domingo, 2 de outubro de 2016

(Continuação 1) - Actualização em 11/06/2020

Refundação da Cidade

No século XII, dão-se acontecimentos de grande significado para a evolução da cidade do Porto.
Em 1114, D. Hugo toma posse da diocese do Porto e, em 1120, D. Teresa faz a doação a D. Hugo de um vasto território, o Couto de Portucale.
Este couto compreendia para além de um território atinente ao burgo do Porto, instalado junto à Sé e em volta dela, um conjunto de outras propriedades envolventes, nos seus arrabaldes, partindo desde o Canal Maior (Rio da Vila) até Rio Tinto e do Douro à Arca d’Água. 
D. Teresa doaria ainda a D. Hugo as igrejas de Crestuma e da Régua, o mosteiro de Bouças e um território da Pedra Salgada até ao mar, na margem esquerda do rio Douro.
Por seu lado D. Afonso Henriques, estendeu-o, mais tarde, até Contumil, Asprela, Monte dos Burgos e Carvalhido no couto do Porto e as igrejas de S. Pedro da Cova e Meinedo.
Em 1123, D. Hugo recebe de D. Elvira Trutesindes e de Pio Mendes, a igreja de S. Veríssimo de Paranhos e respectivo padroado.
Que tipo de cidade seria o Porto quando, em 1120, D. Teresa, a mãe de D. Afonso Henriques, a doou ao bispo D. Hugo?
Sabemos, porque há documentação que o confirma, que já existia, dentro do perímetro do Couto Portucalense, o antiquíssimo mosteiro de Cedofeita e bem assim, a diocese do Porto.
Com efeito, um documento pontifício do tempo do Papa Calisto II, datado também de 1120, ao traçar os limites da diocese do Porto, menciona já a existência do mosteiro "de Citoffeita", além de outros, como é o caso dos de Águas Santas, Bouças (Matosinhos) Vairão e "Petrosso" (Pedroso).
À volta daqueles mosteiros, nomeadamente o de Cedofeita, deviam ter florescido, desde tempos mais antigas, alguns grupos de casais ou povoações que se foram formando em torno de templos que chegaram até aos nossos dias como é o caso da "villa de Paramus" (Paranhos), dedicada a "santi vereximi " (S. Veríssimo); da igreja de "sanctae meriae de Campanham" (actual paróquia de Campanhã), que já existia pelo ano de 1058; e da ermida de "S. Johane de foze de Dorio" (ermida de S. João da Foz do Douro) doada em 1145 por D. Afonso Henriques a D. Frei Roberto e aos seus cenobitas de Santa Maria e de S. Miguel Arcanjo de Riba Paiva (Castro Daire).
Além da ermida, o monarca doa igualmente todas as propriedades que lhe estavam subordinadas.
A actual freguesia da Foz do Douro coincide com a antiga paróquia de S. João da Foz do Douro, a qual permaneceu como couto do mosteiro beneditino de Santo Tirso até ao século XIX.
A leitura de outros documentos antigos, em que se referem topónimos já existentes na época, permite-nos supor, por exemplo, que Miragaia, Lordelo (referido numa acta do concílio de Lugo como “Leporeto”), Aldoar e Nevogilde (para citar apenas alguns) já existiam como povoações (vilas ou vilares) ao tempo em que D. Teresa doou a cidade do Porto ao bispo D. Hugo, arcediago da Sé de Compostela e secretário e procurador do arcebispo Gelmires de Compostela.
A rainha faz, portanto, doação à Sé Portucalense, de todo o burgo «com suas rendas, e suas adjacências, e com a igreja de S. Pedro e Rotundela e Busto e castro que chamam Luneta com todas as suas pertenças e com Germinadi...». E acrescenta: «dou e concedo perpétua estabilidade sobre as ditas herdades e pescarias» à Sé do Porto e «faço couto firmissimo» pelos limites que indica.
A demarcação do couto é feita por «Lunetam» (Noeda), ribeiro «Connari» (Caneiro de Campanhã?) junto ao «placium» (paço) de Garcia Gonçalves, «petras fixiles» (Antas) e daí para Paranhos…
Se “Luneta” e “Germalde” (Lapa), no texto exarado, não têm suscitado dúvidas, o mesmo não se verifica para os restantes topónimos, cuja localização não é tão evidente.
«Petras fixiles», habitualmente identificadas com «Antas», são objecto de interpretação diversa por Alberto Sampaio, que lhes não atribui carácter de monumento funerário, mas de marcos divisórios de propriedade, correspondentes, de uma maneira geral, aos «terminos fixos» do Código Visigótico, mencionado também como «Petras fictas» ou «fictiles», em contexto que indica claramente demarcação.
Uma outra controvérsia pode ser identificada também quanto à localização de S. Pedro.
O Padre Miguel de Oliveira, salienta que a igreja de S. Pedro, Busto (Bosque), Rotundela e o castro (de Noeda), são mencionados de modo a formar um conjunto. O mesmo conclui que se deveriam localizar próximos uns dos outros, em Campanhã e não em Miragaia, como pretendera entre outros, João Pedro Ribeiro. O Padre Miguel reforça o seu parecer, afirmando que «não há qualquer menção deste templo nem do nome de Miragaia antes de meados do século XIII. Em 1247 S. Pedro (de Miragaia) seria ainda uma simples ermida (ermitágio).
Miguel de Oliveira conclui assim que S. Pedro, referido na doação do Couto, seria em Campanhã.
Por outro lado, parece pertinente a aproximação de «Rotundela», no arco de influência de Noeda, com o lugar de Redondelo, em Valbom. O topónimo «Redondela» volta a aparecer num documento de particular interesse.
Trata-se de uma convenção datada de Setembro de 1120, em que o bispo D. Hugo aceita, da família ligada à igreja de Santa Maria de Campanhã, Paio e Garcia Gonçalves e respectivas esposas (Marina e Toda Gonçalves), quatro casais: um em «Portugal, na margem do rio Douro», «justa portum de riuuo de carros»; outro em «as Eyras» (ou «Azeiras»); dois casais no termo de Paranhos e ainda a décima de Redondela.
Em troca o bispo e seus cónegos renunciam ao imposto da «parada» ou «jantar» na igreja de Santa Maria de Campanhã e a outros direitos diocesanos. O bispo isenta ainda a igreja do pagamento de portagem e de coima.
A isenção é dirigida «a vós, os padroeiros, amigos e vizinhos» - à comunidade formada pelos que têm direitos na igreja, como o de apresentar abade, identificados com a nobreza local, os seus próximos e, finalmente, os vizinhos ou fregueses chamados pelo mesmo sino. É a primeira referência a Campanhã como comunidade.
O documento tem a particularidade de ilustrar um momento de um processo de transferência de poder em Campanhã. Além de bens fundiários (cinco casais), a nobreza local aliena direitos como a décima de Redondela em favor da Sé Portucalense.
Santa Maria de Campanhã detinha até então o estatuto de mosteiro. Com a cedência de direitos do bispo, não mais aparece referência de mosteiro em documentos posteriores a esse acto.
Já senhor do couto do Porto, o bispo D. Hugo define, na convenção atrás referida, os limites «de tudo o que de vós aceitamos»: do Douro a «petram Assina»; a «petram pintam»; a «super fontem de suseranam supremam das vellas», daí ao «portum de Lupis» e, por fim, ao termo de Paranhos.
Será plausível a tentativa de relacionar «supremam das vellas» com Outeiro e Alto da Bela, corruptela de «vela», alusivo à obrigação de camponeses e lavradores de meter sentinela e vigiar por turnos, nos cimos dos montes?
Hoje em dia, distantes cerca de 1,5 km, existem a Rua Alto da Bela e Rua do Outeiro do Tine.
Confronte-se agora a demarcação do Couto do Porto, confirmado e ampliado por D. Afonso Henriques ao bispo D. Peculiar (1138).
Em relação aos limites orientais do couto do Porto, na ampliação feita pelo rei, mais uma vez os pontos de referência são obscuros e sujeitos a controvérsia: desde “Lueda à fonte de Conari, Fojo Lobal, Pedras fixas, Monte Loseneiro, Arca de Samigosa, Mamoa Pedrosa, Penhas da Regueira...”
Dos topónimos identificáveis nas doações, apenas “Fojo Lobal” que se identificará como o «Fojo» (que virá a ser a futura Praça das Flores) não merece controvérsia.

Couto do Porto (entre-parêntesis os topónimos respectivos, mais recentes)


Legenda do desenho acima:
A castanho a doação de D. Teresa e a azul a doação de D. Afonso Henriques. A amarelo os limites em comum às duas doações.

A nomeação de D. Hugo para bispo do Porto foi mais política que religiosa, pois nem presbítero era. Tendo tomado ordens sacras na primavera do ano seguinte, foi sagrado em Leres na Galiza por Maurício arcebispo de Braga.
Viria depois ao Porto tomar posse do bispado, mas nos seis anos seguintes andou sempre ausente, envolvido nos negócios do arcebispo Gelmires.
D. Hugo viria a falecer em 1136.
Dentro dos limites territoriais do couto doado por D. Teresa, apareceriam mais tarde, entre muitos outros lugares, alguns topónimos curiosos como o território "em que se fabricou hum casal chamado da Regada", sito em Liceiras ou Quinta do Laranjal e, através do qual, "se viria a abrir a Rua Nova do Almada…".
Havia um outro casal em cujos terrenos, em remotas eras, "se fabricou hum Cazal chamado na sua origem Payo de Novais o qual se compunha de dois campos e leyras no sítio que depois teve o nome das Hortas, fora da porta de Carros…". Trata-se, como facilmente se constata, de referências aos terrenos hoje ocupados pela Praça da Liberdade e por uma parte da Avenida dos Aliados.
Antiquíssimo é também o lugar de Fradelos pois há notícia do século XIII de que um tal Pêro Soeiro Cristelo "deixou ao ilustríssimo Cabido a herdade que tinha no lugar de Fradelos…"
Mas há mais: o bispo do Porto, D. Vicente Mendes, em 1296, no seu testamento, alude a umas propriedades que possuía " in loco Monjardim in civitatis (cidade) portugalensis" lugar esse que no século XVII veio a constituir a bela Quinta do Bonjardim que pertenceu ao fidalgo Gonçalo Cristóvão.
Muito antigas também deviam ser as ermidas de S. Pedro, "erecta nos arrabaldes de fora da cidade" (Miragaia) e a do orago de "Sancto Illeafonso que está em hum campo…", referência por demais evidente à primitiva igreja da actual freguesia de Santo Ildefonso.
Importa referir que, a divisão administrativa que hoje conhecemos como "freguesia", só surgirá após terem sido criadas pela publicação do código administrativo de António Rodrigues Sampaio em 1878, em substituição das "paróquias".
Nas inquirições mandadas realizar pelo rei D. Afonso III, em 1258, aparecem já bem definidas e perfeitamente organizadas algumas terras em torno do couto do Porto:
-"Sanctus Johanes Focis" (S. João da Foz) pertença do mosteiro de Santo Tirso, com 37 casais e 14 cabaneiros. Em 1211, D. Mafalda faz e confirma a doação da ermida de S. João da Foz do Douro e couto, a D. Mendo, abade do mosteiro de Santo Tirso. Na segunda metade do século XII existia no local uma ermida que desde o início do século XIII fica sob jurisdição do mosteiro de Santo Tirso; 
-A vila "que se chama de "Loordello" do antigo julgado de Bouças (actual concelho de Matosinhos), propriedade do rei, com sua igreja e 26 casais dois dos quais despovoados e que a rainha D. Mafalda quis povoar e, nesse sentido, "mandou vir barcas de sal para o lugar de "Souereyra", ou seja a Sobreiras dos nossos dias, de que ainda existe uma rua com essa denominação;
-A vila que tem por nome Aldoar, com 23 casais, sendo três do rei e vinte da Ordem do Hospital.
Sobre as origens desta freguesia, em 1973 ficou provado que o nascimento de Aldoar remonta ao período anterior à Romanização. Nesse ano, escavações do aldoarense Adriano Vasco Rodrigues - distinguido com a medalha de ouro da cidade - encontrou provas de uma povoação de pescadores, datadas da Idade do Ferro, dos Séculos IV e III AC. Diversos povos foram passando por Aldoar, deixando marcas que se perderam com o tempo. A toponímia aldoarense é prova eterna dessa passagem, com a expressão «villae», que viria a dar origem a Vila e Vilarinha, nome de uma das mais importantes ruas da freguesia.
Relativamente à toponímia, diversas versões dão origem a uma interessante discussão, a uma multiplicidade de raciocínios, de teses, todas elas escorridas da História e dos antepassados aldoarenses. No primeiro volume do livro Portugal Antigo e Moderno, de Pinho Leal, o autor sustenta que Aldoar deriva de uma palavra árabe e que significa “redonda”.
Já Vasco Rodrigues defende outra ideia, concordando com o facto de se tratar de uma palavra árabe, «Al-Duar», que quer dizer “acampamento militar ou mesquita”. Por sua vez, Sousa Machado argumentou que Aldoar brota de “alduarius”, mas acabou por aceitar a presença muçulmana na zona e daí a proveniência desta terminologia.
Aldoar fez parte das Terras da Maia e, posteriormente, do Julgado e Concelho de Bouças. Em 1895, após a construção da Circunvalação, passou a pertencer ao Concelho do Porto. Em 1916, passa a pertencer à região eclesiástica do Porto. A freguesia é das últimas, juntamente com Lordelo do Ouro, Foz do Douro, Nevogilde e Ramalde, a ser incluída na Igreja do Porto.
A intervenção da "Cruz de Malta" em Aldoar surge há muitos anos e virá a absorver esta zona nos seus domínios. Ao que parece o pai do nosso primeiro rei, o Conde D. Henrique, teria lutado ao lado dos primeiros hospitalários e a ele se deveria o facto de sua esposa, D. Teresa, ter cedido à nova Ordem os seus direitos sob alguns territórios, incluindo Leça.
À Balia de Leça, couto da Ordem do Hospital, que existiu entre 1123 e 1835, pertenciam muitas Igrejas, não só no Couto propriamente dito, caso de Infesta, Custóias, Barreiros e Guifões, como fora do Couto e entre estas Aldoar.

“A Ordem de S. João de Jerusalém do Hospital vulgo Hospitalários foi uma Ordem religiosa constituída aquando das cruzadas e, começou por ter como objectivo o apoio hospitalar aos peregrinos à Terra Santa. Passado pouco tempo transformou-se também em Ordem militar.
Por cá esteve em Leça do Balio, tendo-se mudado para o Alentejo, para o Crato, passando então a ser conhecida por Ordem do Crato.
Por ter sede geral na ilha de Malta no Mediterrâneo, é também conhecida por Ordem de Malta.
Não cabe aqui, fazer a história das ligações de Aldoar a Leça. Digamos só a título de esclarecimento que, por morte do Prior D. Estêvão Vasques Pimentel, que tinha fundado o Mosteiro de Leça, a Ordem transferiu a sua sede para o Crato, e Leça ficou como simples comenda, (uma porção de terra doada oficialmente como recompensa por serviços prestados, ficando o beneficiado com a obrigação de defendê-la de malfeitores e inimigos) passando, em 1571, a ser bailiado (um território no qual as funções de administração eram exercidas por um funcionário judicial privado nomeado bailio sob subvenção da Coroa). Daí o nome que ainda hoje mantém de Leça do Bailio.
A ligação de Aldoar à Ordem de Malta ficou bem explicitada, quando, em 1259, o Rei D. Afonso III mandou fazer as suas "Inquirições" (assim a modos que saber o que lhe pertencia e o que indevidamente estava ocupado ou não pagava impostos) e chegou a vez de Aldoar, mandou que comparecesse o representante da Ordem e, perante ele, se apresentou Frei Sueiro, pároco da Igreja de Aldoar, que sob juramento, declarou ser a igreja pertença da Ordem do Hospital e, quanto ao mais, existirem 23 casais de Aldoar, dos quais três pertenciam ao Rei e vinte à Ordem. Que não sabia como tinham vindo para a posse da Ordem, mas que lhe pertenciam e que estavam isentas de pagar foro ao Rei, porque se tinham "composto" com o mordomo de Bouças. Não de todo contente com o depoimento de Frei Sueiro, mandou o Rei inquirir dos moradores, e por certo dos que habitavam os casais que lhe pertenciam - os três Domingos: o Domingos Parracos ou Penatus, o Domingos Pelágio ou Paes e o Domingos Martins. E todos foram unânimes em confirmar o que dissera o frade da Ordem, acrescentando que os seus avôs (entenda-se antepassados) tinham feito as suas herdades foreiras do Hospital, para que a Ordem os defendesse "de todos os foros régios".
E porque assim era, não tinham eles, agora, que pagar foro. Ou seja, tinham trocado de dono... Por certo as imposições do Rei, ou do Mordomo de Bouças, eram mais pesadas que o tributo imposto pela Ordem, que até tinha a sua casa- mãe perto dali”.
Fonte: portoarc.blogspot

" O Mosteiro de Leça do Bailio", e era um dos grandes proprietários da zona, mais concretamente o segundo maior, logo depois do Mosteiro de Cedofeita…
Serão, por esta época (lutas liberais), alienados para o Estado os bens da Ordem de Malta. Ao que parece, como em outros locais e nesta época como em outras, também em Aldoar a situação da transferência dos bens das Ordens Religiosas não correu com a lisura que seria de esperar e a Junta das Paróquia procurou investigar para onde tinham ido esses bens, reclamando mesmo junto da Administração do Concelho casa e condições da vida para o pároco, já que nada lhe tinha ficado”;
In Guia das freguesias do Porto por Júlio Couto

-A vila que chamam de Nevogilde (Lovygildus) cuja igreja era dos mosteiros de Santo Tirso e de Pombeiro.
Algumas informações para o conhecimento de Nevogilde de então são-nos dadas pelo Padre Durão ou Durando. Delas consta que “aí o Rei tinha quatro casais, dois deles povoados e dois despovoados.
A palavra "casal" tem que ser entendida com o significado de "pequeno povoado" ou " conjunto de pequenas propriedades rústicas" ou seja o lugar ou lugarejo de uma determinada paróquia.
Num dos casais povoados morava João Milheiro, no outro residia Petrilino. O Mosteiro de Santo Tirso possuía cinco casais um dos quais, desabitado; o Mosteiro de Pombeiro, dois casais, dos quais um desabitado; a ordem do Hospital  (S. João de Jerusalém, mais tarde Malta), dois casais, ambos despovoados; a Igreja de Vermoim da Maia, um casal despovoado; e os Mosteiros de S. João de Tarouca e de Macieira, dois casais cada um.”
Relativamente ao topónimo Nevogilde, esclarece-se que é de origem germânica;
-O lugar de Ramalde (Ranhaldi) com sua igreja e onde o rei tem 8 casais, o mosteiro de Arouca um e o de Cedofeita 6; e ainda a vila que se chama Requesende (Requisendy) cujos habitantes eram paroquianos da paróquia da igreja de Ramalde.
O curioso, em tudo isto, é a constatação de que alguns nomes de sítios, lugares e até de ruas da actualidade, já aparecem em documentos antigos, muitos ainda de antes da formação da nossa nacionalidade, como são os casos observáveis em S. João da Foz, Ramalde, Nevogilde e Paranhos, para citar apenas estes.


Foral

Em 1123 o bispo D. Hugo concede, portanto, a carta de foral aos moradores da cidade. Este foral, de carácter liberal e inovador, vem trazer um enorme impulso ao povoamento e ao desenvolvimento do burgo. As instituições do burgo são moldadas com base no foral de Sahagum (Sahagún é um município da Espanha na província de León) que desde 1084, servia de padrão para a península Ibérica e, na sua essência, toma como base tributária a capitação predial e as portagens e, no tocante ao exercício da jurisdição, atribui-a a um só magistrado, o maiorino, nomeado pelo bispo, mas que, para certos actos judiciais, valia-se dos homens- bons do concelho.
O Porto do século XII, com uma só paróquia, a Sé, era um burgo episcopal organizado em função da catedral, que começou a ser construída neste século, no local onde anteriormente tinha existido uma pequena ermida. Em redor dela, um conjunto de ruas, vielas, pequenos largos e becos, ocupavam a plataforma superior da Pena Ventosa, rodeada de uma muralha com as suas portas.
Esta muralha foi um importante elemento que condicionou a estrutura da sua malha urbana medieval, denominada de Cerca Velha ou Cerca Românica, reconstruída no século XII sobre fundações de muros anteriores. Durante muito tempo, conhecida por Muralha Sueva, está hoje identificada como obra de origem romana. Desta Muralha Primitiva apenas subsistem hoje um cubelo e um reduzido trecho, reconstruídos em meados do século XX.
As vertentes próximas da Pena Ventosa foram, também, desde cedo habitadas e ligadas entre si por ruas, ruelas ou serventias que, sabiamente adaptadas à topografia, seguiam o traçado das curvas de nível ou cortavam estas perpendicularmente.
São disso exemplos, a actual Rua das Aldas que foi Rua da Pena Ventosa, ou a actual Rua da Pena Ventosa que antes era Viela dos Palhais e a actual Rua de Sant’Ana que foi Rua das Aldas e ainda, antiga Viela da Carniçaria.


Texto sobre a razão do topónimo Aldas

O texto acima vem inserido na obra de Firmino Pereira “O Porto d’Outros Tempos”
No século XVIII ocorreria uma autêntica revolução nos topónimos da zona de que, ainda hoje, se desconhecem as motivações.


Porta de Vandoma


Aspecto de troço da muralha primitiva na Calçada de Vandoma





Na História do Porto, coordenada pelo Dr. Oliveira Ramos, podemos ler: 
“ Em 1113 ou mais provavelmente em 1114, o Porto-sede-episcopal é restaurado por D. Hugo… Com este evento inauguram-se os tempos medievais da cidade. Para trás são as origens. Em 1120, por iniciativa da rainha D. Teresa, é concedido ou confirmado a esse bispo um vasto território, que será couto dele e dos sucessores.” 

Podemos limitar o couto inicial do Canal Maior (Rio da Vila) até Rio Tinto e do Douro à Arca d’Água.
D. Afonso Henriques estendeu-o até Contumil, Asprela, Monte dos Burgos e Carvalhido. 
No tempo de D. Sancho I  (1185-1211), as relações conflituosas deste monarca com os prelados D. Fernando Martins (1176-1185); D. Martinho Pires (1186-1189; e D. Martinho Rodrigues (1191-1235), levaram a um afastamento das duas partes.
Só por meados do século XIII os con­flitos entre a coroa e a mitra serenaram e a sé portucalense voltou a poder contar com a colaboração régia. Em 1271, o rei D. Afon­so III contemplou “generosamente" a sé portucalense no seu testamento.
Recordamos que nos séculos XIII e XIV o Rio da Vila e o Rio Frio deram aso a uma renhida e longa disputa entre o bispado do Porto e a realeza.
Com o desenvolvimento acelerado da cidade começaram a ser construídas habitações do lado poente do Canal Maior (depois Rio da Vila).
D. Afonso III pretendeu “esclarecer”, quais os terrenos que tinham sido doados por D. Teresa ao Bispo do Porto, pois, defendia que estes, iam apenas até ao rio da Vila.
O Bispo afirmava que, o Canal Maior, referido na doacção a D. Hugo, seria o Rio Frio, que fica em Miragaia.
Para ele o outro rio que desagua na Ribeira, era o rio da Vila ou rio da Cividade., mas não, o Canal Maior.
A localização do Canal Maior era de suma importância para o bispo e para a coroa, dado o que estava em jogo.
A razão da desinteligência era a grande riqueza que o Porto auferia com as muitas mercadorias aqui movimentadas. Desta forma, cerca de 1249, o Bispo D. Julião Fernandes apropriou-se da zona entre o Rio Frio e o Rio da Vila e lançou as bases do longo conflito.
Durante anos se esgrimiram argumentos pretendendo situar o Canal Maior de acordo com vontade de D. Teresa quando doou o burgo a D. Hugo.
O conflito terminou muito mais tarde, em 1325, quando D. Afonso IV fundou a Alfândega do Porto dentro do território que o Bispo reclamava. Assim, se deu por terminada esta disputa que terá durado quase um século.
A seguir, apresenta-se um artigo jornalístico falando sobre os termos por detrás da doação do couto do Porto e sua interpretação.
Para a sua compreensão, devemos ter presente que a contagem dos anos sofreu alterações, no decorrer da história, que precisamos conhecer, pelo menos, na sua generalidade.
O calendário anual antecedente do que hoje nos rege é conhecido por Calendário Juliano e está ligado à intervenção e vontade de Júlio César que, em 1 de Janeiro de 45 a.c. (ano 1 da era de César), pela primeira vez o implementa, tendo sido organizado pelo sábio Sosígenes de Alexandria, no Egipto.
Aquele calendário passa a ter por ano, 365 dias, tornando-o num calendário solar, alinhado pelas estações do ano, uma herança do Calendário Egípcio, criado em cerca de 2800 a.c..
Assim, o ano passava a ter apenas 12 meses, acabando com os meses intercalares romanos.
Júlio César não aceitava o desacerto existente entre o ano civil e o ano real (com as festas das flores de Março a ocorrerem em pleno Inverno) e com o uso religioso do calendário (os religiosos intercalavam mais um mês, caso gostassem do chefe e, caso contrário, não intercalavam o mês, de modo que o chefe fosse exonerado mais cedo! Em 55 a.c., Júlio César já tinha terminado com os meses intercalares!).
Com o Calendário Juliano, de 4 em 4 anos, passou a ser acrescentado um dia ao 6º dia das Calendas de Março (o nosso 24 de Fevereiro) sendo, por isso, chamado de ano bissexto.
Esse dia passaria, mais tarde, a ser acrescentado depois do último dia de Fevereiro.
Para acerto e para que o ano 45 a.c. começasse nas calendas de Janeiro ou primeiro de Janeiro, o ano de 46 a.c. teve um total de 443 dias.
Este ano foi recordado como “o último “ano da confusão”, nas palavras do historiador Macróbio.
A partir do ano 1442 da era de César, uma nova referência na contagem dos anos seria instituída – o nascimento de Cristo.
Assim, em 22 de Agosto de 1422, a era de Cristo passa a ser utlizada em Portugal, substituindo a “era de César”, que começava em 38 a.C.
Esta última data tem por referência o ano em que a Hispânia Romana foi conquistada por Augusto, durante a guerra civil do segundo triunvirato.
Portanto, até 1422 no reinado de D. João I, a contagem dos anos fazia-se de acordo com o calendário da “era de César” complementada pelos acertos do imperador Augusto, que relativamente à era da Encarnação ou “Ano de Cristo”, ou Anno Domini (A.D.) então instituída (referência ao nascimento de Cristo) diferia em mais 38 anos.
Assim, para aquele ano de 1422 o A. D. seria 1384.
O calendário haveria de sofrer uma nova adaptação. Assim, a 24 de Fevereiro de 1582, o papa Gregório XIII reforma o calendário, pela bula “Inter-gravíssimas”, razão, pela qual, se diz que usamos o Calendário Gregoriano. O calendário que reformulou o existente entrou em vigor em 15 de Outubro, do mesmo ano, mas, para isso, foram suprimidos os dias 5 de Outubro a 14 de Outubro de 1582 (nunca foram contabilizados), já que, existia nesse ano, 10 dias de diferença entre o Equinócio da Primavera e o dia 21 de Março, que marcava esse acontecimento astronómico.
Quanto ao artigo atrás referido, ele diz respeito a um pedido de extinção do direito de Portagem no Porto, solicitado numa sessão da assembleia, pelo deputado Sr. Bastos:


" (...) proponho-me chamar a hum exame critico o titulo primitivo em que se diz estar fundado o direito de portagem que se paga na cidade do Porto, que é a Doaçaõ feita pela Senhora D. Tereza ao Bispo D. Hugo, a 18 d'Abril do anno da Encarnaçaõ 1120, e no 6º anno do episcopado do mesmo Bispo; tanto por ser esta doaçaõ o titulo unico a que se refere o Foral do Sr. Manoel que prescreveo a forma da cobrança destes direitos; como por ser axioma geralmente recebido em direito: = Ex facto jus oritur, et juris in dispositio = Contrahindo-nos precisamente a este ponto, deprehende-se visivelmente a falsidade da doaçaõ; porque a data de 18 d'Abril de 1120 naõ corresponde ao anno 6.º do episcopado de D. Hugo, em que se diz que foi feita; o que se evidencèa por huma facillima inducção chronologica.
Restaurada a cidade do Porto da ultima invasaõ d'Almançor, ficou sendo Bispo desta diocese D. Nonego, que o era de Vendoma em França, e vinha na armada dos Gascoens, empregada tambem na restauraçaõ da cidade: isto pelos annos de 999, como consta de memorias authenticas e originaes até o anno de Christo de 1025. A D. Nonego succedeo D. Sesnando em 1026, por deputaçaõ do Clero, Nobreza e Povo; o qual em Dezembro de 1029 se achou com este caracter na corte dos Reis de Leaõ, cuidando de negocios da sua Igreja; e em Maio de 1065 authorizou a fundaçaõ da Ermida de S. Joaõ Baptista, feita pelo Sacerdote Vellino; e bem assim a erecçaõ da mesma no mosteiro de Pendurada, por comissaõ dada a seu irmaõ Monino Viegas, em Fevereiro de 1072. D. Hugo succedeo a D. Sesnando pelos annos de 1074: tendo sido coadjutor do bispado mais de 9 annos, por se ter recolhido D. Sesnando ao mosteiro de Villa-Boa que por isso se chamou do Bispo. Vê-se pois que D. Hugo era Bispo do Porto 46 annos antes da data da doaçaõ; a qual por isso naõ corresponde ao 6.º anno de seu episcopado. Accresce que no testamento solemne de Sueiro Mendes da Maia se declara expressamente ser D. Hugo Bispo do Porto no anno de 1064; e como tal sagrou e dedicou a Igreja do Salvador de Moreira, 56 annos antes da sobredita doaçaõ; e que em 1112 assignou huma doaçaõ da Igreja de Santa Leocadia, pertencente ao mosteiro de Ansede, feita a Troila Spasso. Portanto ergue-se de notória falsidade o titulo da doaçaõ da Senhora D. Tereza; porque a data deste instrumento, em que se funda o Foral, naõ corresponde ao 6.º anno de episcopado de D. Hugo. O mesmo Catalogo dos Bispos do Porto comprova este palpavel anachronismo, quando diz: (p. 2.ª cap. 1) entrou na administraçaõ e governo do bispado do Porto o Bispo D. Hugo no anno de Christo de 1103. Como pois o anno de 1120 ser o 6.º anno do Pontificado deste Bispo, em que se diz fôra feita a doaçaõ, como da mesma consta?
A esta incongruencia, bastante, per si só, para dar de suppositicio o titulo da doaçaõ, accresce outra naõ menos palpavel, que he a seguinte: nesta doaçaõ se diz: que sendo feita na era de Cezar 1158 fôra tambem confirmada no anno da Encarnaçaõ 1120, as quaes épocas, na verdade, coincidem; pois, sabido he que a chamada era de Cezar, computada pelo Imperio d'Augusto, precede 38 annos á do Nascimento de Christo: mas ninguem ignora que foi o Rei D. Joaõ I que, por lei de 22 d'Agosto de 1422, mandou que, dahi em diante, se adoptasse o methodo de datar pela época do Nascimento de Christo = Assy como ante sohiaõ poer éra de Cezar = do mesmo modo que o tinha já antes mandado observar D. Joaõ I de Castella em 1383, e D. Pedro IV d'Aragaõ em 1358; sem que appareça na historia antiga das Hespanhas algum titulo de carta, doaçaõ, lei, escriptura ou texto chronologico que, antes das sobreditas épocas, fosse lavrado que naõ tenha a era de Cezar: assim como naõ consta de instrumento algum authentico em Portugal, anterior a D. João I, que naõ apresente a mesma era de Cezar. O methodo de datar da Encarnaçaõ ou Nascimento de Christo, nem ao menos era lembrado nas Hespanhas antes que Pedro IV d'Aragaõ o mandasse observar nos seus Estados em honra e memoria da redempção do genero humano. Do que se pode colligir que a supposta doaçaõ de D. Tereza ao Bispo D. Hugo foi dolosamente fabricada pelo menos 302 annos depois da data que mostra.
Naõ seria difficil mostrar a falsidade de tal doaçaõ com outro argumento irrefragavel, tirado do testemunho unanime de todos os nossos chronistas mais judiciosos e critico, nacionaes e estrangeiros; os quaes saõ uniformes em asseverar que o Sr. D. Affonso Henriques entrou a governar Portugal logo depois de morte do Conde seu pai, sem mediar tempo algum em que a Senhora D. Teresa legitimamente administrasse o Reino, como Tutora do seu Filho.
Mas ainda suppondo, com detrimento da verdade historica, que a Senhora D. Teresa governasse Portugal por algum tempo depois da morte do Conde D. Henrique, assim mesmo a época do seu governo naõ corresponde á data do titulo da doaçaõ; porque bem sabido he que, no anno de 1119, já D. Afonso Henriques governava os Estados de seu Pai; pois, como a Principe e Senhor, se lhe apresentou na villa de Guimaraens o Servo de Deos Joaõ Cerita com oito monges do Claraval, mandados por S. Bernardo, a fundar neste reino o instituto reformado de Cister; a cujas instancias expedio o mesmo Principe a provisaõ de licença, nos termos mais expressivos e proprios da Soberania, datada no 1.º de março de 1120. Donde se collige que he suppositicio e falso o titulo primordial que servio de base ao Foral do Porto; e por conseguinte naõ existindo o facto da doaçaõ, naõ pode da mesma deduzir-se algum direito legitimo que sugeite os moradores do Porto ás portagens e mil outras alcavalas que os sobrecarregaõ por força do mesmo Foral. Ex facto jus oritur, et juris inducitur dispositio.
Se estas observaçoens criticas merecerem sahir a publico, espero o favor de as vêr impressas, a fim de chegarem ao conhecimento dos nossos illustres Deputados, visto que este negocio vai ser brevemente tratado com a sabedoria e patriotismo que os caracteriza: tempo he de acabarem as obras fabricadas nas trevas da ignorancia e do fanatismo.
Fico apromptando alguns apontamentos chronologicos sobre o mesmo assumpto, que poderaõ ser addicionados a este artigo, e corroborar o que fica dito."

O artigo anterior mereceu de alguém um outro, em contraponto que se transcreve dirigido ao jornal “ Analista Portuense”

“Analista Portuense, 4 de Junho
"Senhor Redactor: depois de lêr no seu Diario N.º 61 hum Artigo Communicado querendo provar a falsidade da Doaçaõ da Sr.ª D. Tereza feita á Igreja do Porto na pessoa de D. Hugo seu bispo, tive a curiosidade de lêr e reflectir sobre os Escritores e Documentos com que o Author do artigo comprova nas suas notas os quatro argumentos de que se serve; e como achasse que, por aquelles e por muitos outros, se prova inteiramente o contrario, por isso, e tendo por certo que as historias devem ser illustradas pelos monumentos, e naõ estes por aquellas, lhe rogo o favor de inserir na sua mesma folha o resultado deste meu trabalho para illustraçaõ da verdade, e para que os apontamentos chronologicos, que o author do artigo fica apromptando, naõ laborem em erros.
Consiste o 1.º argumento = em que no anno de 1120, data da Doaçaõ, tinha o bispo D. Hugo pelo menos 56 annos de episcopado, e naõ 6 como naquella se diz; = Antes de responder a este argumento, note-se a contradiçaõ do author do artigo = : D. Sesnando (diz elle) foi bispo do Porto desde 1026 até 1072, succedeo-lhe D. HUgo em 1074, e dez annos antes em 1064 sagrou a Igreja de Moreira, ao mesmo passo que em 1065 D. Sesnando authorizou a fundaçaõ da Ermida de S. João Baptista!! = Naõ se desvanece esta contradiçaõ com a renuncia que o author do artigo suppoem que fizera D. Sesnando em D. Hugo, pois da existencia de tal renuncia naõ apresenta prova alguma; e se a quizesse provar, acharia ter sido feita em 1030, concluindo-se que  ser este D. Hugo o mesmo a quem a Sr. D. Teresa fez a Doaçaõ em 1120 deveria ter 90 annos de episcopado, e pelo menos 120 de idade, porque precisava de ter 30 para ser bispo!! Se o author do artigo (que naõ duvida que em 1120 o bispo do Porto se chamava Hugo, mas só nega que estivesse no 6.º anno do episcopado) escrevesse com reflexaõ, veria facilmente este absurdo, veria que o mesmo Cathalogo dos Bispos do Porto, cujas palavras do cap. 1 p. 2 refere, no fim deste cap. diz que = D.Hugo governou o seu bispado por espaço de quasi 23 annos, que foi do de Christo 1114 em que entrou no bispado até o de 1136 em que morreo a 7 de Setembro: = veria que entrando D. Hugo no bispado em 1114 está justamente no 6.º anno do episcopado em 1120, como se diz na Doaçaõ: veria que ha engano e incuria nas ediçoens do Cathalogo dos Bispos do Porto, quando no principio do cap. 1 p. 2. se lê que D. HUgo entrara no bispado em 1108 ou em 1018 como outras trazem, porque aqui refere esta data sem curcunstancia alguma, e no fiim circunstanciadamente diz que entrara em 1114 e morrera em 1136, governando quasi 23 annos: veria finalmente que todas as contradiçoens e difficuldades que se encontraõ seguindo-se similhante chronologia desapparecerem, dizendo-se que aquelle D. Sesnando governou o bispado desde 1026 até 1035, em que morreo. Que este, em 1030, renunciara o bispado em D. Hugo, o primeiro deste nome; e que, em 1064, sagrou a Igreja de Moreira, e nese mesmo anno falleceo. Que depois deste he provavel ter sido bispo do Porto D. Auberto[sic]. Que he certo ter succedido a este D. Sesnando o segundo do nome; porque, em 1072, assignou huma escriptura. Que, desde este tempo até 1114, esteve a Sé vaga governada por tres Arcediagos. E finalmente que, em 1114, começou a governar D. Hugo, segundo deste nome, a quem, em 1120 e justamente no 6.º anno do seu episcopado, foi feita a Doaçaõ de que se trata. Pelas authoridades e documentos que refere o author do artigo fica pois desfeito o seu primeiro argumento.
Consiste o segundo em que na Doaçaõ se usa da era da Encarnação de 1120, quando este methodo de contar naõ apparece em documento algum antes d'El-Rei D. Joaõ I, que, por lei de 1422, o mandou seguir. Para desmetir esta asserçaõ, que o author do artigo naõ prova [pois La-Clede citado naõ falla em o supposto desuso], naõ transcreverei o que escreve Bluteau, vocabul. palavra era, nem as escripturas anteriores a El-Rei D. Joaõ I, referidas nas provas da Historia Genealogica da Casa Real, e huma de Affonso III, no prologo da 3.ª p. da Monarq. Lusitana., nem o que escreve Mabill. de re diplom. 1. 2. cap. 28 § ; mas, contento-me com referir as palavras da Chron. de Cister [pois que o author do artigo tambem a cita] l. 3 cap. 5, quasi no fim: = A data he conforme aos annos de Christo, e naõ á era de Cezar, como tambem a data do juramento acima, e saõ as de muitas escripturas outras que ha em cartorios diversos; e naõ só havia em Portugal esta inadevertencia de pôrem huma hora, anno de Christo, outra de Cezar &c. = Finalmente a Doaçaõ de que se trata tem ambas as
eras, e a lei d'El-Rei D. Joaõ I naõ attesta desuso da de Christo, mas simplesmente a manda seguir sem variedade.
Consiste o terceiro argumento em que os nossos chronistas mais judiciosos e criticos saõ uniformes em asseverar que o Sr. D. Affonso Henriques entrou a governar logo depois da morte do Conde seu pai, sem que a Sr.ª D. Tereza administrasse o Reino como Tutora. = Achou aqui o author do artigo huma uniformidade bem rara na historia, porque naõ quiz vêr a sua opiniaõ contrariada por historiadores coevos a D. Afoonso Henriques, e por quasi infinito numero dos subsequentes de profunda critica e consumado estudo; cujas authoridades poem fóra de toda a duvida que D. Affonso Henriques nascera desde 1106 até 1109, sendo quasi certo que o seu nascimento acontecera neste ultimo anno; que o Conde seu pai fallecera em 1112, ficando por consequencia aquelle com 3 ou, ao muito, com 6 annos de idade [e destes annos já poderia governar?]; que a Sr.ª D. Tereza sua mãi ficou governando na minoridade do seu filho, o qual só tomou posse do governo em 1128 com 16 ou, ao muito, 19 annos de idade; logo, a Doaçaõ, sendo feita em 1120, o foi em tempo que governava a Sr.ª D. Tereza, como Tutora de seu filho. Naõ me cancei em lêr todos os historiadores com que na nota 6.ª [eu não transcrevi]o author do artigo intentou provar a tal uniformidade, porque lendo La-Clede no lugar que cita, achei o contrario da sua opiniaõ: = Sendo o Infante [Affonso Henriques] muito moço para governar por si mesmo, como já dissemos, a Condessa D. Tereza tomou posse de toda a authoridade; = formei logo o juizo de que os outros ou seriaõ conformes com este, ou que teriaõ seguido a Chron. de Cist. por Brito que ninguem hoje ignora ser pouco verdadeira e exacta, nem os erros que muitos criticos lhe tem notado. Hoje he singular o author do artigo na sua opiniaõ, que antes he erro irrefragavel ou heresia historica do que solido argumento.
Consiste o quarto e ultimo em que, aidna supposto que a Sr.ª D. Tereza governasse Portugal por algum tempo, certamente o naõ governava em 1120 á data da Doaçaõ; porque já no 1.º de março deste expedio o Sr. D. Affonso Henriques, como Soberano, huma Provisão de licença para a fundaçaõ do Instituto de Cister: = A este argumento bastava responder: = Em 18 de Abril de 1120 fez a Sr.ª D. tereza huma Doaçaõ ao bispo do Porto como Soberana do Reino; logo, he falsa a Provisaõ de licença para a fundaçaõ do Instituto de Cister passada pelo Sr. D. Afonso Henriques, por ainda naõ governar em Março de 1120 que he a sua data. A deducçaõ do argumento he identica. Accresce porém contra o artigo ficar acima provado que a Sr.ª D. Tereza ainda governanva em 1120, nem he crivel outra cousa tendo seu filho somente 11 annos; acresce estar a Doaçaõ tambem assignada pelo Sr. D. Affonso Henriques; accresce finalmente que ha documentos assignados pela Sr.ª D. Tereza com datas posteriores á de 1120, de cuja authenticidade naõ duvidaõ os mesmos historiadores que o author do artigo refere na nota 7, bem como naõ duvidaõ da de que se trata.
Espero com ancia pelos apontamentos chronologicos que o author do artigo está apromptando, apesar de que, desde já, prevejo que teraõ tanta força como os de que servio: rogo aos leitores o favor de os consultarem porque he o meio de se certificarem de quem he o observador de mais criterio."

Sem comentários:

Enviar um comentário