quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

(Continuação 8) - Actualização em 12/09/2018 e 16/09/2020

11.7 Matadouros


Em tempos muito antigos houve no Porto três açougues que funcionavam muito perto uns dos outros, no espaço hoje ocupado pelo Largo do Dr. Pedro Vitorino, junto à Sé.
Um era o açougue Real, onde se abatia o gado cuja carne se destinava ao consumo da cidade e que ficava sensivelmente a meio da Rua de S. Sebastião, onde agora está a reconstituição da primeira instalação da Câmara, da autoria do arquitecto Fernando Távora; o açougue do Bispo, destinado a abaste­cer unicamente o paço episcopal e o cabido, ou seja os cónegos; e o açougue dos Judeus, muito especial, porque aqui o abate do gado tinha que obedecer a um ritual muito especial.
Segundo Magalhães Basto:


“…A Rua das Aldas vinha na continuação da rua da Penha ou da Pena Ventosa que, por sua vez, começava na Rua de S. Sebastião e ia pela Rua Francisca até ao Largo do Açougue Real. Antes de ser Açougue Real foi, Açougue do Castelo e Açougue da Cidade. Hoje a área em questão, corresponde ao Largo do Dr. Pedro Vitorino”.


Há documentos em que se prova que já no século XIII funcionava no burgo, um açougue ou matadouro eclesiástico que a partir do século XVI, passou a ser administrado pela Câmara.
Junto da Sé chegaram a funcionar, portanto, 3 matadouros: o Matadouro Real que servia a população da cidade, o do Bispo e o dos Judeus com um ritual muito próprio.
Em 1576, os jesuítas instalados no Seminário Maior, puseram em causa o funcionamento do matadouro por causa dos maus cheiros. Em 1584 foi pela vereação decidido, transferir o matadouro para fora do Postigo do Sol, junto do actual Largo Actor Dias.
Entre as Ruas das Fontainhas e do Sol, perto da Porta do Sol, funcionaram depois os matadouros, chamando-se outrora ao local, Vale da Asna.
Por isso, não é de estranhar que por aí tenha existido uma Viela das Tripas
O abate de animais acabaria por ser "empurrado" mais para os lados das Fontainhas, vindo a ocupar o local, onde mais tarde, foi instalado o Asilo de Mendicidade.
No último quartel do século XVIII o matadouro já estaria por estas bandas.
Um outro local onde funcionou o matadouro da Câmara até 1923, foi no edifício que ainda existe e que se situava na Rua de S. Diniz, e teve diversas funções posteriormente, sendo talvez a mais relevante, servir de parque de estacionamento para as viaturas de recolha do lixo. Actualmente, ainda lá se encontra a Direcção de Ambiente da C.M. do Porto.
Antes de o Matadouro da Câmara ter ido para a Rua de S. Dinis, chegou a funcionar no local onde esteve o Asilo de Mendicidade ao fundo da Rua das Fontainhas.
Esta zona da cidade associada ao abate de animais e a algumas oficinas de curtumes, na sua envolvente, bem como os maus cheiros que essas actividades exalavam, levaram ao abandono da Alameda das Fontainhas, por parte dos portuenses que até aí a usavam como palco de muitos passeios desfrutando da vista sobre o Douro.
É sabido por outro lado que, a Rua de Serpa Pinto foi rasgada entre 1837 e 1844, a fim de ligar a Ramada Alta e o Matadouro Municipal.


“Este matadouro foi inaugurado em 1 de Janeiro de 1844, deixando por resolução de 15 de Novembro de 1843 de se deixar de fazer abates no matadouro das Fontainhas.
Em Abril de 1874, haveria de ser tomada a decisão de ampliar o edifício do Matadouro de Paranhos”.
Fonte Horácio Marçal In S. Veríssimo de Paranhos



Antigo Matadouro de S. Dinis, depois canil – Ed. J. Portojo



Acontece que, no ano de 1854, Joaquim Ribeiro Faria Guimarães que fazia parte da comissão de cidadãos portuenses, que tinha pugnado pela instalação do Asilo de Mendicidade na antiga Praça da Alegria e, nessa qualidade, ofereceu gratuitamente todos os tubos de ferro que foram necessários para encanar a água desde a fonte da Rua das Fontainhas até aquele asilo.
O Asilo de Mendicidade que foi instituído por D. Maria II em 1838, só seria inaugurado em 1846.
Começou por funcionar no palacete do visconde de Veiros, que ficava na actual Rua do Melo, na chamada Quinta da Boavista ou das Águas Férreas, e mudou-se depois para as Fontainhas, destinando-se aos mendigos e abandonados.


“Mas vai ser como provedor do Asilo de Mendicidade (às Fontainhas), enquanto membro do Conselho Filial de Beneficência, que José Joaquim Leite Guimarães que se tinha fixado no Porto em 1858, se vai tornar notado, conseguindo acabar e pondo a funcionar uma obra que se arrastava indefinidamente (o que lhe valeu o título de barão de Nova Cintra).
(…) Problemas com a Câmara Municipal na cedência do terreno junto ao Asilo de Mendicidade levaram a que agisse por sua única iniciativa, comprasse o terreno na rua da China, e erguesse o "Estabelecimento Humanitário Barão de Nova Cintra", custeado por sua conta”.
Com a devida vénia a Jorge Fernandes Alves – “Os Brasileiros, Emigração e Retorno no Porto Oitocentista”


Por sua vez, o Asilo de Mendicidade só começou a funcionar nas Fontainhas cerca de 1859, por acção do Barão de Nova Cintra (que só se estabeleceu na cidade em 1858), e que transitaria para ali, vinda do Palácio do visconde de Veiros.
Dois anos antes, em 1857, as instalações seriam ocupadas com a 1ª Feira Industrial do Porto, organizada pela Associação Industrial Portuense, que antecederia em 8 anos, uma outra que ficou célebre, por ter servido para inaugurar o Palácio de Cristal.
Segundo o texto abaixo o edifício às Fontainhas (que tinha por cima do escudo, a coroa real que foi picada em 1910), teria sido construído mesmo para matadouro.



Texto sobre o Asilo de Mendicidade - Fonte: “O Tripeiro”



Asilo de Mendicidade local de antigo Matadouro na Rua das Fontainhas



Em 1873, o edifício das Fontainhas teve obras importantes.
A partir desta data, passou a ostentar no frontão da sua fachada, a estátua da Caridade que transitou da Capela de Santo Elói, dos ourives de ouro e prata, contigua à Igreja dos Franciscanos, por cedência, na sequência de decisão de 28 de Agosto de 1871, após aquisição da mesma feita no anterior dia 13.
O matadouro Municipal na Rua de S. Diniz funcionou até 1923. Posteriormente, foi canil e outros serviços da Câmara, tal como departamento da limpeza. 
Actualmente, encontra-se lá Direcção do Ambiente da CMP.



Asilo de Mendicidade no início do século XX, encimado pela estátua da Caridade



Veículo de Recolha e Transporte de Cães para o Canil, 1940



“Por volta de 1910, sentindo-se necessidade de substituir o insuficiente e velho matadouro de S. Diniz, é aprovado o projecto de construção de um novo matadouro municipal na cidade do Porto. 
Na escolha do local atendeu-se a vários requisitos; de facto, embora perto do centro da cidade, a Corujeira era então um local povoado e para onde a cidade não tendia a estender-se. Possuía, além disso, captação de água própria e abundante, escoava os líquidos residuais com facilidade e permitia a futura ampliação.
Acrescentem-se a tudo isto as vantagens da existência do caminho-de-ferro no extremo NE e da rede viária.
Concluídas as expropriações, imediatamente se iniciaram as primeiras obras de edificação; apesar disso o processo foi lento e complexo; de tal modo que só em 1923 é que as operações de abate foram transferidas para o novo matadouro, então concluído.
O apetrechamento mecânico fornecido pela casa Beck & Henkel, de Cassel foi introduzido em 1930.
Finalmente, em Julho de 1932, efectua-se a inauguração oficial.
O matadouro do género 0ffenbach, tipo de instalação em superfície também conhecida por sistema alemão, ocupa uma área total de 30 000 m2 e todas as suas dependências foram concebidas para que as diferentes operações se sucedessem de uma forma metódica e progressiva”.
Fonte: “portoarc.blogspot.com”



Antigas instalações do Matadouro da Corujeira



Matadouro na Corujeira em Campanhã



Tendo encerrado, definitivamente, no ano de 1992, a área liberta de 25 mil metros quadrados funcionaria, nos anos seguintes, como armazéns da Câmara, depósito de carros rebocados, sede provisória da Sociedade Protectora dos Animais e acolheriam, ainda, uma esquadra da PSP.
Em 5 de Junho de 2018, a Câmara Municipal do Porto apresentou, publicamente, o projecto para a área respectiva, que será concessionada e, na qual, entre outros valências, a Câmara tenciona instalar o Museu da Indústria.




“O concessionário, que será responsável por todo o investimento, fica obrigado a cumprir o programa delineado pela Câmara do Porto nos próximos 30 anos, findos os quais, o equipamento ficará municipal. Nesse período, a Câmara do Porto também ocupará parte do Matadouro, onde desenvolverá a parte cultural e de coesão social associada”.
Fonte: “porto.pt”



Maquete das novas instalações do antigo Matadouro da Corujeira



Em complemento, uma outra área que esteve afecta durante quase todo o século XX à fábrica de acabamentos têxteis "A Invencível", situada no outro lado da Rua de S. Roque da Lameira (antiga Estrada Real nº 33), tornar-se-á um jardim público com um parque de estacionamento no sub-solo.


Entrada da antiga fábrica de acabamentos têxteis "A Invencível" - Cortesia de Rui Ferreira



Chaminé e depósito de água de um poço aberto, no início do século XX, da antiga fábrica "A Invencível" que, em 1960, era dotada de gerador eléctrico próprio



Também está previsto, em sequência da recuperação das antigas instalações do antigo matadouro, intervencionar uma área de cerca de 45.000 m2, que tem servido como Parque de Recolha dos STCP, situada junto das antigas instalações da fábrica "A Invencível", na Rua da Fábrica Invencível.
O início dos trabalhos para concretização de todo o projecto, atrás referido, arrancaram em 2021.


Parque-Recolha do STCP na Rua da Fábrica "A Invencível" - Cortesia de Miguel Nogueira



Diga-se, a propósito do tema vertente, que um outro matadouro funcionou, na actual Travessa de Cedofeita que se chamou, por isso, Viela do Açougue e que abastecia, em especial, o hos­pital do Carmo e as famílias burguesas que entretanto por ali se instalaram com pre­dominância para a classe médica e dos pro­fessores que trabalhavam nos hospitais, do Carmo ou de Santo António, e davam au­las na Escola Politécnica, que funcionava no edifício onde agora está, a reitoria da Universidade.
No Porto, a "vendagem de carne" só se tornou completamente livre depois da Re­volução Liberal de 1820, mas, já antes des­ta data, nos princípios do século XIX, a Câ­mara concedera já, algumas licenças para o es­tabelecimento de talhos dentro do perí­metro da cidade. 

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