Perante este
cenário, o cemitério público municipal do Prado do Repouso não podia, mesmo,
engrandecer-se. Várias vezes as autoridades civis tentaram acabar com o
privilégio de enterramento privativo das Ordens, mas sem sucesso. Em 1851
deram-se até graves tumultos por esse motivo.
O Cemitério do Prado
do Repouso foi, assim, o primeiro cemitério público da cidade do Porto.
Nos finais do século
XVI, o Bispo Dom Frei Marcos de Lisboa mandou construir uma brévia na Quinta do
Prado, outrora no Couto de Campanhã. A quinta foi remodelada em meados do
século XVIII, pelo Bispo Dom Tomás de Almeida. Pelo 2º quartel do século XIX,
Dom João de Magalhães e Avelar cedeu parte dos seus terrenos para a construção
da cerca do Seminário Episcopal. A 13 de Dezembro de 1838, o mesmo Prelado doou
o que restava da Quinta para a construção do Cemitério Oriental da Cidade, hoje
Cemitério do Prado do Repouso, quando à frente da edilidade estava Luciano
Simões de Carvalho. O Cemitério foi inaugurado a 01 de Setembro de 1839 e a
cerimónia de abertura centrou-se na transladação dos restos mortais de
Francisco de Almada Mendonça, que tinha sido provedor da Santa Casa, entre 1794
e 1804, da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto para o novo cemitério.
Junto às ruínas do
Seminário, edificou-se, apesar do projecto nunca ficar concluído, a capela do
Repouso.
Para o largo aberto
junto aos moinhos, no contacto entre a parte sul da quinta do Prado, da quinta
do Reimão e da quinta da Fraga, onde acabavam as ruas de Gomes Freire e de S.
Vítor, levantou-se a porta sul do cemitério. Foi junto a essa porta que e
defronte da capela do Repouso que ficaram os restos mortais de Francisco de
Almada e Mendonça.
Avenida principal do
Prado do Repouso em 1905 - Ed. Photo Guedes
O Cemitério do Prado
do Repouso integra uma das melhores colecções em Arquitectura e Escultura
existentes na Cidade do Porto, reunindo obras da autoria de Soares dos Reis e
Teixeira Lopes.
Destaca-se a capela
do cemitério, restos da inacabada Igreja de São Vítor, o mausoléu de Francisco
Almada e Mendonça, a capela de Delfim Ferreira, o cruzeiro do antigo Mosteiro
de S. Bento da Ave-Maria, e o
ossário das freiras do antigo Convento de S. Bento da Ave-Maria, entre os
muitos monumentos.
“O dono do terreno escolhido para instalar o
cemitério, o bispo D. Manuel de Santa Inês, não cedeu de bom grado o espaço que
lhe pertencia. Depois, a obra não atraiu interessados e acabou por ser um
mestre-de-obras da própria câmara, Luciano Simões de Carvalho, a tomar conta do
projecto. E, por fim, as pessoas não se convenciam da bondade de serem
enterradas assim, em terreno descoberto. Num artigo publicado n’O Tripeiro, em
1997, o geógrafo José A. Rio Fernandes, diz que a inauguração do cemitério foi
mesmo motivo de uma reunião extraordinária da Câmara do Porto, onde se decidiu
que a melhor forma de cativar as boas gentes da cidade para esta nova forma de
dispor dos mortos era trasladar para o Prado do Repouso alguém ilustre.
A escolha recaiu sobre Francisco de Almada e
Mendonça, filho de João de Almada, um dos responsáveis pelo planeamento
urbanístico que mudou a cidade e que fora também provedor da Santa Casa da
Misericórdia. A 1 de Setembro de 1839, o cortejo com os restos mortais do
primeiro ocupante do Prado do Repouso atravessou a cidade, da Igreja da
Misericórdia, na Rua das Flores, até ao novo cemitério, marcando a sua
inauguração oficial.
Ainda seriam precisos alguns anos para que os
portuenses se habituassem ao seu cemitério, mas o Prado do Repouso foi-se
transformando, aos poucos, num espaço que já não era só para enterrar os
mortos, mas onde estes se faziam lembrar através de obras de arte encomendadas
a Soares dos Reis ou Teixeira Lopes".
Com a devida vénia a
Patrícia Carvalho
Em 1855, a situação
dos cemitérios no Porto alterou-se radicalmente, devido à grande epidemia de
cólera. As autoridades civis conseguiram fechar os cemitérios privativos que
não tinham condições e, paralelamente, mandaram construir, de forma apressada,
um novo cemitério municipal: Agramonte.
“A 2 de Agosto de
1832, por motivos de ordem estratégica D. Pedro IV deu ordem para queimar e
arrasar a importante casa de campo, muros e árvores da bela quinta de
Agramonte, uma das mais formosas e produtivas dos subúrbios do Porto. D. Pedro
foi pessoalmente levar a notícia, à viúva de Joaquim Pinho de Sousa e
apresentar-lhe as suas desculpas, e assegurar-lhe que seria a primeira a ser
indemnizada pelo seu justo valor logo que as circunstâncias o permitissem.
Afinal parece que tal nunca sucedeu, apesar de repetidos requerimentos do tutor
dos menores. Continuou um monte inculto até ser expropriado, em 1855, por uma
quantia “miserável” para se construir um cemitério.”
Texto coligido por
Jorge Rodrigues.
O cemitério foi benzido em 2 de Setembro de 1855 e desde
logo ficou pronto a ser utilizado. O primeiro cadáver que lá foi enterrado foi
o de uma mulher da freguesia de Mafamude, em Gaia, chamada Maria Rosa. Tinha
50 anos, era solteira e morreu de uma febre tifóide.
A Capela Geral do
Cemitério de Agramonte, cuja construção foi aprovada pela Câmara Municipal do
Porto em 24 de Maio de 1866, substituiu a capela original que era de madeira e
existia desde a inauguração do Cemitério no ano de 1855.
A planta da dita
capela é da autoria do eng. Gustavo Adolfo Gonçalves e Sousa, Director e
professor do Instituto Industrial do Porto. As obras de construção iniciaram-se
em 1870/71, sendo inaugurada em 1874. Esta capela foi posteriormente alterada
relativamente à capela-mor, que ficou com configuração redonda, saliente em
relação ao edifício. Deve assinalar-se que o projecto da capela-mor, para
ampliação da Capela, é da autoria do arquitecto José Marques da Silva e datado
de 22 de Fevereiro de 1906.
No cemitério são de admirar diversos jazigos, entre os quais
o dedicado às vítimas do incêndio do Teatro Baquet em 1888 e o mausoléu do
Conde de Ferreira da autoria de Soares dos Reis. Também aqui se encontra o
jazigo da família Santos Dumont, onde se encontra sepultada a mãe do famoso
aeronauta, Francisca de Santos Dumont.
Monumento às vítimas do incêndio do Teatro Baquet
Conde de Ferreira
O cemitério de
Agramonte em finais do século XIX, tornou-se o modelo preferido para os
cemitérios mais pequenos da cidade do Porto e arredores, sobretudo pelo facto
de prestigiadas Ordens Terceiras da cidade terem estabelecido ali os seus
cemitérios privativos (Carmo, Trindade e S. Francisco), que rapidamente se
encheram de belos monumentos. Sendo assim, os cemitérios do Prado do Repouso e
Agramonte são também verdadeiros "museus da morte".
Após a epidemia de
1855, todos os cemitérios das Irmandades acabaram por ser reabertos, embora
fosse já, cada vez menos consensual, a manutenção daqueles que não tinham
condições.
Num processo longo e
difícil, cada Irmandade foi negociando com a Câmara do Porto a aquisição de
secções privativas nos cemitérios municipais, tendo sido a Misericórdia do
Porto a primeira a fazê-lo, adquirindo terreno no Prado do Repouso para esse
efeito. No Prado do Repouso também foram depois construídas as secções privativas
da Ordem do Terço e da Caridade e da Confraria do Santíssimo Sacramento de Santo.
Ildefonso.
Com a reestruturação
do Cemitério de Agramonte, em 1869, as outras Ordens da cidade estabeleceram
também ali os seus cemitérios privativos. Dos cemitérios católicos privativos
já existentes, só os da Lapa e do Bonfim se mantiveram em local próprio,
porque, apesar de não serem públicos, eram já cemitérios com concepções
urbanísticas modernas (sobretudo o da Lapa), em locais elevados e razoavelmente
afastados de habitações. Note-se que, no Porto, existem actualmente oito
cemitérios ou secções privativas em funcionamento, o que é caso único no país.
Funerais
Os enterros de
dia são raros. Os cemitérios do Porto são verdadeiros jardins com grande
abundância de mimosas flores, muito bem cuidados, numa ordem e asseio
irrepreensíveis e possuindo artísticos e grandiosos mausoléus. As coisas
fúnebres, parece não incomodarem muito os portuenses; pois se até há bilhetes
postais ilustrados com vistas de ruas de cemitérios! Francamente achamos a
ideia extravagante. Quem escreverá nestes postais? Talvez algum genro a saber
notícias da saúde da sogra..."
Texto de um visitante sulista, In O Tripeiro Volume 2, 20/5/1910
Carro funerário da Santa Casa da Misericórdia do Porto (1899) – Ed. Aurélio
da Paz dos Reis
Carro funerário (1899) – Ed. Foto Guedes
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