Refundação da Cidade
No século XII, dão-se acontecimentos de grande significado
para a evolução da cidade do Porto.
Em 1114, D. Hugo toma posse da diocese do Porto e, em 1120, D. Teresa
faz a doação a D. Hugo de um vasto território, o Couto de Portucale.
Este couto compreendia para além de um território atinente
ao burgo do Porto, instalado junto à Sé e em volta dela, um conjunto de outras propriedades
envolventes, nos seus arrabaldes, partindo desde o Canal Maior (Rio da Vila) até Rio Tinto e do
Douro à Arca d’Água.
D. Teresa doaria ainda a D. Hugo as igrejas de Crestuma e da
Régua, o mosteiro de Bouças e um território da Pedra Salgada até ao mar, na
margem esquerda do rio Douro.
Por seu lado D.
Afonso Henriques, estendeu-o, mais tarde, até Contumil, Asprela, Monte dos
Burgos e Carvalhido no couto do Porto e as igrejas de S. Pedro da Cova e
Meinedo.
Em 1123, D. Hugo
recebe de D. Elvira Trutesindes e de
Pio Mendes, a igreja de S. Veríssimo de Paranhos e respectivo padroado.
Que tipo de cidade
seria o Porto quando, em 1120, D. Teresa, a mãe de D. Afonso Henriques, a doou
ao bispo D. Hugo?
Sabemos, porque há
documentação que o confirma, que já existia, dentro do perímetro do Couto Portucalense,
o antiquíssimo mosteiro de Cedofeita e bem assim, a diocese do Porto.
Com efeito, um
documento pontifício do tempo do Papa Calisto II, datado também de 1120, ao
traçar os limites da diocese do Porto, menciona já a existência do mosteiro
"de Citoffeita", além de
outros, como é o caso dos de Águas Santas, Bouças (Matosinhos) Vairão e "Petrosso" (Pedroso).
À volta daqueles
mosteiros, nomeadamente o de Cedofeita, deviam ter florescido, desde tempos
mais antigas, alguns grupos de casais ou povoações que se foram formando em
torno de templos que chegaram até aos nossos dias como é o caso da "villa de Paramus" (Paranhos),
dedicada a "santi vereximi
" (S. Veríssimo); da igreja de "sanctae
meriae de Campanham" (actual paróquia de Campanhã), que já existia
pelo ano de 1058; e da ermida de "S.
Johane de foze de Dorio" (ermida de S. João da Foz do Douro) doada em
1145 por D. Afonso Henriques a D. Frei Roberto e aos seus cenobitas de Santa
Maria e de S. Miguel Arcanjo de Riba Paiva (Castro Daire).
Além da ermida, o
monarca doa igualmente todas as propriedades que lhe estavam subordinadas.
A actual freguesia
da Foz do Douro coincide com a antiga paróquia de S. João da Foz do Douro, a
qual permaneceu como couto do mosteiro beneditino de Santo Tirso até ao século
XIX.
A leitura de outros
documentos antigos, em que se referem topónimos já existentes na época,
permite-nos supor, por exemplo, que Miragaia, Lordelo (referido numa acta do
concílio de Lugo como “Leporeto”),
Aldoar e Nevogilde (para citar apenas alguns) já existiam como povoações (vilas
ou vilares) ao tempo em que D. Teresa doou a cidade do Porto ao bispo D. Hugo,
arcediago da Sé de Compostela e secretário e procurador do arcebispo Gelmires
de Compostela.
A rainha faz,
portanto, doação à Sé Portucalense, de todo o burgo «com suas rendas, e suas adjacências, e com a igreja de S. Pedro e
Rotundela e Busto e castro que chamam Luneta com todas as suas pertenças e com
Germinadi...». E acrescenta: «dou e
concedo perpétua estabilidade sobre as ditas herdades e pescarias» à Sé do
Porto e «faço couto firmissimo» pelos
limites que indica.
A demarcação do
couto é feita por «Lunetam» (Noeda),
ribeiro «Connari» (Caneiro de
Campanhã?) junto ao «placium» (paço)
de Garcia Gonçalves, «petras fixiles»
(Antas) e daí para Paranhos…
Se “Luneta” e “Germalde” (Lapa), no texto exarado, não têm suscitado dúvidas, o
mesmo não se verifica para os restantes topónimos, cuja localização não é tão
evidente.
«Petras fixiles», habitualmente
identificadas com «Antas», são objecto de interpretação diversa por Alberto
Sampaio, que lhes não atribui carácter de monumento funerário, mas de marcos
divisórios de propriedade, correspondentes, de uma maneira geral, aos «terminos
fixos» do Código Visigótico, mencionado também como «Petras fictas» ou «fictiles»,
em contexto que indica claramente demarcação.
Uma outra controvérsia
pode ser identificada também quanto à localização de S. Pedro.
O Padre Miguel de
Oliveira, salienta que a igreja de S. Pedro, Busto (Bosque), Rotundela e o
castro (de Noeda), são mencionados de modo a formar um conjunto. O mesmo
conclui que se deveriam localizar próximos uns dos outros, em Campanhã e não em
Miragaia, como pretendera entre outros, João Pedro Ribeiro. O Padre Miguel reforça
o seu parecer, afirmando que «não há qualquer menção deste templo nem do nome
de Miragaia antes de meados do século XIII. Em 1247 S. Pedro (de Miragaia)
seria ainda uma simples ermida (ermitágio).
Miguel de Oliveira
conclui assim que S. Pedro, referido na doação do Couto, seria em
Campanhã.
Por outro lado,
parece pertinente a aproximação de «Rotundela»,
no arco de influência de Noeda, com o lugar de Redondelo, em Valbom. O topónimo
«Redondela» volta a aparecer num
documento de particular interesse.
Trata-se de uma
convenção datada de Setembro de 1120, em que o bispo D. Hugo aceita, da família
ligada à igreja de Santa Maria de Campanhã, Paio e Garcia Gonçalves e
respectivas esposas (Marina e Toda Gonçalves), quatro casais: um em «Portugal, na margem do rio Douro», «justa portum de riuuo de carros»;
outro em «as Eyras» (ou «Azeiras»);
dois casais no termo de Paranhos e ainda a décima de Redondela.
Em troca o bispo e
seus cónegos renunciam ao imposto da «parada»
ou «jantar» na igreja de Santa Maria
de Campanhã e a outros direitos diocesanos. O bispo isenta ainda a igreja do
pagamento de portagem e de coima.
A isenção é dirigida
«a vós, os padroeiros, amigos e vizinhos» -
à comunidade formada pelos que têm direitos na igreja, como o de apresentar
abade, identificados com a nobreza local, os seus próximos e, finalmente, os
vizinhos ou fregueses chamados pelo mesmo sino. É a primeira referência a
Campanhã como comunidade.
O documento tem a
particularidade de ilustrar um momento de um processo de transferência de poder
em Campanhã. Além de bens fundiários (cinco casais), a nobreza local aliena
direitos como a décima de Redondela em favor da Sé Portucalense.
Santa Maria de
Campanhã detinha até então o estatuto de mosteiro. Com a cedência de direitos
do bispo, não mais aparece referência de mosteiro em documentos posteriores a
esse acto.
Já senhor do couto
do Porto, o bispo D. Hugo define, na convenção atrás referida, os limites «de tudo o que de vós aceitamos»: do
Douro a «petram Assina»; a «petram pintam»; a «super fontem de suseranam supremam das vellas», daí ao «portum de Lupis» e, por fim, ao termo
de Paranhos.
Será plausível a
tentativa de relacionar «supremam das
vellas» com Outeiro e Alto da Bela, corruptela de «vela», alusivo à
obrigação de camponeses e lavradores de meter sentinela e vigiar por turnos,
nos cimos dos montes?
Hoje em dia,
distantes cerca de 1,5 km, existem a Rua Alto da Bela e Rua do Outeiro do Tine.
Confronte-se agora a
demarcação do Couto do Porto, confirmado e ampliado por D. Afonso Henriques ao
bispo D. Peculiar (1138).
Em relação aos
limites orientais do couto do Porto, na ampliação feita pelo rei, mais uma vez
os pontos de referência são obscuros e sujeitos a controvérsia: desde “Lueda à fonte de Conari, Fojo Lobal, Pedras
fixas, Monte Loseneiro, Arca de Samigosa, Mamoa Pedrosa, Penhas da Regueira...”
Dos topónimos
identificáveis nas doações, apenas “Fojo
Lobal” que se identificará como o «Fojo» (que virá a ser a futura Praça das
Flores) não merece controvérsia.
Couto do Porto
(entre-parêntesis os topónimos respectivos, mais recentes)
Legenda do desenho
acima:
A castanho a doação
de D. Teresa e a azul a doação de D. Afonso Henriques. A amarelo os limites em
comum às duas doações.
A nomeação de D.
Hugo para bispo do Porto foi mais política que religiosa, pois nem presbítero
era. Tendo tomado ordens sacras na primavera do ano seguinte, foi sagrado em
Leres na Galiza por Maurício arcebispo de Braga.
Viria depois ao
Porto tomar posse do bispado, mas nos seis anos seguintes andou sempre ausente,
envolvido nos negócios do arcebispo Gelmires.
D. Hugo viria a
falecer em 1136.
Dentro dos limites
territoriais do couto doado por D. Teresa, apareceriam mais tarde, entre muitos
outros lugares, alguns topónimos curiosos como o território "em que se fabricou hum casal chamado
da Regada", sito em Liceiras ou Quinta do Laranjal e, através do qual,
"se viria a abrir a Rua Nova do
Almada…".
Havia um outro casal
em cujos terrenos, em remotas eras, "se
fabricou hum Cazal chamado na sua origem Payo de Novais o qual se compunha de
dois campos e leyras no sítio que depois teve o nome das Hortas, fora da porta
de Carros…". Trata-se, como facilmente se constata, de referências aos
terrenos hoje ocupados pela Praça da Liberdade e por uma parte da Avenida dos
Aliados.
Antiquíssimo é
também o lugar de Fradelos pois há notícia do século XIII de que um tal Pêro
Soeiro Cristelo "deixou ao
ilustríssimo Cabido a herdade que tinha no lugar de Fradelos…"
Mas há mais: o bispo
do Porto, D. Vicente Mendes, em 1296, no seu testamento, alude a umas
propriedades que possuía " in loco
Monjardim in civitatis (cidade) portugalensis" lugar esse que no
século XVII veio a constituir a bela Quinta do Bonjardim que pertenceu ao
fidalgo Gonçalo Cristóvão.
Muito antigas também
deviam ser as ermidas de S. Pedro, "erecta
nos arrabaldes de fora da cidade" (Miragaia) e a do orago de "Sancto Illeafonso que está em hum
campo…", referência por demais evidente à primitiva igreja da actual
freguesia de Santo Ildefonso.
Importa referir que, a divisão administrativa que hoje conhecemos como "freguesia", só surgirá após terem sido criadas pela publicação do código administrativo de António Rodrigues Sampaio em 1878, em substituição das "paróquias".
Nas inquirições
mandadas realizar pelo rei D. Afonso III, em 1258, aparecem já bem definidas e
perfeitamente organizadas algumas terras em torno do couto do Porto:
-"Sanctus Johanes Focis" (S. João da Foz) pertença do mosteiro de Santo Tirso, com 37
casais e 14 cabaneiros. Em 1211, D.
Mafalda faz e confirma a doação da ermida de S. João da Foz do Douro e couto, a
D. Mendo, abade do mosteiro de Santo Tirso. Na segunda metade do século XII
existia no local uma ermida que desde o início do século XIII fica sob
jurisdição do mosteiro de Santo Tirso;
-A vila "que se chama de "Loordello" do antigo julgado de Bouças (actual concelho
de Matosinhos), propriedade do rei, com sua igreja e 26 casais dois dos quais
despovoados e que a rainha D. Mafalda quis povoar e, nesse sentido,
"mandou vir barcas de sal para o lugar de "Souereyra", ou seja a
Sobreiras dos nossos dias, de que ainda existe uma rua com essa denominação;
-A vila que tem por nome Aldoar, com 23 casais, sendo três do rei e vinte da
Ordem do Hospital.
Sobre as origens desta freguesia, em 1973 ficou provado que o
nascimento de Aldoar remonta ao período anterior à Romanização. Nesse ano,
escavações do aldoarense Adriano Vasco Rodrigues - distinguido com a medalha de
ouro da cidade - encontrou provas de uma povoação de pescadores, datadas da
Idade do Ferro, dos Séculos IV e III AC. Diversos povos foram passando por
Aldoar, deixando marcas que se perderam com o tempo. A toponímia aldoarense é
prova eterna dessa passagem, com a expressão «villae», que viria a dar
origem a Vila e Vilarinha, nome de uma das mais importantes ruas da freguesia.
Relativamente à toponímia, diversas versões dão origem a uma
interessante discussão, a uma multiplicidade de raciocínios, de teses, todas
elas escorridas da História e dos antepassados aldoarenses. No primeiro volume
do livro Portugal Antigo e Moderno, de Pinho Leal, o autor sustenta que Aldoar
deriva de uma palavra árabe e que significa “redonda”.
Já Vasco Rodrigues defende outra ideia, concordando com o facto de se
tratar de uma palavra árabe, «Al-Duar», que quer dizer “acampamento militar ou
mesquita”. Por sua vez, Sousa Machado argumentou que Aldoar brota de
“alduarius”, mas acabou por aceitar a presença muçulmana na zona e daí a
proveniência desta terminologia.
Aldoar fez parte das
Terras da Maia e, posteriormente, do Julgado e Concelho de Bouças. Em 1895,
após a construção da Circunvalação, passou a pertencer ao Concelho do Porto. Em
1916, passa a pertencer à região eclesiástica do Porto. A freguesia é das
últimas, juntamente com Lordelo do Ouro, Foz do Douro, Nevogilde e Ramalde, a
ser incluída na Igreja do Porto.
A intervenção da "Cruz de Malta" em Aldoar surge há muitos
anos e virá a absorver esta zona nos seus domínios. Ao que parece o pai do
nosso primeiro rei, o Conde D. Henrique, teria lutado ao lado dos primeiros
hospitalários e a ele se deveria o facto de sua esposa, D. Teresa, ter cedido à
nova Ordem os seus direitos sob alguns territórios, incluindo Leça.
À Balia de Leça, couto da Ordem do Hospital, que existiu entre 1123 e
1835, pertenciam muitas Igrejas, não só no Couto propriamente dito, caso de
Infesta, Custóias, Barreiros e Guifões, como fora do Couto e entre estas
Aldoar.
“A Ordem de S.
João de Jerusalém do Hospital vulgo Hospitalários foi uma Ordem religiosa
constituída aquando das cruzadas e, começou por ter como objectivo o apoio
hospitalar aos peregrinos à Terra Santa. Passado pouco tempo transformou-se
também em Ordem militar.
Por cá esteve em
Leça do Balio, tendo-se mudado para o Alentejo, para o Crato, passando então a
ser conhecida por Ordem do Crato.
Por ter sede
geral na ilha de Malta no Mediterrâneo, é também conhecida por Ordem de Malta.
Não cabe aqui,
fazer a história das ligações de Aldoar a Leça. Digamos só a título de
esclarecimento que, por morte do Prior D. Estêvão Vasques Pimentel,
que tinha fundado o Mosteiro de Leça, a Ordem transferiu a sua sede para
o Crato, e Leça ficou como simples comenda, (uma porção de terra doada
oficialmente como recompensa por serviços prestados, ficando o beneficiado com
a obrigação de defendê-la de malfeitores e inimigos) passando, em 1571, a ser
bailiado (um território no qual as funções de administração eram exercidas por
um funcionário judicial privado nomeado bailio sob subvenção da Coroa). Daí o
nome que ainda hoje mantém de Leça do Bailio.
A ligação de
Aldoar à Ordem de Malta ficou bem explicitada, quando, em 1259, o Rei D. Afonso
III mandou fazer as suas "Inquirições" (assim a modos que saber o que
lhe pertencia e o que indevidamente estava ocupado ou não pagava impostos) e
chegou a vez de Aldoar, mandou que comparecesse o representante da Ordem e,
perante ele, se apresentou Frei Sueiro, pároco da Igreja de Aldoar, que sob
juramento, declarou ser a igreja pertença da Ordem do Hospital e, quanto ao
mais, existirem 23 casais de Aldoar, dos quais três pertenciam ao Rei e vinte à
Ordem. Que não sabia como tinham vindo para a posse da Ordem, mas que lhe
pertenciam e que estavam isentas de pagar foro ao Rei, porque se tinham
"composto" com o mordomo de Bouças. Não de todo contente com o
depoimento de Frei Sueiro, mandou o Rei inquirir dos moradores, e por certo dos
que habitavam os casais que lhe pertenciam - os três Domingos: o Domingos
Parracos ou Penatus, o Domingos Pelágio ou Paes e o Domingos Martins. E todos
foram unânimes em confirmar o que dissera o frade da Ordem, acrescentando que
os seus avôs (entenda-se antepassados) tinham feito as suas herdades foreiras
do Hospital, para que a Ordem os defendesse "de todos os foros
régios".
E porque assim
era, não tinham eles, agora, que pagar foro. Ou seja, tinham trocado de dono...
Por certo as imposições do Rei, ou do Mordomo de Bouças, eram mais pesadas que
o tributo imposto pela Ordem, que até tinha a sua casa- mãe perto dali”.
Fonte: portoarc.blogspot
" O Mosteiro
de Leça do Bailio", e era um dos grandes proprietários da zona, mais concretamente
o segundo maior, logo depois do Mosteiro de Cedofeita…
Serão, por esta
época (lutas liberais), alienados para o Estado os bens da Ordem de Malta. Ao que parece,
como em outros locais e nesta época como em outras, também em Aldoar a situação
da transferência dos bens das Ordens Religiosas não correu com a lisura que
seria de esperar e a Junta das Paróquia procurou investigar para onde tinham
ido esses bens, reclamando mesmo junto da Administração do Concelho casa e
condições da vida para o pároco, já que nada lhe tinha ficado”;
In Guia das
freguesias do Porto por Júlio Couto
-A vila que chamam de Nevogilde (Lovygildus) cuja igreja era dos mosteiros de Santo Tirso
e de Pombeiro.
Algumas informações
para o conhecimento de Nevogilde de então são-nos dadas pelo Padre Durão ou
Durando. Delas consta que “aí o Rei tinha quatro casais, dois deles povoados e
dois despovoados.
A palavra
"casal" tem que ser entendida com o significado de "pequeno
povoado" ou " conjunto de pequenas propriedades rústicas" ou
seja o lugar ou lugarejo de uma determinada paróquia.
Num dos casais
povoados morava João Milheiro, no outro residia Petrilino. O Mosteiro de Santo
Tirso possuía cinco casais um dos quais, desabitado; o Mosteiro de Pombeiro,
dois casais, dos quais um desabitado; a ordem do Hospital (S. João de
Jerusalém, mais tarde Malta), dois casais, ambos despovoados; a Igreja de
Vermoim da Maia, um casal despovoado; e os Mosteiros de S. João de Tarouca e de
Macieira, dois casais cada um.”
Relativamente ao
topónimo Nevogilde, esclarece-se que é de origem germânica;
-O lugar de Ramalde (Ranhaldi) com sua igreja e onde o rei tem 8 casais, o mosteiro de Arouca um e o de
Cedofeita 6; e ainda a vila que se chama Requesende (Requisendy) cujos
habitantes eram paroquianos da paróquia da igreja de Ramalde.
O curioso, em tudo
isto, é a constatação de que alguns nomes de sítios, lugares e até de ruas da
actualidade, já aparecem em documentos antigos, muitos ainda de antes da
formação da nossa nacionalidade, como são os casos observáveis em S. João da
Foz, Ramalde, Nevogilde e Paranhos, para citar apenas estes.
Foral
Em 1123 o bispo D. Hugo concede, portanto, a carta de foral
aos moradores da cidade. Este foral, de carácter liberal e inovador, vem trazer
um enorme impulso ao povoamento e ao desenvolvimento do burgo. As instituições
do burgo são moldadas com base no foral de Sahagum (Sahagún é um município da
Espanha na província de León) que desde 1084, servia de padrão para a península
Ibérica e, na sua essência, toma como base tributária a capitação predial e as
portagens e, no tocante ao exercício da jurisdição, atribui-a a um só
magistrado, o maiorino, nomeado pelo bispo, mas que, para certos actos judiciais,
valia-se dos homens- bons do concelho.
O Porto do século XII, com uma só paróquia, a Sé, era um
burgo episcopal organizado em função da catedral, que começou a ser construída
neste século, no local onde anteriormente tinha existido uma pequena ermida. Em
redor dela, um conjunto de ruas, vielas, pequenos largos e becos, ocupavam a
plataforma superior da Pena Ventosa, rodeada de uma muralha com as suas portas.
Esta muralha foi um importante elemento que condicionou a
estrutura da sua malha urbana medieval, denominada de Cerca Velha ou Cerca
Românica, reconstruída no século XII sobre fundações de muros anteriores.
Durante muito tempo, conhecida por Muralha Sueva, está hoje identificada como
obra de origem romana. Desta Muralha Primitiva apenas subsistem hoje um cubelo
e um reduzido trecho, reconstruídos em meados do século XX.
As vertentes próximas da Pena Ventosa foram, também, desde
cedo habitadas e ligadas entre si por ruas, ruelas ou serventias que, sabiamente
adaptadas à topografia, seguiam o traçado das curvas de nível ou cortavam estas
perpendicularmente.
São disso exemplos, a actual Rua das Aldas que foi Rua
da Pena Ventosa, ou a actual Rua da Pena Ventosa que antes era Viela
dos Palhais e a actual Rua de Sant’Ana que foi Rua das Aldas e ainda,
antiga Viela da Carniçaria.
Texto sobre a razão do topónimo Aldas
O texto acima vem inserido na obra de Firmino Pereira “O
Porto d’Outros Tempos”
No século XVIII ocorreria uma autêntica revolução nos
topónimos da zona de que, ainda hoje, se desconhecem as motivações.
Porta de Vandoma
Aspecto de troço da muralha primitiva na Calçada de Vandoma
Na História do
Porto, coordenada pelo Dr. Oliveira Ramos, podemos ler:
“ Em 1113 ou mais
provavelmente em 1114, o Porto-sede-episcopal é restaurado por D. Hugo… Com
este evento inauguram-se os tempos medievais da cidade. Para trás são as
origens. Em 1120, por iniciativa da rainha D. Teresa, é concedido ou confirmado
a esse bispo um vasto território, que será couto dele e dos sucessores.”
Podemos limitar o
couto inicial do Canal Maior (Rio da Vila) até Rio Tinto e do Douro à Arca
d’Água.
D. Afonso Henriques
estendeu-o até Contumil, Asprela, Monte dos Burgos e Carvalhido.
No tempo de D.
Sancho I (1185-1211), as relações conflituosas deste monarca com os
prelados D. Fernando Martins (1176-1185); D. Martinho Pires (1186-1189; e D. Martinho
Rodrigues (1191-1235), levaram a um afastamento das duas partes.
Só por meados do século
XIII os conflitos entre a coroa e a mitra serenaram e a sé portucalense voltou
a poder contar com a colaboração régia. Em 1271, o rei D. Afonso III
contemplou “generosamente" a sé portucalense no seu testamento.
Recordamos que nos
séculos XIII e XIV o Rio da Vila e o Rio Frio deram aso a uma renhida e longa
disputa entre o bispado do Porto e a realeza.
Com o
desenvolvimento acelerado da cidade começaram a ser construídas habitações do
lado poente do Canal Maior (depois Rio da Vila).
D. Afonso III
pretendeu “esclarecer”, quais os terrenos que tinham sido doados por D. Teresa
ao Bispo do Porto, pois, defendia que estes, iam apenas até ao rio da Vila.
O Bispo afirmava que,
o Canal Maior, referido na doacção a D. Hugo, seria o Rio Frio, que fica em Miragaia.
Para ele o outro rio
que desagua na Ribeira, era o rio da Vila ou rio da Cividade., mas não, o Canal
Maior.
A localização do
Canal Maior era de suma importância para o bispo e para a coroa, dado o que
estava em jogo.
A razão da
desinteligência era a grande riqueza que o Porto auferia com as muitas
mercadorias aqui movimentadas. Desta forma, cerca de 1249, o Bispo D. Julião
Fernandes apropriou-se da zona entre o Rio Frio e o Rio da Vila e lançou as
bases do longo conflito.
Durante anos se
esgrimiram argumentos pretendendo situar o Canal Maior de acordo com vontade de
D. Teresa quando doou o burgo a D. Hugo.
O conflito terminou
muito mais tarde, em 1325, quando D. Afonso IV fundou a Alfândega do Porto
dentro do território que o Bispo reclamava. Assim, se deu por terminada esta
disputa que terá durado quase um século.
A seguir, apresenta-se um artigo jornalístico falando sobre os termos por detrás da doação do couto do Porto e sua interpretação.
A seguir, apresenta-se um artigo jornalístico falando sobre os termos por detrás da doação do couto do Porto e sua interpretação.
Para a sua compreensão, devemos ter presente que a contagem dos anos sofreu alterações, no
decorrer da história, que precisamos conhecer, pelo menos, na sua generalidade.
O calendário anual
antecedente do que hoje nos rege é conhecido por Calendário Juliano e está
ligado à intervenção e vontade de Júlio César que, em 1 de Janeiro de 45 a.c.
(ano 1 da era de César), pela primeira vez o implementa, tendo sido organizado
pelo sábio Sosígenes de Alexandria, no Egipto.
Aquele calendário passa a ter por ano, 365 dias, tornando-o num calendário solar, alinhado pelas estações do ano, uma herança do Calendário Egípcio, criado em cerca de 2800 a.c..
Assim, o ano passava a ter apenas 12 meses, acabando com os meses intercalares romanos.
Júlio César não aceitava o desacerto existente entre o ano civil e o ano real (com as festas das flores de Março a ocorrerem em pleno Inverno) e com o uso religioso do calendário (os religiosos intercalavam mais um mês, caso gostassem do chefe e, caso contrário, não intercalavam o mês, de modo que o chefe fosse exonerado mais cedo! Em 55 a.c., Júlio César já tinha terminado com os meses intercalares!).
Com o Calendário Juliano, de 4 em 4 anos, passou a ser acrescentado um dia ao 6º dia das Calendas de Março (o nosso 24 de Fevereiro) sendo, por isso, chamado de ano bissexto.
Esse dia passaria, mais tarde, a ser acrescentado depois do último dia de Fevereiro.
Para acerto e para que o ano 45 a.c. começasse nas calendas de Janeiro ou primeiro de Janeiro, o ano de 46 a.c. teve um total de 443 dias.
Este ano foi recordado como “o último “ano da confusão”, nas palavras do historiador Macróbio.
A partir do ano 1442 da era de César, uma nova referência na contagem dos anos seria instituída – o nascimento de Cristo.
Assim, em 22 de Agosto de 1422, a era de Cristo passa a ser utlizada em Portugal, substituindo a “era de César”, que começava em 38 a.C.
Esta última data tem
por referência o ano em que a Hispânia Romana foi conquistada por Augusto,
durante a guerra civil do segundo triunvirato.
Portanto, até 1422 no reinado de D. João I, a contagem dos anos fazia-se de acordo com o calendário da “era de César” complementada pelos acertos do imperador Augusto, que relativamente à era da Encarnação ou “Ano de Cristo”, ou Anno Domini (A.D.) então instituída (referência ao nascimento de Cristo) diferia em mais 38 anos.
Assim, para aquele ano de 1422 o A. D. seria 1384.
O calendário haveria de sofrer uma nova adaptação. Assim, a 24 de Fevereiro de 1582, o papa Gregório XIII reforma o calendário, pela bula “Inter-gravíssimas”, razão, pela qual, se diz que usamos o Calendário Gregoriano. O calendário que reformulou o existente entrou em vigor em 15 de Outubro, do mesmo ano, mas, para isso, foram suprimidos os dias 5 de Outubro a 14 de Outubro de 1582 (nunca foram contabilizados), já que, existia nesse ano, 10 dias de diferença entre o Equinócio da Primavera e o dia 21 de Março, que marcava esse acontecimento astronómico.
Quanto ao artigo atrás referido, ele diz respeito a um pedido de extinção do direito de Portagem no Porto, solicitado numa sessão da assembleia, pelo deputado Sr. Bastos:
Aquele calendário passa a ter por ano, 365 dias, tornando-o num calendário solar, alinhado pelas estações do ano, uma herança do Calendário Egípcio, criado em cerca de 2800 a.c..
Assim, o ano passava a ter apenas 12 meses, acabando com os meses intercalares romanos.
Júlio César não aceitava o desacerto existente entre o ano civil e o ano real (com as festas das flores de Março a ocorrerem em pleno Inverno) e com o uso religioso do calendário (os religiosos intercalavam mais um mês, caso gostassem do chefe e, caso contrário, não intercalavam o mês, de modo que o chefe fosse exonerado mais cedo! Em 55 a.c., Júlio César já tinha terminado com os meses intercalares!).
Com o Calendário Juliano, de 4 em 4 anos, passou a ser acrescentado um dia ao 6º dia das Calendas de Março (o nosso 24 de Fevereiro) sendo, por isso, chamado de ano bissexto.
Esse dia passaria, mais tarde, a ser acrescentado depois do último dia de Fevereiro.
Para acerto e para que o ano 45 a.c. começasse nas calendas de Janeiro ou primeiro de Janeiro, o ano de 46 a.c. teve um total de 443 dias.
Este ano foi recordado como “o último “ano da confusão”, nas palavras do historiador Macróbio.
A partir do ano 1442 da era de César, uma nova referência na contagem dos anos seria instituída – o nascimento de Cristo.
Assim, em 22 de Agosto de 1422, a era de Cristo passa a ser utlizada em Portugal, substituindo a “era de César”, que começava em 38 a.C.
Portanto, até 1422 no reinado de D. João I, a contagem dos anos fazia-se de acordo com o calendário da “era de César” complementada pelos acertos do imperador Augusto, que relativamente à era da Encarnação ou “Ano de Cristo”, ou Anno Domini (A.D.) então instituída (referência ao nascimento de Cristo) diferia em mais 38 anos.
Assim, para aquele ano de 1422 o A. D. seria 1384.
O calendário haveria de sofrer uma nova adaptação. Assim, a 24 de Fevereiro de 1582, o papa Gregório XIII reforma o calendário, pela bula “Inter-gravíssimas”, razão, pela qual, se diz que usamos o Calendário Gregoriano. O calendário que reformulou o existente entrou em vigor em 15 de Outubro, do mesmo ano, mas, para isso, foram suprimidos os dias 5 de Outubro a 14 de Outubro de 1582 (nunca foram contabilizados), já que, existia nesse ano, 10 dias de diferença entre o Equinócio da Primavera e o dia 21 de Março, que marcava esse acontecimento astronómico.
Quanto ao artigo atrás referido, ele diz respeito a um pedido de extinção do direito de Portagem no Porto, solicitado numa sessão da assembleia, pelo deputado Sr. Bastos:
" (...)
proponho-me chamar a hum exame critico o titulo primitivo em que se diz estar
fundado o direito de portagem que se paga na cidade do Porto, que é a Doaçaõ
feita pela Senhora D. Tereza ao Bispo D. Hugo, a 18 d'Abril do anno da
Encarnaçaõ 1120, e no 6º anno do episcopado do mesmo Bispo; tanto por ser esta
doaçaõ o titulo unico a que se refere o Foral do Sr. Manoel que prescreveo a
forma da cobrança destes direitos; como por ser axioma geralmente recebido em
direito: = Ex facto jus oritur,
et juris in dispositio = Contrahindo-nos precisamente a este ponto,
deprehende-se visivelmente a falsidade da doaçaõ; porque a data de 18 d'Abril
de 1120 naõ corresponde ao anno 6.º do episcopado de D. Hugo, em que se diz que
foi feita; o que se evidencèa por huma facillima inducção chronologica.
Restaurada a cidade do
Porto da ultima invasaõ d'Almançor, ficou sendo Bispo desta diocese D. Nonego,
que o era de Vendoma em França, e vinha na armada dos Gascoens, empregada
tambem na restauraçaõ da cidade: isto pelos annos de 999, como consta de
memorias authenticas e originaes até o anno de Christo de 1025. A D. Nonego
succedeo D. Sesnando em 1026, por deputaçaõ do Clero, Nobreza e Povo; o qual em
Dezembro de 1029 se achou com este caracter na corte dos Reis de Leaõ, cuidando
de negocios da sua Igreja; e em Maio de 1065 authorizou a fundaçaõ da Ermida de
S. Joaõ Baptista, feita pelo Sacerdote Vellino; e bem assim a erecçaõ da mesma
no mosteiro de Pendurada, por comissaõ dada a seu irmaõ Monino Viegas, em
Fevereiro de 1072. D. Hugo succedeo a D. Sesnando pelos annos de 1074: tendo
sido coadjutor do bispado mais de 9 annos, por se ter recolhido D. Sesnando ao
mosteiro de Villa-Boa que por isso se chamou do Bispo. Vê-se pois que D. Hugo era Bispo do Porto 46 annos
antes da data da doaçaõ; a qual por isso naõ corresponde ao 6.º anno de seu
episcopado. Accresce que no testamento solemne de Sueiro Mendes da Maia se
declara expressamente ser D. Hugo Bispo do Porto no anno de 1064; e como tal
sagrou e dedicou a Igreja do Salvador de Moreira, 56 annos antes da sobredita
doaçaõ; e que em 1112 assignou huma doaçaõ da Igreja de Santa Leocadia,
pertencente ao mosteiro de Ansede, feita a Troila Spasso. Portanto ergue-se de
notória falsidade o titulo da doaçaõ da Senhora D. Tereza; porque a data deste
instrumento, em que se funda o Foral, naõ corresponde ao 6.º anno de episcopado
de D. Hugo. O mesmo Catalogo dos Bispos do Porto comprova este palpavel
anachronismo, quando diz: (p. 2.ª cap. 1) entrou na administraçaõ e governo do
bispado do Porto o Bispo D. Hugo no anno de Christo de 1103. Como pois o anno
de 1120 ser o 6.º anno do Pontificado deste Bispo, em que se diz fôra feita a
doaçaõ, como da mesma consta?
A esta incongruencia,
bastante, per si só, para dar de suppositicio o titulo da doaçaõ, accresce
outra naõ menos palpavel, que he a seguinte: nesta doaçaõ se diz: que sendo
feita na era de Cezar 1158 fôra tambem confirmada no anno da Encarnaçaõ 1120,
as quaes épocas, na verdade, coincidem; pois, sabido he que a chamada era de
Cezar, computada pelo Imperio d'Augusto, precede 38 annos á do Nascimento de
Christo: mas ninguem ignora que foi o Rei D. Joaõ I que, por lei de 22 d'Agosto
de 1422, mandou que, dahi em diante, se adoptasse o methodo de datar pela época
do Nascimento de Christo = Assy
como ante sohiaõ poer éra de Cezar = do mesmo modo que o tinha já
antes mandado observar D. Joaõ I de Castella em 1383, e D. Pedro IV d'Aragaõ em
1358; sem que appareça na historia antiga das Hespanhas algum titulo de carta,
doaçaõ, lei, escriptura ou texto chronologico que, antes das sobreditas épocas,
fosse lavrado que naõ tenha a era de Cezar: assim como naõ consta de
instrumento algum authentico em Portugal, anterior a D. João I, que naõ
apresente a mesma era de Cezar. O methodo de datar da Encarnaçaõ ou Nascimento
de Christo, nem ao menos era lembrado nas Hespanhas antes que Pedro IV d'Aragaõ
o mandasse observar nos seus Estados em honra e memoria da redempção do genero
humano. Do que se pode colligir que a supposta doaçaõ de D. Tereza ao Bispo D.
Hugo foi dolosamente fabricada pelo menos 302 annos depois da data que mostra.
Naõ seria difficil
mostrar a falsidade de tal doaçaõ com outro argumento irrefragavel, tirado do
testemunho unanime de todos os nossos chronistas mais judiciosos e critico,
nacionaes e estrangeiros; os quaes saõ uniformes em asseverar que o Sr. D.
Affonso Henriques entrou a governar Portugal logo depois de morte do Conde seu
pai, sem mediar tempo algum em que a Senhora D. Teresa legitimamente
administrasse o Reino, como Tutora do seu Filho.
Mas ainda suppondo,
com detrimento da verdade historica, que a Senhora D. Teresa governasse
Portugal por algum tempo depois da morte do Conde D. Henrique, assim mesmo a
época do seu governo naõ corresponde á data do titulo da doaçaõ; porque bem
sabido he que, no anno de 1119, já D. Afonso Henriques governava os Estados de
seu Pai; pois, como a Principe e Senhor, se lhe apresentou na villa de
Guimaraens o Servo de Deos Joaõ Cerita com oito monges do Claraval, mandados
por S. Bernardo, a fundar neste reino o instituto reformado de Cister; a cujas
instancias expedio o mesmo Principe a provisaõ de licença, nos termos mais
expressivos e proprios da Soberania, datada no 1.º de março de 1120. Donde se
collige que he suppositicio e falso o titulo primordial que servio de base ao
Foral do Porto; e por conseguinte naõ existindo o facto da doaçaõ, naõ pode da
mesma deduzir-se algum direito legitimo que sugeite os moradores do Porto ás
portagens e mil outras alcavalas que os sobrecarregaõ por força do mesmo Foral. Ex facto jus oritur, et juris
inducitur dispositio.
Se estas observaçoens
criticas merecerem sahir a publico, espero o favor de as vêr impressas, a fim
de chegarem ao conhecimento dos nossos illustres Deputados, visto que este negocio
vai ser brevemente tratado com a sabedoria e patriotismo que os caracteriza:
tempo he de acabarem as obras fabricadas nas trevas da ignorancia e do
fanatismo.
Fico apromptando
alguns apontamentos chronologicos sobre o mesmo assumpto, que poderaõ ser
addicionados a este artigo, e corroborar o que fica dito."
O artigo anterior mereceu de alguém um outro, em contraponto
que se transcreve dirigido ao jornal “ Analista Portuense”
“Analista Portuense, 4 de Junho
"Senhor Redactor:
depois de lêr no seu Diario N.º 61 hum Artigo Communicado querendo provar a
falsidade da Doaçaõ da Sr.ª D. Tereza feita á Igreja do Porto na pessoa de D.
Hugo seu bispo, tive a curiosidade de lêr e reflectir sobre os Escritores e
Documentos com que o Author do artigo comprova nas suas notas os quatro
argumentos de que se serve; e como achasse que, por aquelles e por muitos
outros, se prova inteiramente o contrario, por isso, e tendo por certo que as
historias devem ser illustradas pelos monumentos, e naõ estes por aquellas, lhe
rogo o favor de inserir na sua mesma folha o resultado deste meu trabalho para
illustraçaõ da verdade, e para que os apontamentos chronologicos, que o author
do artigo fica apromptando, naõ laborem em erros.
Consiste o 1.º
argumento = em que no anno de 1120, data da Doaçaõ, tinha o bispo D. Hugo pelo
menos 56 annos de episcopado, e naõ 6 como naquella se diz; = Antes de
responder a este argumento, note-se a contradiçaõ do author do artigo = : D.
Sesnando (diz elle) foi bispo do Porto desde 1026 até 1072, succedeo-lhe D.
HUgo em 1074, e dez annos antes em 1064 sagrou a Igreja de Moreira, ao mesmo
passo que em 1065 D. Sesnando authorizou a fundaçaõ da Ermida de S. João
Baptista!! = Naõ se desvanece esta contradiçaõ com a renuncia que o author do
artigo suppoem que fizera D. Sesnando em D. Hugo, pois da existencia de tal
renuncia naõ apresenta prova alguma; e se a quizesse provar, acharia ter sido
feita em 1030, concluindo-se que ser este D. Hugo o mesmo a quem a Sr. D.
Teresa fez a Doaçaõ em 1120 deveria ter 90 annos de episcopado, e pelo menos
120 de idade, porque precisava de ter 30 para ser bispo!! Se o author do artigo
(que naõ duvida que em 1120 o bispo do Porto se chamava Hugo, mas só nega que
estivesse no 6.º anno do episcopado) escrevesse com reflexaõ, veria facilmente
este absurdo, veria que o mesmo Cathalogo dos Bispos do Porto, cujas palavras
do cap. 1 p. 2 refere, no fim deste cap. diz que = D.Hugo governou o seu
bispado por espaço de quasi 23 annos, que foi do de Christo 1114 em que entrou
no bispado até o de 1136 em que morreo a 7 de Setembro: = veria que entrando D.
Hugo no bispado em 1114 está justamente no 6.º anno do episcopado em 1120, como
se diz na Doaçaõ: veria que ha engano e incuria nas ediçoens do Cathalogo dos
Bispos do Porto, quando no principio do cap. 1 p. 2. se lê que D. HUgo entrara
no bispado em 1108 ou em 1018 como outras trazem, porque aqui refere esta data
sem curcunstancia alguma, e no fiim circunstanciadamente diz que entrara em
1114 e morrera em 1136, governando quasi 23 annos: veria finalmente que todas
as contradiçoens e difficuldades que se encontraõ seguindo-se similhante
chronologia desapparecerem, dizendo-se que aquelle D. Sesnando governou o
bispado desde 1026 até 1035, em que morreo. Que este, em 1030, renunciara o bispado
em D. Hugo, o primeiro deste nome; e que, em 1064, sagrou a Igreja de Moreira,
e nese mesmo anno falleceo. Que depois deste he provavel ter sido bispo do
Porto D. Auberto[sic]. Que he certo ter succedido a este D. Sesnando o segundo
do nome; porque, em 1072, assignou huma escriptura. Que, desde este tempo até
1114, esteve a Sé vaga governada por tres Arcediagos. E finalmente que, em
1114, começou a governar D. Hugo, segundo deste nome, a quem, em 1120 e
justamente no 6.º anno do seu episcopado, foi feita a Doaçaõ de que se trata.
Pelas authoridades e documentos que refere o author do artigo fica pois
desfeito o seu primeiro argumento.
Consiste o segundo em
que na Doaçaõ se usa da era da Encarnação de 1120, quando este methodo de
contar naõ apparece em documento algum antes d'El-Rei D. Joaõ I, que, por lei
de 1422, o mandou seguir. Para desmetir esta asserçaõ, que o author do artigo
naõ prova [pois La-Clede citado naõ falla em o supposto desuso], naõ
transcreverei o que escreve Bluteau, vocabul. palavra era, nem as escripturas
anteriores a El-Rei D. Joaõ I, referidas nas provas da Historia Genealogica da
Casa Real, e huma de Affonso III, no prologo da 3.ª p. da Monarq. Lusitana.,
nem o que escreve Mabill. de re diplom. 1. 2. cap. 28 § ; mas, contento-me com
referir as palavras da Chron. de Cister [pois que o author do artigo tambem a
cita] l. 3 cap. 5, quasi no fim: = A data he conforme aos annos de Christo, e
naõ á era de Cezar, como tambem a data do juramento acima, e saõ as de muitas
escripturas outras que ha em cartorios diversos; e naõ só havia em Portugal
esta inadevertencia de pôrem huma hora, anno de Christo, outra de Cezar &c.
= Finalmente a Doaçaõ de que se trata tem ambas as
eras, e a lei d'El-Rei
D. Joaõ I naõ attesta desuso da de Christo, mas simplesmente a manda seguir sem
variedade.
Consiste o terceiro
argumento em que os nossos chronistas mais judiciosos e criticos saõ uniformes
em asseverar que o Sr. D. Affonso Henriques entrou a governar logo depois da
morte do Conde seu pai, sem que a Sr.ª D. Tereza administrasse o Reino como
Tutora. = Achou aqui o author do artigo huma uniformidade bem rara na historia,
porque naõ quiz vêr a sua opiniaõ contrariada por historiadores coevos a D.
Afoonso Henriques, e por quasi infinito numero dos subsequentes de profunda
critica e consumado estudo; cujas authoridades poem fóra de toda a duvida que
D. Affonso Henriques nascera desde 1106 até 1109, sendo quasi certo que o seu
nascimento acontecera neste ultimo anno; que o Conde seu pai fallecera em 1112,
ficando por consequencia aquelle com 3 ou, ao muito, com 6 annos de idade [e
destes annos já poderia governar?]; que a Sr.ª D. Tereza sua mãi ficou
governando na minoridade do seu filho, o qual só tomou posse do governo em 1128
com 16 ou, ao muito, 19 annos de idade; logo, a Doaçaõ, sendo feita em 1120, o
foi em tempo que governava a Sr.ª D. Tereza, como Tutora de seu filho. Naõ me
cancei em lêr todos os historiadores com que na nota 6.ª [eu não transcrevi]o
author do artigo intentou provar a tal uniformidade, porque lendo La-Clede no
lugar que cita, achei o contrario da sua opiniaõ: = Sendo o Infante [Affonso
Henriques] muito moço para governar por si mesmo, como já dissemos, a Condessa
D. Tereza tomou posse de toda a authoridade; = formei logo o juizo de que os outros
ou seriaõ conformes com este, ou que teriaõ seguido a Chron. de Cist. por Brito
que ninguem hoje ignora ser pouco verdadeira e exacta, nem os erros que muitos
criticos lhe tem notado. Hoje he singular o author do artigo na sua opiniaõ,
que antes he erro irrefragavel ou heresia historica do que solido argumento.
Consiste o quarto e
ultimo em que, aidna supposto que a Sr.ª D. Tereza governasse Portugal por
algum tempo, certamente o naõ governava em 1120 á data da Doaçaõ; porque já no
1.º de março deste expedio o Sr. D. Affonso Henriques, como Soberano, huma
Provisão de licença para a fundaçaõ do Instituto de Cister: = A este argumento
bastava responder: = Em 18 de Abril de 1120 fez a Sr.ª D. tereza huma Doaçaõ ao
bispo do Porto como Soberana do Reino; logo, he falsa a Provisaõ de licença
para a fundaçaõ do Instituto de Cister passada pelo Sr. D. Afonso Henriques,
por ainda naõ governar em Março de 1120 que he a sua data. A deducçaõ do
argumento he identica. Accresce porém contra o artigo ficar acima provado que a
Sr.ª D. Tereza ainda governanva em 1120, nem he crivel outra cousa tendo seu
filho somente 11 annos; acresce estar a Doaçaõ tambem assignada pelo Sr. D.
Affonso Henriques; accresce finalmente que ha documentos assignados pela Sr.ª
D. Tereza com datas posteriores á de 1120, de cuja authenticidade naõ duvidaõ
os mesmos historiadores que o author do artigo refere na nota 7, bem como naõ
duvidaõ da de que se trata.
Espero com ancia pelos apontamentos chronologicos que o author do artigo está apromptando, apesar de que, desde já, prevejo que teraõ tanta força como os de que servio: rogo aos leitores o favor de os consultarem porque he o meio de se certificarem de quem he o observador de mais criterio."
Espero com ancia pelos apontamentos chronologicos que o author do artigo está apromptando, apesar de que, desde já, prevejo que teraõ tanta força como os de que servio: rogo aos leitores o favor de os consultarem porque he o meio de se certificarem de quem he o observador de mais criterio."
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