sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

(Continuação 9)



Forte de S. João Baptista da Foz e Capela Renascentista de S. João da Foz


O Forte de S. João Baptista da Foz, também conhecido como Castelo de S. João da Foz, localiza-se na freguesia da Foz do Douro. Ergue-se em posição dominante na barra do rio Douro, guarnecendo o acesso fluvial à cidade do Porto.
Iniciado durante o reinado de D. Sebastião (1557-1578), na regência da sua avó, a rainha D. Catarina (foi arquiduquesa da Áustria, infanta de Espanha e rainha de Portugal como esposa de D. João III), em 1570, sob a supervisão de João Gomes da Silva, diplomata e homem de confiança da Corte, constituía-se numa simples estrutura abaluartada, envolvendo uma capela e um paço abacial anexo, mandado edificar por D. Miguel da Silva (1480-1556), bispo de Viseu, tarefa, para a qual, recorreu aos projectos do arquitecto Francesco de Cremona recrutado em Itália.
Bem perto e pela mão da mesma personagem tinha sido levantada a Capela - Farol de São Miguel-o-Anjo (concluído em 1527).




Capela renascentista do forte de S. João Baptista da Foz - Ed. Isabel Silva



Aquelas obras resultaram da acção mecenática de D. Miguel da Silva e decorreram, ainda, do facto de possuir as rendas do Mosteiro de S. Tirso (ao qual a Foz do Douro estava ligada), tendo constituído a primeira manifestação de arquitectura renascentista no Norte de Portugal.
Na capela renascentista veneravam uma imagem de Nossa Senhora do Rosário, considerada protectora dos homens do mar.


Pias na parede da abside da capela renascentista de S. João da Foz


Resquícios da capela renascentista, a meio da foto, no Forte de S. João da Foz, em vista aérea actual - Fonte: Google maps





Diga-se que, há anos, existia no terreno um convento dos beneditinos de S. Tirso, a quem D. Mafalda, filha de D. Sancho I, tinha doado S. João da Foz do Douro, e que o complexo habitacional era designado por Castelo da Foz.
Convém dizer que o bispo D. Miguel da Silva era filho do 1º conde de Portalegre, tendo seguido a vida eclesiástica após passar dez anos a estudar em Paris e onze anos em Roma como embaixador junto do Vaticano, nomeado por D. Manuel I.
D. Miguel da Silva viria a ser chamado em 1526 por D. João III, para junto da corte, tendo-lhe nessa ocasião sido concedidas algumas rendas eclesiásticas, nomeadamente, o priorado perpétuo do mosteiro de Landim (Vila Nova de Famalicão) e a abadia do Mosteiro de Santo Tirso em Riba de Ave (hoje em Santo Tirso).
Veio a somar-se àqueles proventos as rendas da Diocese de Viseu, pois foi eleito por intersecção de Clemente VII para Bispo de Viseu, a 21 de Novembro de 1526.
D. Miguel da Silva teve uma estadia em Portugal de conflito constante com D. João III, entre outros motivos, também, pelo facto de se ter oposto ao rei na introdução no país da Santa Inquisição.
Aliás, seria mais antiga a zanga, que teria que ver com a intervenção de D. Miguel da Silva no 3º casamento de D. Manuel I com D. Leonor da Áustria, que estava prometida ao infante D. João, mas que acabaria por casar com o rei, seu pai, tornando-se madrasta dele.
D. Leonor era irmã do imperador Carlos V, e depois de enviuvar de D. Manuel I acabaria, passados 9 anos, por casar com Francisco I e ser rainha de França.
D. Miguel da Silva acabou então, por ser perseguido, tendo fugido para Roma, em Julho de 1540, onde chegou já como cardeal.
A elevação a cardeal fora realizada in pectore (latim: no coração/no peito), antes da fuga, por receio da reacção de D. João III.
D. Miguel da Silva, como bispo de Viseu, ficou para a posteridade pela edificação do Paço Episcopal, daquela cidade, junto de um outro de cariz medieval, existente no mesmo local (mata do Fontelo), onde fez ressurgir a arquitectura renascentista. Foi, ainda, um mecenas e grande cliente do pintor português Vasco Fernandes, que passou para a posteridade como Grão Vasco.
A este artista é atribuída, num dos seus quadros mais conhecidos, "Visita de Cristo a casa de Marta", a explicitação da figura do seu mecenas, D. Miguel da Silva, representando-o como uma das personagens da referida obra de arte.




"Visita de Cristo a casa de Marta" - Grão Vasco



À esquerda, a personagem que se pensa ser D. Miguel da Silva - Editado a partir da obra de Grão Vasco "Visita de Cristo a casa da Marta"





Aliás, no quadro do mesmo artista intitulado "S. Pedro", o retratado como tal, aparenta ser a mesma personagem - D. Miguel da Silva.
Voltando ao forte de S. João Baptista, diga-se que com a Guerra da Restauração da Independência se impôs a remodelação daquela fortificação.
Receando uma invasão espanhola pela fronteira norte do reino, o rei D. João IV (1640-56), em 1642, despachou para a cidade do Porto o novo Engenheiro-mor do Reino, o francês Charles Lassart.
Este teve oportunidade de constatar, in loco, a ineficácia da estrutura seiscentista diante dos meios ofensivos setecentistas, e elaborou-lhe um novo projeto que a ampliava e reforçava. As obras ficaram a cargo do jesuíta João Turriano.
Entretanto, problemas suscitados pela fonte dos recursos junto à Câmara do Porto, e problemas pessoais do tenente-governador da fortificação, Pinto de Matos (1643-1645), atrasaram sensivelmente o início das obras.




Vista interior da abóbada da capela - Ed. Isabel Silva


Com a nomeação de Martim Gonçalves da Câmara, como substituto de Pinto de Matos (Maio de 1646), as obras foram finalmente iniciadas, com a demolição no mesmo ano, da igreja velha, depois de tornadas prioritárias perante a invasão iminente do Minho por tropas espanholas, e encontravam-se concluídas em 1653.
Dois anos mais tarde, era o forte, considerado o segundo do Reino, logo após, o de São Julião, e o guardião não só da cidade do Porto, mas, ainda, da Província do Entre-Douro e Minho e a da Beira.


“No século XVII, o projecto de Lassart, embora modificando a orgânica da estrutura, não tocava no essencial da defesa quinhentista.
A antiga igreja, inserida na área militar, foi demolida, desaparecendo a parte central da fachada, sendo abertas as torres, removidas as lajes das campas no seu pavimento (reaproveitadas na alvenaria) e apeada a abóbada (a primeira em estilo renascentista do país). Agora a céu aberto, passou a servir como praça de armas, enquanto os seus anexos foram soterrados para consolidar o terrapleno do baluarte leste. Os nichos dos altares laterais foram entaipados por muros de alvenaria de pedra.
Ainda é possível ver vestígios da cúpula da capela, aos gomos, visível do exterior.
A partir da realidade imposta pela irregularidade do terreno e pela fortificação preexistente, a planta da nova estrutura apresenta o formato de um quadrilátero rectangular orgânico com três baluartes e um meio baluarte, concentrando o fogo da artilharia pelo lado de terra, dadas as dificuldades naturais de transposição da barra do rio Douro.
O único baluarte de traçado regular é o que aponta para a barra; dos dois voltados para o lado de terra, o do leste, é excepcionalmente pontiagudo, terminando num esporão de grande altura, enquanto do oeste se prolonga por um espigão destinado a eliminar um ângulo morto, actualmente quase encoberto pelo aterro viário.
O novo portal de acesso ao forte, em estilo neoclássico, foi construído pelo Engenheiro Reinaldo Oudinot (1796), dotado de ponte levadiça, corredor de entrada acasamatado e corpo de guarda tapando a fachada palaciana no lugar de um revelim seiscentista. Esta foi a última obra promovida, embora ainda se encontrasse incompleta em 1827.
Ao final do século XVII, em 1684, o forte estava guarnecida por 22 artilheiros, congregando seis regimentos de Cavalaria e dezoito de Infantaria.
No início do século XIX durante a Guerra Peninsular, a 6 de Junho de 1808, o Sargento-mor Raimundo José Pinheiro ocupou as suas instalações, e, na madrugada seguinte, fez hastear no seu mastro a bandeira das Quinas, primeiro acto de reação portuguesa contra a ocupação napoleônica. A fortificação estaria envolvida poucos anos mais tarde nas Revoltas liberais, tendo protegido, durante o cerco do Porto (1832-1833), o desembarque de suprimentos para a cidade.
Diante da evolução das embarcações e da artilharia, progressivamente perdeu a função defensiva, sendo utilizada como prisão para presos políticos. Entre os nomes ilustres que estiveram detidos nos seus cárceres, contam-se os de José de Seabra da Silva (na época do Marquês de Pombal) e os liberais, José de Passos Manuel e duque da Terceira.
Ainda no século XIX desapareceram o fosso e a ponte levadiça da fortaleza, assim como uma boa parte dos rochedos que a rodeavam, afastando-a do contacto com a foz do rio”.
Fonte: “pt.wikipedia.org”

No século XX foi residência da poetisa Florbela Espanca, esposa de um dos oficiais da guarnição, António Guimarães, que toma posse em 15 de Julho de 1920 e que viria a ser o segundo marido da poetisa, pois, em 1913 já tinha Florbela Espanca contraído matrimónio em Évora com Alberto de Jesus Silva Moutinho, seu colega da escola.
Na companhia de António Guimarães, acabou Florbela por fixar, em Agosto de 1920, residência na Rua do Godinho, nº 146, em Matosinhos. Só mais tarde, em Janeiro de 1921, foram morar para o Castelo da Foz do Douro, tendo casado em 3 de Julho de 1921.



Rua do Godinho, 146, em Matosinhos - Fonte: Google maps


Depois de ter casado com Guimarães e dele se ter separado mais tarde, iniciou uma relação amorosa com Mário Lage, que foi tenente médico do mesmo Destacamento de Artilharia do Porto, da G.N.R.., no Castelo da Foz, de Julho de 1920 a Fevereiro de 1922, data a partir da qual passou a exercer as funções de sub-delegado de saúde de Matosinhos.
Contraiu então, Florbela Espanca, matrimónio com Mário Lage, na Igreja de Matosinhos em Outubro de 1925, tendo passado a morar na casa de família do médico, na Rua 1.º de Dezembro nº 540, em Matosinhos.


À esquerda o nº 540 da Rua 1º de Dezembro – Fonte: Google maps



Foto actual do castelo


O forte de S. João Baptista da Foz do Douro, na primeira metade da década de 1990, sofreu uma intervenção arqueológica sob a responsabilidade do Gabinete de Arqueologia Urbana da Divisão de Museus e Património Histórico e Artístico da Câmara Municipal do Porto.
Actualmente sedia o Instituto da Defesa Nacional.




Gravura da fortaleza em 1850 - Ed. C. A. Pinto 



Na gravura anterior entre o observador e a fortaleza, fica hoje, o Lawn Ténis Clube da Foz.



Hotel da Boa-Vista e Esplanada do Castelo




Esplanada do Castelo - In portoarc.blogspot
 
 
 
Na gravura acima observa-se o Hotel Boa-Vista, que teria sido fundado em 1835.
 
 
“HOTEL DA BOAVISTA
Na rua do mesmo nome, próximo à Cantareira, a S. João da Foz do Douro. Gabriel Gonçalves tem a honra de anunciar ao respeitável público que no dia 25 do presente mês tenciona abrir o dito Hotel para acomodação das famílias e pessoas que se dignarem favorecê-lo com o seu patrocínio, prometendo de não poupar os meios necessários para satisfazer os desejos dos seus hóspedes, tanto pelo que respeita ao asseio da cozinha e de todos os mais arranjos da casa como pela moderação dos preços; aceitará também encomendas para jantares fora de casa”.
In “O Nacional”, em 19 de Julho de 1849
 
 
Sobre o Hotel Boa-Vista dizia um outro anúncio:
 
«Tem também restaurante. Servem-se todos os dias, da uma hora em diante, jantares, constando de cinco entradas, vinho e sobremesas a 500 reis. Às quartas-feiras “feijoada com orelheira”.»
In “O Primeiro de Janeiro”, de 19 de Setembro de 1880 - Domingo
 
 
 
 

Largo do Castelo em 1908 - Ed. Emílio Biel
 
 
 
Na foto acima, junto ao Hotel Boa-Vista, está o Café Montanha.

 
 

Esplanada do Castelo, em 1900

 
 

Esplanada à entrada do Hotel Boa-Vista, c. 1920
 
 
 

Hotel Boa-Vista, em 1939

 
 

Largo do Castelo e Hotel Boa-Vista, em 1940
 
 
Após ter estado na posse de uma família espanhola, durante décadas, em 1991, passou para a posse de António do Canto, um empresário da Póvoa de Varzim com negócios no Brasil, que remodelaria as instalações da unidade hoteleira, passando esta a ser uma das preferidas nas estadias dos hóspedes com origens naquele país sul-americano.
 
 
 

Hotel Boa-Vista, actualmente

2 comentários:

  1. Boa tarde, Sr Américo, gostaria de saber em que bibliografia o Sr baseio-se para achar o endereço de Florbela Espanca na Rua do Godinho. Obrigada. Cumprimentos.

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  2. Posso informar de que a referência ligando a poetisa Florbela Espanca à rua do Godinho foi por mim recolhida no blogue "coisas que se escrevem", de que é administrador Agostinho Barbosa Pereira, um estudioso e uma pessoa ligada, sobretudo, a acontecimentos da Foz do Douro, em cuja Junta de Freguesia trabalhou durante décadas e com quem, por vezes, troco informações. É alguém que me merece toda a confiança!
    A informação que pretende poderá recolhê-la no link seguinte:
    https://coisasqueseescrevem.blogspot.com/2012/08/florbela-espanca-e-matosinhos.html

    Esperando continuar a merecer as suas visitas a este blogue, endereço os meus cumprimentos.

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