O Rio Frio ou Rio do
Carregal nasce nas proximidades da actual Rua da Torrinha, passa pelo Carregal,
por baixo do Hospital de Santo António, abastece o Chafariz das Virtudes, a
Fonte da Colher e desagua no Rio Douro por baixo da Alfândega Nova.
Hoje está totalmente
encanado, e antigamente antes de chegar ao rio Douro, corria ao longo do areal
da praia de Miragaia.
O topónimo Carregal
deriva da existência de carregas, plantas próprias de terrenos pantanosos.
Rio Frio encanado
Planta de Trant (Planta Redonda, oferecida ao General Nicholas Trant, publicada em Londres em 12 de Agosto de 1813) sobre o sítio do Carregal e imediações
Legenda:
1. Carregal
2. Rua do Carregal
3. Viela do Carregal
4. Rua do Prof.
Jaime Rios de Sousa
5. Beco do Paço
“Toda esta encosta, por onde corre o Ribeiro
Frio, era nos fins do séc. XIV ainda um terreno ermo e baldio, onde os judeus
enterravam os seus mortos. A Alameda das Virtudes foi plantada por ordem do
grande corregedor Francisco de Almada e Mendonça, entre as ruas dos
Fogueteiros, do Calvário de Belomonte e Cordoaria Velha, no lugar onde antes
existiu o Postigo e Torre das Virtudes, na Muralha Fernandina. Fica-lhe junta a
Fonte de nossa Senhora das Virtudes, mencionada em documento de 1580, e que se
chamou também Fonte do Rio Frio…" (Toponímia Portuense de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas)
Rio Frio (a azul) -
Planta de Costa Lima de 1839
Legenda:
1. Carregal
2. Hospital de Santo
António
3. Leito futuro da
continuação da Rua da Restauração
4. Rua do Rosário
5. Torre da Marca
6. Rua dos Quartéis
7. Rua do Carmo
8. Alameda das
Virtudes
Há quem diga que o
topónimo “Virtudes” deriva da fonte monumental, construída em 1619, em forma
de retábulo. A fonte das Virtudes é assim denominada porque, segundo uma antiga
tradição, corroborada por Francisco da Fonseca Henriques, médico de D. João V,
no livro Aquilégio Medicinal, que publicou em 1716, a sua água
tinha «a rara virtude» de curar várias moléstias e, por isso, era procurada por
gente não apenas do Porto mas também das redondezas. Porém, já em 1376 esse
topónimo existia, e foi associado à muralha fernandina e a um dos seus postigos
e, posteriormente, a uma porta (Porta das Virtudes) que seria demolida
em 1801 "para desafogo e
enobrecimento do sítio".
É portanto lícito,
pensar-se, que o topónimo “Virtudes” será muito mais antigo, mas impossível de
ser associado ao que quer que seja.
“ No ano de 1619 mandou a Câmara Municipal erguer uma fonte – a Fonte do Rio Frio, que mais tarde veio a chamar-se Fonte das Virtudes – para o ádito da qual, mandou, igualmente, abrir uma rua que, por se apresentar sobremaneira declivosa, ficou a denominar-se Calçada… das Virtudes. Foi a fonte mais aparatosa e mais imponente que teve o Porto. O seu frontispício elegantíssimo e de linda arquitectura, termina num meio círculo interrompido pelas armas reais, e entre esta pedra armorial e uma inscrição, tem dois castelos em alto-relevo, divididos por uma edícula, onde esteve a imagem da Virgem – pelo povo conhecida por Senhora das Virtudes – que representava, com os ditos castelos, as armas da cidade".
In Toponímia Portuense de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas
A inscrição feita em mármore, na fonte, hoje ilegível, tem o seguinte texto de Pantaleão de Seabra e Sousa, poeta insigne do seu tempo e fidalgo da casa real:
“aqui flui a
fonte dita das Virtudes: quem tiver sede já pode beber sem receio. Estas águas
nasciam de uns penedos cavernosos, e andavam por aqui perdidas em charcos
imundos e sombrios. A Câmara Municipal as expôs como vedes, fazendo esta
majestosa fábrica e, para lhe dar maior realce, abriu esta estrada e fez estes
assentos no ano de 1619”.
Fonte: O Tripeiro
Série V, Ano XV
“A estrada a que
o poeta se refere era a alameda chamada das Virtudes. Nos séculos XVII e XVIII,
o espaço hoje denominado Calçada das Virtudes estava, efetivamente,
transformado em alameda e era um dos mais animados locais do Porto, por onde
passavam as mais lindas mulheres daqueles tempos. Era também, especialmente ao
cair das tardes amenas de verão, ponto de reunião obrigatório de juízes da
Relação; mercadores de "grosso trato"; fidalgos ociosos; frades
"alambicados" e poetas improvisadores.
Um desses poetas
ficou célebre na crónica portuense. Chamava-se João Sucarello Claramonte e
exercia a profissão de médico. Era um dos mais assíduos na alameda das
Virtudes, onde, com seus madrigais, derriçava as raparigas que iam encher os
cântaros a uma das bicas da fonte. Ficou célebre uma dessas moças, a quem
Sucarrello dedicava especial atenção e que era conhecida pela
"Corcoz".
Era tão numerosa,
naquela época, a afluência à alameda das Virtudes de cadeirinhas, mas também de
trens e carruagens, que houve necessidade de alargar o postigo da Muralha
Fernandina para que aqueles meios de transporte pudessem passar sem
dificuldade. Transformaram-no em porta”.
Com a devida vénia a Germano Silva
Inscrição de
impossível leitura actualmente na Fonte das Virtudes - Ed. Isabel Silva
Bicas da Fonte das Virtudes -
Ed. Isabel Silva
Foto antiga da Fonte
das Virtudes
Na foto acima em plano baixo, vêem-se as duas carrancas de
pedra que faziam de bicas, assim como o lajeado polido que servia de fundo ao
tanque.
Pinho Leal, no seu
livro Portugal Antigo e Moderno, refere:
“causa dó uma
obra de tanto preço votada ao abandono, pois há muito que o público não faz uso
da água desta fonte, preferindo, por maior comodidade, a do Chafariz das
Taipas, cuja água já pertence ao manancial de Paranhos e não do Rio Frio; e
mesmo porque a das Virtudes era mal saborosa. Lá se conservam ainda os dois
tanques das lavadeiras, aumentando progressivamente o número destas com o
desenvolvimento da cidade.
Depois das
Fontainhas, são estes os lavadouros públicos de maior movimento que há hoje
(1875) no Porto".
Alberto Pimentel a propósito da Fonte das Virtudes, numa cena do seu romance ”O Anel Misterioso”, passada em 1810, conta-nos:
“Cumpre dizer que na primeira década do seculo XIX era ainda a Fonte das Virtudes o local destinado ás comezainas das familias burguezas do Porto. Ahi se reuniam em ruidosos convivios, deposta a mantilha, e irmanados novos e velhos pelo mesmo apetite e pela mesma alegria.
O camartello das
demolições municipaes tem—avis rara!—respeitado até hoje esta legendaria fonte
que se compõe d'um alto frontispicio, ornado de pyramides, e firmado em bancos
de pedra, que a rodeiam. Rebenta abundantemente a agua por duas enormes
carrancas em conformidade com a esculptura de todos os chafarizes antigos.
Ladeiam a fonte dois grandes tanques, durante todo o dia, ainda hoje,
frequentados por lavadeiras. N'esses bons tempos, ficava a fonte extra muros;
sahia-se para ella pela porta a que a fonte deu nome. Ao lado da porta, na
eminencia da parte oriental, havia já então os chamados Assentos,
actualmente Passeio das Virtudes.
O padre Agostinho
Rebello da Costa, na sua Descripção topographica e historica da cidade do
Porto, impressa em 1789, escreve ácerca d'este local: «Em toda a cidade, não ha
sitio nem mais ameno, nem mais agradavel; porque além da sua bella posição
adornada de regulares edificios, gozam os olhos d'um só golpe, vista de cidade,
de mar, rio, navios, montes, campinas, quintas e palacios. O grande paredão,
que presentemente se está fazendo, para com elle se formar uma praça
correspondente á belleza, e magnificencia d'esta agradavel situação, será um
monumento eterno do patriotico zelo que Rodrigo Antonio de Abreu e Lima,
cavalleiro professo na ordem de S. Thiago, inspector da marinha do Douro,
administrador geral dos portos seccos das trez provincias do Norte, e actual
juiz da alfandega, mostrou em obrigar o senado da camara a fazer esta obra
interessantissima á regia utilidade, e recreio publico”.
A Fonte das Virtudes
actualmente - Ed. Isabel Silva
Pela foto acima se
pode observar que o escudo nacional que encima a fonte não apresenta no seu
cume a habitual coroa real.
Segundo alguns,
porque teria sido destruída numa curva da história e, segundo outros, para uma
hipótese mais plausível que apontaria para a eventualidade da coroa nunca ter
existido, pelo facto, de que, quando a fonte foi levantada, estarmos sob o
domínio dos Filipes.
Uma outra ausência
notada era para a inexistência de um tanque de recolha da água das bicas, que
teria sido demolido há muito.
Desde pelo menos o
séc. XIV os portuenses aproveitavam os dias amenos para se deleitarem com as
belas paisagens deste local.
Ainda durante a
existência da muralha, o corredor que por aí se desenvolvia exteriormente,
junto a ela, era conhecido pelo Caminho
e, mais tarde, seria conhecido por Rua
do Calvário (actual Rua Dr. Barbosa de Castro que foi um presidente da
Câmara).
Aquele “Calvário”
era o novo para o distinguir do velho, que ficava na hoje Praça Guilherme Gomes
Fernandes.
Dado o agrado dos
habitantes daquela zona, a Câmara mandou abrir, em 1682, um recinto espaçoso
destinado a passeio público. No início esse recinto ficava adjacente a um
arruamento chamado de Rua dos
Torcedores dos Assentos das Virtudes.
Em 1788, o inspetor da Marinha do Douro, Rodrigo António de Abreu e Lima, começou a construir um alto paredão (o das Virtudes), que pouco depois de ficar concluído ruiu estrondosamente.
Em 1788, o inspetor da Marinha do Douro, Rodrigo António de Abreu e Lima, começou a construir um alto paredão (o das Virtudes), que pouco depois de ficar concluído ruiu estrondosamente.
Todavia, por ordem
do Corregedor Francisco de Almada e Mendonça (1757-1804), foi reconstruído no
começo do século XIX e, é, o que ainda hoje, existe. Por esta altura foi
demolida a Porta das Virtudes, como atrás se disse.
“A partir desse momento, esse paredão passou
a ser o suporte de uma varanda que passaria a ser um miradouro sobre o rio e,
para a consolidação do mesmo, foi feito o entulhamento de todo o espaço que
ficava entre o dito paredão e a Muralha Fernandina. Não tardou, por isso, que
começassem a ser construídas casas na parte poente da antiga Rua do Calvário,
hoje Rua do Dr. Barbosa de Castro. Com uma curiosidade: a maior parte das
casas que se iam construindo tinham duas frentes, uma voltada para a rua, outra
para a alameda das Virtudes. Foi o caso, por exemplo da casa onde, a 4 de fevereiro
de 1799, nasceu João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett, efeméride
evocada na fachada do prédio por uma artística lápide”.
Com a devida vénia a
Germano Silva
Paredão de suporte
do Passeio das Virtudes
Texto sobre O Passeio
das Virtudes em O Tripeiro
Passeio das Virtudes
com 3 entradas, gradeado à direita (Nascente)
À esquerda observa-se o gradeamento que vedava o Passeio das Virtudes
Horácio Marçal
afirma, em O Tripeiro Série V, Ano XV que:
“Em Novembro de 1853 o largo fronteiro (ao prédio onde mais tarde esteve o Clube Inglês) foi todo aplanado na sua superfície e resguardado, nos lados Norte e Poente, por um gradil de ferro que subsiste”.
Na mesma
revista se descreve a foto acima, da seguinte forma:
“É do Passeio das
Virtudes a fotografia que O Tripeiro apresenta no seu número de Maio (de 1948).
Arborizado, como se vê na fotografia, tinha pelo Nascente um gradeamento de
ferro, com três entradas, que à noite se encerravam. Pelo Poente e Norte tinha
o gradeamento, que conserva ainda hoje, e parece ter sido ali colocado a fim de
evitar sucessivos e trágicos acidentes, que a altura da sua muralha tornava
propícios. Com o gradeamento acabou-se a cisma, e ainda bem… Era este recinto
pouco cuidado e limpo e, o que era pior permitia-se que por ali estagiassem
vadios e mendigos, catando-se e dormindo por aqueles bancos, o que era de um
efeito bastante desagradável. Modernamente foi ajardinado, sofrendo várias
modificações que tornaram o local um pouco mais aprazível, o que já não era sem
tempo”.
O Passeio das
Virtudes em 1948
A foto anterior é de
1948, e nela pode ver-se o novo ajardinamento deste passeio e, que, já não
existem as grades e portões de Nascente.
O Passeio das
Virtudes acabaria também por ser, Alameda
das Virtudes e Largo da
Bateria das Virtudes. Este topónimo, por causa de uma trincheira
(bateria) que os liberais ali montaram durante o Cerco do Porto.
Horácio Marçal, em
1959 afirma ainda que:
”Desde há
compridos anos que o passeio das Virtudes, já não falando da área fundeira onde
permanecem as ruínas da fonte – que essa, infelizmente encontra-se num estado
calamitoso – deixou de ser frequentado pelas famílias gradas cá da nossa terra.
Está, pode dizer-se, num abandono verdadeiramente confrangedor”.
O gradeamento na actualidade
Passeio das Virtudes actualmente
Escultura no Passeio
das Virtudes
Escultura da foto
acima representa “Os 4 Cavaleiros do Apocalipse” (1965), e é uma obra do
escultor Gustavo Bastos.
Panorama obtido a
partir do Passeio das Virtude sobre a cidade e o rio
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