cerco do
Porto, a Câmara solicitou a D. Pedro IV autorização para alargar e modernizar
a antiga e tortuosa Viela do Bispo.
Depois de obtida a anuência do rei foi rasgada também uma
outra nova artéria a que foi dado o nome de D. Pedro, em homenagem ao monarca
que autorizara a sua abertura tendo depois sido Rua Elias Garcia e que na
planta anterior é o caminho DE.
A Rua Elias Garcia desapareceu com a construção da Avenida
dos Aliados.
Nos finais do século XIX, a Rua de D. Pedro era uma das
artérias mais centrais da cidade e uma das de maior movimento. Por ela passou,
primeiro, a linha do "carro americano" e, mais tarde, a do
"carro eléctrico". Foi nela que o "Jornal de Notícias" teve
a sua primeira sede, num edifício que tinha traseiras com a Rua do Laranjal,
que corria paralela à de D. Pedro e ia terminar mesmo em frente à Igreja da
Trindade. Nesta rua funcionava a alquilaria do José Galiza, famosa pelos carros
de aluguer.
Esta rua tinha como transversais, a Rua do Laranjal das Hortas,
depois chamada Rua dos Lavadouros e Santo António dos Lavadouros, que
corria por onde hoje está a Rua Elísio de Melo e ainda uma outra a que se deu o
nome de Rua da Cruz, que depois foi Rua da Fábrica e antes disso era Rua
da Fábrica do Tabaco.
Para os lados da Cancela Velha, a Rua do Laranjal, derivava
para a Viela do Cirne e mesmo em frente desta viela no nº 185 ficava a
sede da sociedade de recreio o Grémio Serpa Pinto, que antes foi Clube
Progressista e Grémio Comercial do Porto.
À esquerda na foto acima, o Palácio dos Correios ainda não
tinha sido construído no antigo local da residência da célebre Ferreirinha.
Tendo como fonte um desenho de Luís Soares Carneiro a partir
da Planta Topográfica da Cidade do Porto e de desenhos existentes no ANTT,
Ministério do Reino, DGIP, Mç 3680, Lvº 12, Processo nº 301, "Projecto d’um theatro que Benjamins
& Moutinho pretendem construir na rua da Cancella-Velha, da Cidade do Porto
– Implantação”, mostra-se a seguir, como seria a zona em que foi implantada
a actual Câmara do Porto e a extinta Viela do Cirne.
Legenda:
A- Rua da Cancela velha
B- Rua Elias Garcia
C- Rua do Laranjal
D- Rua do Bonjardim
E- Rua do Estervão
F- Largo da Trindade
G- Viela do Cirne
H- Actuais Paços do Concelho
L – Planta do Projecto do Teatro Rainha
Nota – A tracejado está representado, o projecto de Barry
Parker, para a Avenida dos Aliados
Diga-se que, neste local em 1874, após um ano de
funcionamento, a cidade tinha visto arder no Largo da Cancela Velha, o
primitivo Teatro da Trindade. Um outro, em madeira, no mesmo local teve vida
curta e seria substituído por um outro em pedra, de nome Teatro Rainha, que não seria terminado por a Câmara aí pretender
abrir um arruamento de nome Rua Adriano Machado. A artéria foi
aberta apenas em escassos metros, porque o proprietário duns terrenos não
permitiu que o arruamento passasse na sua propriedade.
“Foi então que acudiu ao cerebro da ilustre Vereação
Camararia d’essa epoca a luminosa ideia de abrir a Rua Adriano Machado para
ligar a Rua Formosa á Praça da Trindade (…). Para isso era imprescindivel
demolir o theatro em construcção e os predios visinhos. Mãos á obra. Theatro em
terra. Rua aberta. Becco sem sahida. Aberta a Rua na extensão de 55,4m,
esbarrou com um obstáculo não previsto. Para lhe dar sahimento para a Praça da
Trindade seria necessario arrasar parte do jardim do palacete de Antonio
Bernardo Ferreira (O Ferreirinha). Poderam tanto as influências d’este fidalgo
e a pressão d’ellas sobre a Camara que esta, esquecendo-se do que tanto
apregoara em prol das necessidades do publico, pela ligação entre os dois
pontos mencionados, deixou ficar a rua sem sahida durante annos consecutivos,
até que o arrasamento da Rua do Laranjal e circunvisinhanças para a abertura da
Avenida dos Alliados trouxe consigo o palacete e jardim Ferreirinha, que
entravava o prolongamento da Rua Adriano Machado, ao mesmo tempo que tambem
trazia o d’esta propria rua que, em grande parte já desapareceu, estando para
breve o desapparecimento do pouco que d’ella ainda resta”.
Fonte: Faria e
Castro
Cancela Velha em planta Teles Ferreira de 1892
Legenda:
1- Rua da Cancela Velha
2- Rua do Laranjal
3- Viela do Cirne
4- Rua Dr. Adriano Machado
5- Jardim particular
6- Rua do Bonjardim
7- Rua D. Pedro
8- Rua Formosa
Pela comparação das duas plantas anteriores da zona da
Cancela Velha, pode observar-se que no local que esteve previsto para
edificação do Teatro Rainha, acabou por surgir envolto em polémica, uma rua
chamada Rua Dr. Adrino Machado, professor conceituado que foi Director da
Escola Politécnica, e que chegou a ser Reitor da Universidade de Coimbra e
Procurador-Geral da Coroa, tendo falecido em 1891, portanto um ano antes da
publicação da planta.
Para Sul na Rua do Laranjal, por detrás dos antigos Paços do
Concelho, e mesmo em frente do café Chaves, estava a capela dos Três Reis
Magos.
O edifício de maior envergadura da Rua de D. Pedro era, sem
dúvida, o do Hotel de Frankfurt que ocupava o gaveto das Ruas de D. Pedro e do
Laranjal. Tratava-se da mais importante unidade hoteleira daquela época. Viveu
nele, durante vários anos, o conde de Alves Machado que, sendo dono do belo
palacete que ainda existe, embora bastante degradado, na esquina da Rua de
Álvares Cabral com a Praça da República, onde em tempos funcionou o Instituto
Francês, preferiu continuar no hotel, a ir ocupar aquela mansão que veio a ser
a residência de um banqueiro.
Manuel Joaquim Alves Machado era um brasileiro de
torna-viagem feito visconde pelo rei D. Luís, em 1879 e conde, por D. Carlos,
em 1896. Depois de muitos anos no Brasil, onde granjeou enorme fortuna, Alves
Machado regressou a Portugal em 1873 e fixou-se no Porto, hospedando-se no
Hotel de Francfort onde ficou durante 40 anos.
Quando o conde Alves Machado morreu, em 1915, com 93 anos de
idade, o hotel já passava por grandes dificuldades.
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