segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

(Continuação 12)

Perante este cenário, o cemitério público municipal do Prado do Repouso não podia, mesmo, engrandecer-se. Várias vezes as autoridades civis tentaram acabar com o privilégio de enterramento privativo das Ordens, mas sem sucesso. Em 1851 deram-se até graves tumultos por esse motivo.
O Cemitério do Prado do Repouso foi, assim, o primeiro cemitério público da cidade do Porto.
Nos finais do século XVI, o Bispo Dom Frei Marcos de Lisboa mandou construir uma brévia na Quinta do Prado, outrora no Couto de Campanhã. A quinta foi remodelada em meados do século XVIII, pelo Bispo Dom Tomás de Almeida. Pelo 2º quartel do século XIX, Dom João de Magalhães e Avelar cedeu parte dos seus terrenos para a construção da cerca do Seminário Episcopal. A 13 de Dezembro de 1838, o mesmo Prelado doou o que restava da Quinta para a construção do Cemitério Oriental da Cidade, hoje Cemitério do Prado do Repouso, quando à frente da edilidade estava Luciano Simões de Carvalho. O Cemitério foi inaugurado a 01 de Setembro de 1839 e a cerimónia de abertura centrou-se na transladação dos restos mortais de Francisco de Almada Mendonça, que tinha sido provedor da Santa Casa, entre 1794 e 1804, da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto para o novo cemitério.
Junto às ruínas do Seminário, edificou-se, apesar do projecto nunca ficar concluído, a capela do Repouso.
Para o largo aberto junto aos moinhos, no contacto entre a parte sul da quinta do Prado, da quinta do Reimão e da quinta da Fraga, onde acabavam as ruas de Gomes Freire e de S. Vítor, levantou-se a porta sul do cemitério. Foi junto a essa porta que e defronte da capela do Repouso que ficaram os restos mortais de Francisco de Almada e Mendonça.



Avenida principal do Prado do Repouso em 1905 - Ed. Photo Guedes



O Cemitério do Prado do Repouso integra uma das melhores colecções em Arquitectura e Escultura existentes na Cidade do Porto, reunindo obras da autoria de Soares dos Reis e Teixeira Lopes.
Destaca-se a capela do cemitério, restos da inacabada Igreja de São Vítor, o mausoléu de Francisco Almada e Mendonça, a capela de Delfim Ferreira, o cruzeiro do antigo Mosteiro de S. Bento da Ave-Maria, e o ossário das freiras do antigo Convento de S. Bento da Ave-Maria, entre os muitos monumentos.



“O dono do terreno escolhido para instalar o cemitério, o bispo D. Manuel de Santa Inês, não cedeu de bom grado o espaço que lhe pertencia. Depois, a obra não atraiu interessados e acabou por ser um mestre-de-obras da própria câmara, Luciano Simões de Carvalho, a tomar conta do projecto. E, por fim, as pessoas não se convenciam da bondade de serem enterradas assim, em terreno descoberto. Num artigo publicado n’O Tripeiro, em 1997, o geógrafo José A. Rio Fernandes, diz que a inauguração do cemitério foi mesmo motivo de uma reunião extraordinária da Câmara do Porto, onde se decidiu que a melhor forma de cativar as boas gentes da cidade para esta nova forma de dispor dos mortos era trasladar para o Prado do Repouso alguém ilustre.
A escolha recaiu sobre Francisco de Almada e Mendonça, filho de João de Almada, um dos responsáveis pelo planeamento urbanístico que mudou a cidade e que fora também provedor da Santa Casa da Misericórdia. A 1 de Setembro de 1839, o cortejo com os restos mortais do primeiro ocupante do Prado do Repouso atravessou a cidade, da Igreja da Misericórdia, na Rua das Flores, até ao novo cemitério, marcando a sua inauguração oficial. 
Ainda seriam precisos alguns anos para que os portuenses se habituassem ao seu cemitério, mas o Prado do Repouso foi-se transformando, aos poucos, num espaço que já não era só para enterrar os mortos, mas onde estes se faziam lembrar através de obras de arte encomendadas a Soares dos Reis ou Teixeira Lopes". 
Com a devida vénia a Patrícia Carvalho



Em 1855, a situação dos cemitérios no Porto alterou-se radicalmente, devido à grande epidemia de cólera. As autoridades civis conseguiram fechar os cemitérios privativos que não tinham condições e, paralelamente, mandaram construir, de forma apressada, um novo cemitério municipal: Agramonte.


“A 2 de Agosto de 1832, por motivos de ordem estratégica D. Pedro IV deu ordem para queimar e arrasar a importante casa de campo, muros e árvores da bela quinta de Agramonte, uma das mais formosas e produtivas dos subúrbios do Porto. D. Pedro foi pessoalmente levar a notícia, à viúva de Joaquim Pinho de Sousa e apresentar-lhe as suas desculpas, e assegurar-lhe que seria a primeira a ser indemnizada pelo seu justo valor logo que as circunstâncias o permitissem. Afinal parece que tal nunca sucedeu, apesar de repetidos requerimentos do tutor dos menores. Continuou um monte inculto até ser expropriado, em 1855, por uma quantia “miserável” para se construir um cemitério.” 
Texto coligido por Jorge Rodrigues.



O cemitério foi benzido em 2 de Setem­bro de 1855 e desde logo ficou pronto a ser utilizado. O primeiro cadáver que lá foi enterrado foi o de uma mulher da fregue­sia de Mafamude, em Gaia, chamada Ma­ria Rosa. Tinha 50 anos, era solteira e mor­reu de uma febre tifóide. 
A Capela Geral do Cemitério de Agramonte, cuja construção foi aprovada pela Câmara Municipal do Porto em 24 de Maio de 1866, substituiu a capela original que era de madeira e existia desde a inauguração do Cemitério no ano de 1855. 
A planta da dita capela é da autoria do eng. Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa, Director e professor do Instituto Industrial do Porto. As obras de construção iniciaram-se em 1870/71, sendo inaugurada em 1874. Esta capela foi posteriormente alterada relativamente à capela-mor, que ficou com configuração redonda, saliente em relação ao edifício. Deve assinalar-se que o projecto da capela-mor, para ampliação da Capela, é da autoria do arquitecto José Marques da Silva e datado de 22 de Fevereiro de 1906.
No cemitério são de admirar diversos jazigos, entre os quais o dedicado às vítimas do incêndio do Teatro Baquet em 1888 e o mausoléu do Conde de Ferreira da autoria de Soares dos Reis. Também aqui se encontra o jazigo da família Santos Dumont, onde se encontra sepultada a mãe do famoso aeronauta, Francisca de Santos Dumont.


Monumento às vítimas do incêndio do Teatro Baquet



Conde de Ferreira


O cemitério de Agramonte em finais do século XIX, tornou-se o modelo preferido para os cemitérios mais pequenos da cidade do Porto e arredores, sobretudo pelo facto de prestigiadas Ordens Terceiras da cidade terem estabelecido ali os seus cemitérios privativos (Carmo, Trindade e S. Francisco), que rapidamente se encheram de belos monumentos. Sendo assim, os cemitérios do Prado do Repouso e Agramonte são também verdadeiros "museus da morte".
Após a epidemia de 1855, todos os cemitérios das Irmandades acabaram por ser reabertos, embora fosse já, cada vez menos consensual, a manutenção daqueles que não tinham condições.
Num processo longo e difícil, cada Irmandade foi negociando com a Câmara do Porto a aquisição de secções privativas nos cemitérios municipais, tendo sido a Misericórdia do Porto a primeira a fazê-lo, adquirindo terreno no Prado do Repouso para esse efeito. No Prado do Repouso também foram depois construídas as secções privativas da Ordem do Terço e da Caridade e da Confraria do Santíssimo Sacramento de Santo. Ildefonso.
Com a reestruturação do Cemitério de Agramonte, em 1869, as outras Ordens da cidade estabeleceram também ali os seus cemitérios privativos. Dos cemitérios católicos privativos já existentes, só os da Lapa e do Bonfim se mantiveram em local próprio, porque, apesar de não serem públicos, eram já cemitérios com concepções urbanísticas modernas (sobretudo o da Lapa), em locais elevados e razoavelmente afastados de habitações. Note-se que, no Porto, existem actualmente oito cemitérios ou secções privativas em funcionamento, o que é caso único no país.



Funerais

 “Uma das coisas que contribui para a melancolia do Porto é o antigo costume dos enterros à noite; este uso, especialmente de Inverno, dá uma impressão tristíssima a quem não estiver habituado a ele. Ao anoitecer, disfruta-se muitas vezes na Praça D. Pedro um espectáculo deveras lúgubre: os sinos dos Congregados dobram, atroando os ares; dentro da Igreja, grande quantidade de pessoas até à porta, com tochas acesas, assiste aos responsos; rapazinhos do Colégio dos Órfãos com seus trajes eclesiásticos, entoam cânticos fúnebres; a eça elevada deixa distinguir, mesmo da rua, o cadáver deitado no caixão, que tem as paredes desengonçadas para os lados; na rua a berlinda espera o corpo para o conduzir ao cemitério; na praça, olhando para o lado de Santo António ou para o dos Clérigos, vemos enterros subindo pelas acidentadas ruas e, à distância, o aspecto das duas longas fileiras de tochas, mexendo e treme tremeluzindo, dão-nos a impressão de que aqueles tristes cortejos têm pressa de desaparecer para sempre na eternidade. Os caixões das crianças, quer sejam conduzidos em berlinda, quer sejam levados à mão, têm sempre a tampa aberta, vendo-se o “anjinho” enfeitado de flores e muitas vezes deitado sobre grande quantidade de amêndoas e confeitos! Numa ocasião acompanhámos um enterro a pé, como são quase todos, ao Cemitério do Repouso; a noite estava chuvosa, relampejava, quando atravessamos a rua principal, por entre as duas filas de túmulos, e assistimos ao acto profundamente tétrico de meter o caixão na cova à luz de tochas, julgámo-nos transportados ao Hamlet de Shakespeare, lembrando-nos com saudade do nosso grande actor António Pedro, que tão magistralmente desempenhava o papel de coveiro.
Os enterros de dia são raros. Os cemitérios do Porto são verdadeiros jardins com grande abundância de mimosas flores, muito bem cuidados, numa ordem e asseio irrepreensíveis e possuindo artísticos e grandiosos mausoléus. As coisas fúnebres, parece não incomodarem muito os portuenses; pois se até há bilhetes postais ilustrados com vistas de ruas de cemitérios! Francamente achamos a ideia extravagante. Quem escreverá nestes postais? Talvez algum genro a saber notícias da saúde da sogra..."
Texto de um visitante sulista, In O Tripeiro Volume 2, 20/5/1910 



Carro funerário da Santa Casa da Misericórdia do Porto (1899) – Ed. Aurélio da Paz dos Reis



Carro funerário (1899) – Ed. Foto Guedes



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