segunda-feira, 31 de outubro de 2016

(Continuação 1) - Actualização em 24/10/2018 e 26/11/2020



«A 18 de Agosto de 1833 terminava aquele que foi um dos mais negros anos da História do Porto: o cerco militar imposto à cidade pelas tropas absolutistas de D. Miguel. Para trás ficavam quase treze meses de combates fratricidas, milhares de mortos e feridos, bombardeamentos, incêndios devastadores, fome, peste… O Porto soubera, no entanto, resistir e, sem qualquer ajuda do exterior, rompera o Cerco e assegurava a vitória de D. Pedro e da causa Liberal.
Cerca de 175 anos depois a toponímia da cidade perpetua a memória desses dias de Heroísmo, Firmeza e Alegria.
Foi um período decisivo para a História de Portugal, aquele que se viveu entre 8 de Julho de 1832 e 18 de Agosto de 1833. Caracterizado por Almeida Garrett como o momento “em que o Portugal velho acaba e o novo começa”, o Cerco do Porto marcou, com efeito, o início do fim definitivo do absolutismo no nosso país, assegurando a implantação de um regime liberal e moldando os destinos do Portugal Contemporâneo. Durante esse ano a cidade do Porto, cercada, bombardeada, imolada, foi o centro da resistência e das esperanças dos liberais, reunidos em torno da figura de D. Pedro IV.
Do lado de fora das barricadas estava o exército do seu irmão, o “usurpador” D. Miguel. Mas, o que estava em jogo, era muito mais do que um mero conflito entre irmãos. No campo de batalha digladiavam-se duas concepções completamente opostas de sociedade. Os “miguelistas” procuravam preservar o velho e conservador sistema absolutista, no qual o rei, escolhido por desígnio divino, possuía centrado em si todo o poder absoluto. Os “pedristas” defendiam, por oposição, um regime assente nos novos ideais liberais que vinham varrendo a Europa desde as Revoluções Americana e Francesa. Um regime assente na “Liberdade”, “Igualdade” e “Fraternidade” e no qual o rei era, não o detentor de um poder absoluto por escolha divina, mas sim um mediador da sociedade mandatado pelo conjunto dos cidadãos. Embora verdade estas ideias, haviam triunfado já, no nosso país, na sequência da Revolução Liberal de 1820, iniciada no Porto. Contudo, um conjunto de vicissitudes, decorrente do facto de D. Pedro IV se ter envolvido no processo da Independência brasileira e, por isso, ter abdicado da coroa portuguesa a favor da sua filha D. Maria, ainda menor, acabou por criar condições para que o seu irmão, o “absolutista” D. Miguel, a quem ficara confiada a regência do reino enquanto a rainha não atingisse a maioridade, tivesse “usurpado” a coroa».
Cortesia de Joel Cleto



Durante meses, os combates, com ganhos pontuais de território de um lado e de outro, vão sucedendo-se.


"Apesar do terror, dos incêndios, das mortes constantes, dos hospitais repletos de feridos, da falta de pão e das doenças que alastram pela cidade, o Porto resiste. Voluntários juntam-se aos soldados veteranos. E morrem ao seu lado…Entre estes voluntários destacar-se-ão os estudantes de Coimbra. Em sua homenagem o Largo do Carmo foi rebaptizado, em 1835, como Praça dos Voluntários da Rainha, designação modificada, já no século XX, para a actual Praça de Gomes Teixeira. Entre estes voluntários estudantes contam-se alguns jovens que se converterão em grandes personalidades do panorama cultural nacional de Oitocentos e, também eles, perpetuados na toponímia da cidade. Caso da Rua Alexandre Herculano, antiga Rua Nova da Batalha, ou da Praça Almeida Garrett.
Após a vitória dos liberais a cidade homenageou os que tombaram na malograda revolta de 16 de Maio de 1828 e perpetuou o seu sacrifício, atribuindo ao troço da antiga estrada para Braga, entre a Praça Carlos Alberto e a Praça da República, a designação de Rua dos Mártires da Liberdade.
Mas a cidade está repleta de artérias baptizadas com o nome de destacados liberais que tiveram papel de relevo no Cerco. Caso, entre outros, da Rua Barão de S. Cosme, que homenageia a figura de João Nepomuceno de Macedo (1793-1837); a Rua Joaquim António de Aguiar  (1792-1874), o famoso legislador anticlerical que por isso ficaria conhecido por “mata-frades”, e que pertenceu também ao exército dos “Bravos” do Mindelo; a Rua Passos Manuel, destacado tribuno que, vindo do exílio em França, se junta aos liberais em pleno Cerco; a Rua Visconde de Setúbal (antiga Viela das Espinheiras), o famoso militar alemão João Schwalbach (1774-1847); ou a Rua Duque da Terceira, dedicada a António José Severim de Noronha (1792-1860), um dos grandes chefes militares do Cerco; a Rua do Duque de Saldanha (1790-1876), nome incontornável da política portuguesa deste período, verdadeiro “Condottiere” à Portuguesa, começa absolutista e colabora na Vilafrancada, onde D. Miguel dizima as esperanças dos liberais. Em 1826, já maçónico, dirige o levantamento do Porto que obriga D. Maria II a aceitar a Carta Constitucional. Depois passa para os Liberais Radicais até 1835 quando deserta para os Moderados. Em 1846, dirige a Guerra Civil causada pela Patuleia e comanda os Cartistas, contra os Radicais (que antes apoiava) que bate com violência.
Em 1851, com a ajuda de José Passos, derruba os Cartistas e ajuda a impor a Regeneração que vem dar origem ao período da Monarquia Constitucional. Tempos depois, acusado de peculato por uns, detestado pela rainha que preferia Palmela, Saldanha tem ainda tempo para cobiçar a fortuna de Dona Antónia Ferreira (Ferreirinha).
Assim, o Duque de Saldanha, então Presidente do Conselho, pretendeu que seu filho, o Conde de Saldanha, contraísse matrimónio com a filha de tão distinta senhora.
D. Antónia recusou o convite, embora se sentisse muito honrada, alegando para o efeito a tenra idade de sua filha, que só tinha onze anos e que também gostaria que fosse ela a escolher o seu esposo. Pouco depois, em 1854, as duas fugitivas refugiam-se em Londres e, por lá permanecem, até 1856. quando aí casou, em segundas núpcias, D. Antónia, com Francisco José da Silva Torres, seu secretário.
Em 1880, ficou novamente viúva.
Voltando ao Duque de Saldanha em 1870 (com 80 anos), faz um novo golpe (a Saldanhada) que o mantém no poder até ser afastado por D. Luís. Vai então para Londres, como embaixador, onde falece em 1876 com 86 anos.
É legítimo, neste contexto, destacar também a Rua Luz Soriano (1802-1891), que perpetua a figura do historiador autor da incontornável “História do Cerco do Porto”. Mas, para lá das individualidades, era de toda a justiça destacar o esforço colectivo de toda a população da cidade. E, por isso mesmo, e tendo em conta a forma firme, “o denodo e resignação com que os portuenses valorosamente resistiram ao apertado sítio de 1832 e 1833”, a Câmara do Porto anunciará em13 de Junho de 1838 a criação da Rua da Firmeza. Já a Rua do Heroísmo evoca os episódios que se viveram no decisivo dia 25 de Julho de 1833 quando, pressionado pela abertura de novas frentes liberais, no Algarve e em Lisboa, o Marechal de D. Miguel, Luís de  Bourmont, lança contra a cidade um poderosíssimo ataque com todas as suas forças disponíveis, em várias frentes, de Campanhã à Foz. Foi dos momentos mais difíceis e cruciais do Cerco mas, após nove horas de intensos combates, os miguelistas seriam derrotados. A partir daí, e até ao dia 18 de Agosto, a iniciativa do contra-ataque passou para os liberais que, com sucessivas vitórias em Gaia, S. Mamede de Infesta (onde se localizava o principal reduto militar absolutista), Avintes e Valongo, acabam por romper o Cerco e assegurar a vitória do Porto, de D. Pedro, da Liberdade e do Liberalismo. No ano seguinte, em 1834, era aberta a Rua da Alegria, comemorando com alegria a vitória das armas constitucionais”.
Com a devida vénia a Joel Cleto





Na sequência da Guerra Civil, da qual D. Pedro IV se sagrou vencedor, derrotando e condenando ao exílio o seu irmão D. Miguel (bisavô do nosso contemporâneo D. Duarte Pio), a cidade pretendendo homenagear os "gloriosos" acontecimentos, alterou a toponímia, naquela que foi, presumivelmente, a primeira mudança, significativa, na toponímia.
A maioria desses topónimos caiu, já, em desuso, mas alguns poucos prevaleceram até à actualidade.
Mas sigamos com o que surge publicado no Periódico dos Pobres no Porto em 20 de Novembro desse ano.

“A Illm.ª Camara Municipal desta Cidade com o fim de recordar os dias, nomes, e acontecimentos notaveis da Guerra porfiosa que cubrio de Gloria esta Cidade heroica, e de guardar um como monumento desses feitos gloriosos: resolveu em Vereação de 28 de Outubro passado que as ruas, praças e campos designados na Lista seguinte houvessem d'ora ávante as denominações ahi declaradas”.








Reorganização da toponímia no ano de 1860 e Reconversão dos nºs de Polícia




Em 20 de Abril de 1860, um Edital publicado na imprensa e em todos os lugares públicos da cidade, determinava uma reestruturação de parte da toponímia e, ainda, uma nova identificação dos prédios e casas, no que aos números de polícia dizia respeito.
A mudança encetada, em 1860, na reorganização da toponímia da cidade, teve lugar quando foi governador civil do Porto, José Freire de Serpa Pimentel (1814-1870), o 2º visconde de Gouveia.
Quanto à matéria em apreço, até aquela data, os números de polícia eram corridos, tendo passado, a partir de então, à fórmula que ainda hoje vigora; pares de um lado da rua e ímpares do outro lado.
O assunto estava, essencialmente regulamentado, entre o artigo 7º e 12º.
 
 
“Art. 7.º A numeração dos portais dos predios continua a ser collocada no centro das vergas respectivas, e indicada por uma unica serie de numeros para cada uma das ruas, largos, travessas e viellas.
Art. 8.º Os portaes que estiverem tapados ou que pertenção a janellas de pavimentos terreos, que poderem ser reduzidas a portas serão numerados.
Art. 9.º Para os terrenos dos predios arruinados, ou pardieiros proprios para edificação, se conservaram os numeros correspondentes, computando-se um por cada tres métros.
Art. 10.º Nos portais dos predios edificados de futuro em terrenos, para os quaes se não rezervassem numeros no sentido do artigo antecedente, será collocado o numero immediatamento anterior, acompanhado de uma letra, seguindo a ordem alphabetica, conforme a quantidade dos portais.
Art. 11.º Os numeros serão pintados com tinta branca sobre tarjas de fundo preto, tendo estas, sendo possivel,  29 centimetros de comprimento, e 18 d'altura; e os algarismos 11 centimetros de altura, conforme o padrão que estará patente nas respectivas administrações.
 Art. 12.º Em cada uma das ruas, travessas, e viellas, os numeros páres serão colocados do lado direito, os impares do esquerdo.
§ 1.º O lado direito de uma rua, travessa, ou viella (tanto aquém, como além Douro) será determinado nas que correrem perpendicular, ou obliquamento ao rio, pela direita do viandante, que marchar afastando-se do mesmo rio; - e nas que forem paralelas, pela direita do que marchar no sentido da corrente.
 § 2.º O primeiro numero da cada serie (ou seja par ou impar) começará sempre, nas primeiras, do ponto mais proximo ao Douro; nas segundas, no ponto onde começarem, no sentido da corrente; - de modo que naquellas os numeros augmentem afastando-se do rio, e nestas descendo-o.
 
 
Os artigos 14º e 15º traçavam a regulamentação para praças e largos, com a numeração a manter-se consecutiva.
 
 
“Art. 13.º Nos largos a serie de numeração será como até aqui consecutiva, sem separação de numeros pares ou impares, começando pela primeira porta á direita da rua principal, que em cada um desembocar.
 Art. 14.º Os pequenos largos contiguos a outros maiores, e que aproximadamente tenham de commum um quinto da sua circumferencia, considerão-se como parte dos maiores, ficando com igual denominação, e sob a mesma serie de numeros.
§ unico. Neste cazo porém o numero primeiro da serie começará sempre no largo maior.”
 
 
No mesmo Edital era também referenciada uma série de alterações na toponímia, de modo a remediar um número apreciável de incongruências.
Seguem-se, neste âmbito, os mapas elaborados pelo Governo Civil do Porto, com as respectivas alterações.




MAPA Nº 1

Mapa das ruas, largos, travessas e vielas, que prolongando-se com diversas denominações ficam agora reduzidas a uma só.








MAPA Nº 2


Mapa das ruas, largos, travessas e vielas, cujas denominações ficam alteradas para se distinguirem de outras que as tinham idênticas.








MAPA Nº3


Mapa das ruas, largos, travessas e vielas, cujas denominações ficam alteradas, para mais simplificação e facilidade.









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