Comemorações do Centenário
da Fundação da Nacionalidade (1140) e do Centenário da Restauração da
Independência (1640)
No Porto, em 1940, as festividades alusivas àquelas duas
comemorações, centrar-se-iam em volta da Sé Catedral, com uma remodelação geral
do espaço existente.
Em frente à Sé, viria a nascer um largo, que é o que hoje
existe, e pode ser apreciado. Para isso, foi necessário eliminar algumas ruas e
ruelas de um aglomerado habitacional de cariz medieval, e demolir as habitações
que impediam essa tarefa. Foi, assim, intervencionada uma área dentro do
perímetro do chamado Castelo.
Desapareceram, em sequência, para sempre, a Rua da Senhora de Agosto, a Rua do Paço, a Rua das Tendas e o Largo do Paço Episcopal.
A própria Rua
de S. Sebastião viu-se um pouco amputada no seu tamanho.
Pretendeu-se, com a intervenção levada a cabo, a
monumentalização do conjunto dos edifícios episcopais, tornando-os mais
visíveis.
O facto saliente é que, se aquele objectivo foi atingido, por
outro lado, a raiz histórica do lugar perdeu-se, em parte.
Salvou-se a Capela dos Alfaiates, mas num cenário
completamente diferente.
Na foto, a placa toponímica que indica o Largo do Paço
Episcopal. Ao fundo a Sé – Fonte: AHMP
Largo fronteiro à Sé do Porto (à esquerda) antes de 1940. Ao
fundo, o Paço Episcopal e, à direita, a Capela de Nossa Senhora de Agosto (conhecida
por Capela dos Alfaiates) que foi transferida, pedra a pedra, para o gaveto entra
a Rua do Sol e a Rua de São Luís
Aspeto das demolições no Largo do Paço Episcopal (actual
Largo Dr. Pedro Vitorino), para o alargamento do Terreiro da Sé – Fonte: AHMP
Capela dos Alfaiates, na Sé, em 1935
Capela dos Alfaiates no seu lugar actual – Ed. “visitporto.travel”
Interior da Sé, em 1910, antes do restauro dos anos 30 do
século XX – Ed. Foto Guedes
Sé em 1934 – Ed. Alvão
Entrada da Sé em 1934 – Ed. Alvão
Castelo da Sé e Sé Catedral
Durante a nossa 1ª dinastia até ao reinado do D. João I, o
Bispo e a Sé, como centros de poder, pontificaram no governo da cidade. A
partir daí, com a ajuda do rei, os burgueses puderam, aos poucos, determinar o
seu destino.
«Fomos à procura e, no
"Corpus Códice", importante documento de leitura obrigatória para
quem quiser conhecer a história do Porto, do tempo em que ela era feudo dos
senhores bispos, num trecho datado de 1339, em que a Igreja determinava as
coimas, ou seja, as multas, a aplicar a quem não cumprisse determinadas regras,
nomeadamente as que diziam respeito aos privilégios dos portuenses, lá aparece
o seguinte:
"nenhum rico
homem, nem rica-dona, nem cavaleiro, não pousará dentro na cerca do castelo e
se aí for pousar o dito Senhoria da Igreja lhe fechará "as portas do dito
castelo e terá dele as chaves o bispo ou seu mandado".
Também no
"Catálogo dos bispos do Porto", escrito em 1623 pelo prelado D.
Rodrigo da Cunha (bispo da diocese portucalense entre 1619 e 1627), se abordam
as questões que aconteceram entre o austero bispo D. Vasco Martins e os homens
do Senado (leia-se Câmara) que tanto agitaram a cidade aí por 1341. Escreveu D.
Rodrigo:
"chegou o negócio
(os acontecimentos) a termos tais, que em certo alvoroço se juntaram alguns do
povo e com mão armada se foram ao paço do bispo apostados em o afrontarem e
maltratarem, mas ele, que soube do motim primeiro que os conjurados chegassem à
Sé em que assistia a um ofício fúnebre de certa pessoa nobre, se recolheu ao
castelo que era a fortaleza da Igreja do Porto".
“Numa das pedras da
torre virada a norte, existem dois curiosos elementos escultóricos: um
"signum salomonis" (sino saimão) que fica junto ao primeiro gigante;
e a figura de uma barca, que os especialistas dizem ser a mais antiga
representação iconográfica de uma embarcação que é por vezes identificada como
sendo uma coca (esta, de origem nórdica, era utilizada no tráfego costeiro).
Mas há também quem
considere aquela figura esculpida no granito como sendo o navio de S. Vicente e
ligue a sua existência na referida torre da catedral à lenda de S. Vicente
mártir, que é o padroeiro de Lisboa e foi o primeiro padroeiro da cidade do
Porto.
A lendária história é
conhecida: o diácono Vicente foi martirizado por Daciano, governador de
Saragoça e Valência, por ordem expressa do imperador Maximiano. O corpo de S.
Vicente, continua a lenda, foi recolhido num barco que, sob a proteção de dois
corvos, aportou ao rio Tejo. D. Afonso Henriques trouxe um braço do mártir para
o Porto, e S. Vicente foi padroeiro desta cidade de 1173 a 1453.
Foi grande, no Porto,
o culto de S. Vicente cuja imagem esteve na capela de Nossa Senhora da
Encarnação, também conhecida por capela de S. Tiago, que ficava nos claustros
da Sé. A festa a S. Vicente era no dia 22 de Janeiro e tinha como promotores os
correeiros, peleiros, caldeireiros e douradores que tomaram o mártir como
patrono.
(…) A imagem de S.
Vicente está na Sé, no altar de Sant' Ana, no transepto, perto da porta que dá
acesso à sacristia, onde antigamente esteve a capela da família dos Alões.
Durante muitos anos,
em frente à imagem de S. Vicente, na catedral, esteve sempre acesa, de dia e de
noite, a chama de uma lamparina de azeite. Em 1600, foi criado um prazo,
segundo o qual um tal Francisco de Carvalho, morador no lugar de Melres, então
do extinto concelho de Aguiar de Sousa, que ali tinha um olival, era obrigado a
oferecer, anualmente, dois almudes de azeite, que à sua custa tinha a obrigação
de trazer a esta cidade do Porto, para que nunca se apagasse a chama votiva no
altar de S. Vicente.”»
Cortesia de Germano Silva
A área à volta da Sé, desde sempre, foi a residência das
personagens importantes do clero e da burguesia do Porto.
Na rua, que pode dizer-se ficava por trás da Sé e, por isso
mesmo, se chamava Rua de Trás da Sé e que a partir de 11 de Outubro de 1919, a
Câmara determinou que seria a Rua da Catedral e hoje é a Rua D. Hugo, as casas
daqueles burgueses e clérigos de elevado estatuto eram porta com porta, como se
vê pela identificação respectiva nas plantas seguintes.
Ocupação dos prédios da Rua de Trás da Sé, para Norte da
Capela de Nossa Senhora das Verdades (1) – Planta de Telles Ferreira de 1892
Ocupação dos prédios do troço da Rua de Trás da Sé mais a
Norte – Planta de Telles Ferreira de 1892
No fim da década de 30 do século passado, a área fronteira à
Sé, onde vivia sobretudo o povo, foi arrasada para dar outro enquadramento à catedral.
Vista aérea do casario fronteiro à Sé, antes das demolições
– Crédito a “Estrela Vermelha”
Sé e Paço Episcopal
com demolições já a decorrer para abertura do largo em frente à Sé
Em 1934, os
trabalhos de construção civil a decorrer na entrada da Sé
Em 1940, na Calçada
de Vandoma, junto da Galilé
A meio, a calçada de
Vandoma de acesso à Sé. À direita, o Solar dos Correia Montenegro (demolido
poucos anos depois)
Rua de Nossa senhora
de Agosto (1933), desaparecida com as demolições – Ed. Bomfim Barreiros (AHMP)
Demolições à entrada
da Calçada de Vandoma
As demolições
efectuadas na Sé com o objectivo de ganhar um largo
Após o arranjo
urbanístico acontecido em volta da catedral, a inauguração oficial do Terreiro
da Sé seria levada a cabo, a 7 de Junho de 1940, pelo Ministro das Obras
Públicas Duarte Pacheco, Presidente Comissão Administrativa da C.M.P., Mendes
Correia e outras individualidades.
Cerimónia de
inauguração da nova zona envolvente à Sé Catedral, que seria baptizada como
Terreiro D. Afonso Henriques e que, hoje, é o Terreiro da Sé
Na foto acima observa-se
a chegada das individualidades, subindo a Calçada de Vandoma, para procederem à
inauguração, que ficaria conhecida como o “Acto Medieval”, do novo Largo da Sé,
em 1940.
As casas que se veem
atrás da comitiva seriam, mais tarde, também demolidas, para abertura da
Avenida Afonso Henriques, de acesso ao tabuleiro superior da ponte Luíz I,
entre 1947 e 1949.
Inauguração do
Terreiro D. Afonso Henriques, hoje, Terreiro da Sé
Perspectiva obtida a
partir do Terreiro da Sé, em que se vêm a Torre dos Clérigos, a antiga Torre
dos Alões (a meio), a Câmara Municipal do Porto e o falso Pelourinho
Na foto anterior, a meio, no Largo da Sé, observa-se uma placa em pedra
invocando a reunião havida, em 1147, pelo bispo do Porto Pedro Pitões quando foi
encarregado pelo rei D. Afonso Henriques de receber uma frota de cruzados do
norte da Europa que tomavam parte da Segunda Cruzada. Aí, D. Pedro fez um
discurso aos cruzados para convencê-los a ajudar os portuenses a conquistar
Lisboa.
E, assim, na cidade
do Porto, se comemoraram, de uma vez só, dois centenários.
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