«A 18 de Agosto de 1833 terminava aquele que
foi um dos mais negros anos da História do Porto: o cerco militar imposto
à cidade pelas tropas absolutistas de D. Miguel. Para trás ficavam quase
treze meses de combates fratricidas, milhares de mortos e feridos, bombardeamentos,
incêndios devastadores, fome, peste… O Porto soubera, no entanto, resistir
e, sem qualquer ajuda do exterior, rompera o Cerco e assegurava a vitória
de D. Pedro e da causa Liberal.
Cerca de 175 anos depois a toponímia
da cidade perpetua a memória desses dias de Heroísmo, Firmeza e Alegria.
Foi um período
decisivo para a História de Portugal, aquele que se viveu entre 8 de Julho
de 1832 e 18 de Agosto de 1833. Caracterizado por Almeida Garrett como o
momento “em que o Portugal velho acaba e o novo começa”, o Cerco do
Porto marcou, com efeito, o início do fim definitivo do absolutismo no nosso
país, assegurando a implantação de um regime liberal e moldando os
destinos do Portugal Contemporâneo. Durante esse ano a cidade do Porto, cercada,
bombardeada, imolada, foi o centro da resistência e das esperanças dos
liberais, reunidos em torno da figura de D. Pedro IV.
Do lado de fora
das barricadas estava o exército do seu irmão, o “usurpador” D. Miguel.
Mas, o que estava em jogo, era muito mais do que um mero conflito entre irmãos.
No campo de batalha digladiavam-se duas concepções completamente opostas
de sociedade. Os “miguelistas” procuravam preservar o velho e conservador
sistema absolutista, no qual o rei, escolhido por desígnio divino, possuía
centrado em si todo o poder absoluto. Os “pedristas” defendiam, por
oposição, um regime assente nos novos ideais liberais que vinham
varrendo a Europa desde as Revoluções Americana e Francesa. Um regime
assente na “Liberdade”, “Igualdade” e “Fraternidade” e no qual o rei era,
não o detentor de um poder absoluto por escolha divina, mas sim um
mediador da sociedade mandatado pelo conjunto dos cidadãos. Embora verdade
estas ideias, haviam triunfado já, no nosso país, na sequência da
Revolução Liberal de 1820, iniciada no Porto. Contudo, um conjunto de
vicissitudes, decorrente do facto de D. Pedro IV se ter envolvido no processo
da Independência brasileira e, por isso, ter abdicado da coroa portuguesa
a favor da sua filha D. Maria, ainda menor, acabou por criar condições
para que o seu irmão, o “absolutista” D. Miguel, a quem ficara confiada a
regência do reino enquanto a rainha não atingisse a maioridade, tivesse
“usurpado” a coroa».
Cortesia de Joel Cleto
Durante meses, os combates, com ganhos pontuais de território de um lado e de outro, vão sucedendo-se.
"Apesar do
terror, dos incêndios, das mortes constantes, dos hospitais repletos de
feridos, da falta de pão e das doenças que alastram pela cidade, o Porto
resiste. Voluntários juntam-se aos soldados veteranos. E morrem ao
seu lado…Entre estes voluntários destacar-se-ão os estudantes de Coimbra.
Em sua homenagem o Largo do Carmo foi rebaptizado, em 1835, como Praça dos
Voluntários da Rainha, designação modificada, já no século XX, para a
actual Praça de Gomes Teixeira. Entre estes voluntários estudantes
contam-se alguns jovens que se converterão em grandes personalidades do
panorama cultural nacional de Oitocentos e, também eles, perpetuados na
toponímia da cidade. Caso da Rua Alexandre Herculano, antiga Rua Nova da Batalha,
ou da Praça Almeida Garrett.
Após a vitória dos
liberais a cidade homenageou os que tombaram na malograda revolta de 16 de Maio
de 1828 e perpetuou o seu sacrifício, atribuindo ao troço da antiga
estrada para Braga, entre a Praça Carlos Alberto e a Praça da República, a
designação de Rua dos Mártires da Liberdade.
Mas a cidade está
repleta de artérias baptizadas com o nome de destacados liberais que
tiveram papel de relevo no Cerco. Caso, entre outros, da Rua Barão de S.
Cosme, que homenageia a figura de João Nepomuceno de Macedo
(1793-1837); a Rua Joaquim António de Aguiar (1792-1874), o famoso
legislador anticlerical que por isso ficaria conhecido por “mata-frades”,
e que pertenceu também ao exército dos “Bravos” do Mindelo; a Rua
Passos Manuel, destacado tribuno que, vindo do exílio em França, se junta
aos liberais em pleno Cerco; a Rua Visconde de Setúbal (antiga Viela das Espinheiras), o
famoso militar alemão João Schwalbach (1774-1847); ou a Rua Duque da
Terceira, dedicada a António
José Severim de Noronha (1792-1860), um dos grandes chefes militares
do Cerco; a Rua do Duque de Saldanha (1790-1876), nome incontornável
da política portuguesa deste período, verdadeiro “Condottiere” à Portuguesa,
começa absolutista e colabora na Vilafrancada,
onde D. Miguel dizima as esperanças dos liberais. Em 1826, já maçónico, dirige
o levantamento do Porto que obriga D. Maria II a aceitar a Carta
Constitucional. Depois passa para os Liberais Radicais até 1835 quando deserta
para os Moderados. Em 1846, dirige a Guerra Civil causada pela Patuleia e
comanda os Cartistas, contra os Radicais (que antes apoiava) que bate com
violência.
Em 1851, com a ajuda
de José Passos, derruba os Cartistas e ajuda a impor a Regeneração que vem dar
origem ao período da Monarquia Constitucional. Tempos depois, acusado de
peculato por uns, detestado pela rainha que preferia Palmela, Saldanha tem ainda tempo para cobiçar a
fortuna de Dona Antónia Ferreira (Ferreirinha).
Assim, o Duque de
Saldanha, então Presidente do Conselho, pretendeu que seu filho, o Conde de
Saldanha, contraísse matrimónio com a filha de tão distinta senhora.
D. Antónia recusou o
convite, embora se sentisse muito honrada, alegando para o efeito a tenra idade
de sua filha, que só tinha onze anos e que também gostaria que fosse ela a
escolher o seu esposo. Pouco depois, em 1854, as duas fugitivas refugiam-se em
Londres e, por lá permanecem, até 1856. quando aí casou, em segundas núpcias,
D. Antónia, com Francisco José da Silva Torres, seu secretário.
Em 1880, ficou novamente viúva.
Voltando ao Duque de
Saldanha em 1870 (com 80 anos), faz um novo golpe (a Saldanhada) que o mantém
no poder até ser afastado por D. Luís. Vai então para Londres, como embaixador,
onde falece em 1876 com 86 anos.
É legítimo, neste
contexto, destacar também a Rua Luz Soriano (1802-1891), que perpetua a
figura do historiador autor da incontornável “História do Cerco do Porto”. Mas,
para lá das individualidades, era de toda a justiça destacar o esforço
colectivo de toda a população da cidade. E, por isso mesmo, e tendo em
conta a forma firme, “o denodo e resignação com que os portuenses
valorosamente resistiram ao apertado sítio de 1832 e 1833”, a Câmara do Porto
anunciará em13 de Junho de 1838 a criação da Rua da Firmeza. Já a Rua
do Heroísmo evoca os episódios que se viveram no decisivo dia 25 de Julho
de 1833 quando, pressionado pela abertura de novas frentes liberais, no
Algarve e em Lisboa, o Marechal de D. Miguel, Luís de Bourmont,
lança contra a cidade um poderosíssimo ataque com todas as suas forças
disponíveis, em várias frentes, de Campanhã à Foz. Foi dos momentos mais
difíceis e cruciais do Cerco mas, após nove horas de intensos combates, os
miguelistas seriam derrotados. A partir daí, e até ao dia 18 de
Agosto, a iniciativa do contra-ataque passou para os liberais que, com
sucessivas vitórias em Gaia, S. Mamede de Infesta (onde se localizava o
principal reduto militar absolutista), Avintes e Valongo, acabam por
romper o Cerco e assegurar a vitória do Porto, de D. Pedro, da
Liberdade e do Liberalismo. No ano seguinte, em 1834, era aberta a Rua da
Alegria, comemorando com alegria a vitória das armas constitucionais”.
Com a devida vénia a Joel Cleto
Na sequência da
Guerra Civil, da qual D. Pedro IV se sagrou vencedor, derrotando e condenando ao
exílio o seu irmão D. Miguel (bisavô do nosso contemporâneo D. Duarte Pio), a
cidade pretendendo homenagear os "gloriosos" acontecimentos, alterou
a toponímia, naquela que foi, presumivelmente, a primeira mudança, significativa, na toponímia.
A maioria desses topónimos caiu, já, em desuso, mas alguns poucos prevaleceram até à actualidade.
Mas sigamos com o
que surge publicado no Periódico dos Pobres no Porto em 20 de
Novembro desse ano.
“A Illm.ª Camara
Municipal desta Cidade com o fim de recordar os dias, nomes, e acontecimentos notaveis
da Guerra porfiosa que cubrio de Gloria esta Cidade heroica, e de guardar um
como monumento desses feitos gloriosos: resolveu em Vereação de 28 de Outubro
passado que as ruas, praças e campos designados na Lista seguinte houvessem
d'ora ávante as denominações ahi declaradas”.
Reorganização da toponímia no ano de 1860 e Reconversão dos nºs de Polícia
Em 20 de Abril de 1860, um Edital publicado na imprensa e em
todos os lugares públicos da cidade, determinava uma reestruturação de parte da
toponímia e, ainda, uma nova identificação dos prédios e casas, no que aos
números de polícia dizia respeito.
A mudança encetada, em 1860, na reorganização da toponímia
da cidade, teve lugar quando foi governador civil do Porto, José Freire de
Serpa Pimentel (1814-1870), o 2º visconde de Gouveia.
Quanto à matéria em apreço, até aquela data, os números de
polícia eram corridos, tendo passado, a partir de então, à fórmula que ainda
hoje vigora; pares de um lado da rua e ímpares do outro lado.
O assunto estava, essencialmente regulamentado, entre o
artigo 7º e 12º.
“Art. 7.º A numeração dos portais dos predios continua a ser
collocada no centro das vergas respectivas, e indicada por uma unica serie de
numeros para cada uma das ruas, largos, travessas e viellas.
Art. 8.º Os portaes que estiverem tapados ou que pertenção a
janellas de pavimentos terreos, que poderem ser reduzidas a portas serão
numerados.
Art. 9.º Para os terrenos dos predios arruinados, ou
pardieiros proprios para edificação, se conservaram os numeros correspondentes,
computando-se um por cada tres métros.
Art. 10.º Nos portais dos predios edificados de futuro em
terrenos, para os quaes se não rezervassem numeros no sentido do artigo
antecedente, será collocado o numero immediatamento anterior, acompanhado de
uma letra, seguindo a ordem alphabetica, conforme a quantidade dos portais.
Art. 11.º Os numeros serão pintados com tinta branca sobre
tarjas de fundo preto, tendo estas, sendo possivel, 29 centimetros de comprimento, e 18 d'altura;
e os algarismos 11 centimetros de altura, conforme o padrão que estará patente
nas respectivas administrações.
Art. 12.º Em cada uma
das ruas, travessas, e viellas, os numeros páres serão colocados do lado
direito, os impares do esquerdo.
§ 1.º O lado direito de uma rua, travessa, ou viella (tanto
aquém, como além Douro) será determinado nas que correrem perpendicular, ou
obliquamento ao rio, pela direita do viandante, que marchar afastando-se do
mesmo rio; - e nas que forem paralelas, pela direita do que marchar no sentido
da corrente.
§ 2.º O primeiro numero
da cada serie (ou seja par ou impar) começará sempre, nas primeiras, do ponto
mais proximo ao Douro; nas segundas, no ponto onde começarem, no sentido da
corrente; - de modo que naquellas os numeros augmentem afastando-se do rio, e
nestas descendo-o.
Os artigos 14º e 15º traçavam a regulamentação para praças e
largos, com a numeração a manter-se consecutiva.
“Art. 13.º Nos largos a serie de numeração será como até
aqui consecutiva, sem separação de numeros pares ou impares, começando pela
primeira porta á direita da rua principal, que em cada um desembocar.
Art. 14.º Os pequenos
largos contiguos a outros maiores, e que aproximadamente tenham de commum um
quinto da sua circumferencia, considerão-se como parte dos maiores, ficando com
igual denominação, e sob a mesma serie de numeros.
§ unico. Neste cazo porém o numero primeiro da serie
começará sempre no largo maior.”
No mesmo Edital era também referenciada uma série de
alterações na toponímia, de modo a remediar um número apreciável de incongruências.
Seguem-se, neste âmbito, os mapas elaborados pelo Governo
Civil do Porto, com as respectivas alterações.
MAPA Nº 1
Mapa das ruas,
largos, travessas e vielas, que prolongando-se com diversas denominações ficam
agora reduzidas a uma só.
MAPA Nº 2
Mapa das ruas,
largos, travessas e vielas, cujas denominações ficam alteradas para se
distinguirem de outras que as tinham idênticas.
MAPA Nº3
Mapa das ruas,
largos, travessas e vielas, cujas denominações ficam alteradas, para mais
simplificação e facilidade.
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