Forte de S. João
Baptista da Foz e Capela Renascentista de S. João da Foz
O Forte de S. João Baptista da Foz, também conhecido como
Castelo de S. João da Foz, localiza-se na freguesia da Foz do Douro. Ergue-se
em posição dominante na barra do rio Douro, guarnecendo o acesso fluvial à
cidade do Porto.
Iniciado durante o reinado de D. Sebastião (1557-1578), na
regência da sua avó, a rainha D. Catarina (foi arquiduquesa da Áustria, infanta
de Espanha e rainha de Portugal como esposa de D. João III), em 1570, sob a
supervisão de João Gomes da Silva, diplomata e homem de confiança da Corte,
constituía-se numa simples estrutura abaluartada, envolvendo uma capela e um
paço abacial anexo, mandado edificar por D. Miguel da Silva (1480-1556), bispo
de Viseu, tarefa, para a qual, recorreu aos projectos do arquitecto Francesco
de Cremona recrutado em Itália.
Bem perto e pela mão da mesma personagem tinha sido
levantada a Capela - Farol de São Miguel-o-Anjo (concluído em 1527).
Capela renascentista do forte de S. João Baptista da Foz - Ed.
Isabel Silva
Aquelas obras resultaram da acção mecenática de D. Miguel da
Silva e decorreram, ainda, do facto de possuir as rendas do Mosteiro de S.
Tirso (ao qual a Foz do Douro estava ligada), tendo constituído a primeira
manifestação de arquitectura renascentista no Norte de Portugal.
Na capela renascentista veneravam uma imagem de Nossa
Senhora do Rosário, considerada protectora dos homens do mar.
Pias na parede da abside da capela renascentista de S. João da Foz
Resquícios da capela renascentista, a meio da foto, no Forte de S. João da Foz, em vista aérea actual - Fonte: Google maps
Diga-se que, há anos, existia no terreno um convento dos
beneditinos de S. Tirso, a quem D. Mafalda, filha de D. Sancho I, tinha doado
S. João da Foz do Douro, e que o complexo habitacional era designado por
Castelo da Foz.
Convém dizer que o bispo D. Miguel da Silva era filho do 1º
conde de Portalegre, tendo seguido a vida eclesiástica após passar dez anos a
estudar em Paris e onze anos em Roma como embaixador junto do Vaticano, nomeado
por D. Manuel I.
D. Miguel da Silva viria a ser chamado em 1526 por D. João
III, para junto da corte, tendo-lhe nessa ocasião sido concedidas algumas
rendas eclesiásticas, nomeadamente, o priorado perpétuo do mosteiro de Landim
(Vila Nova de Famalicão) e a abadia do Mosteiro de Santo Tirso em Riba de Ave
(hoje em Santo Tirso).
Veio a somar-se àqueles proventos as rendas da Diocese de
Viseu, pois foi eleito por intersecção de Clemente VII para Bispo de Viseu, a
21 de Novembro de 1526.
D. Miguel da Silva teve uma estadia em Portugal de conflito
constante com D. João III, entre outros motivos, também, pelo facto de se ter
oposto ao rei na introdução no país da Santa Inquisição.
Aliás, seria mais antiga a zanga, que teria que ver com a
intervenção de D. Miguel da Silva no 3º casamento de D. Manuel I com D.
Leonor da Áustria, que estava prometida ao infante D. João, mas que acabaria por casar com o rei, seu pai, tornando-se madrasta dele.
D. Leonor era irmã do imperador Carlos V, e depois de
enviuvar de D. Manuel I acabaria, passados 9 anos, por casar com Francisco I e
ser rainha de França.
D. Miguel da Silva acabou então, por ser perseguido, tendo
fugido para Roma, em Julho de 1540, onde chegou já como cardeal.
A elevação a cardeal fora realizada in pectore (latim: no
coração/no peito), antes da fuga, por receio da reacção de D. João III.
D. Miguel da Silva, como bispo de Viseu, ficou para a posteridade pela edificação do Paço Episcopal, daquela cidade, junto de um outro de cariz medieval, existente no mesmo local (mata do Fontelo), onde fez ressurgir a arquitectura renascentista. Foi, ainda, um mecenas e grande cliente do pintor português Vasco Fernandes, que passou para a posteridade como Grão Vasco.
A este artista é atribuída, num dos seus quadros mais conhecidos, "Visita de Cristo a casa de Marta", a explicitação da figura do seu mecenas, D. Miguel da Silva, representando-o como uma das personagens da referida obra de arte.
"Visita de Cristo a casa de Marta" - Grão Vasco
À esquerda, a personagem que se pensa ser D. Miguel da Silva - Editado a partir da obra de Grão Vasco "Visita de Cristo a casa da Marta"
Aliás, no quadro do mesmo artista intitulado "S. Pedro", o retratado como tal, aparenta ser a mesma personagem - D. Miguel da Silva.
Voltando ao forte de S. João Baptista, diga-se que com a
Guerra da Restauração da Independência se impôs a remodelação daquela fortificação.
Receando uma invasão espanhola pela fronteira norte do
reino, o rei D. João IV (1640-56), em 1642, despachou para a cidade do Porto o
novo Engenheiro-mor do Reino, o francês Charles Lassart.
Este teve oportunidade de constatar, in loco, a ineficácia
da estrutura seiscentista diante dos meios ofensivos setecentistas, e
elaborou-lhe um novo projeto que a ampliava e reforçava. As obras ficaram a
cargo do jesuíta João Turriano.
Entretanto, problemas suscitados pela fonte dos recursos
junto à Câmara do Porto, e problemas pessoais do tenente-governador da
fortificação, Pinto de Matos (1643-1645), atrasaram sensivelmente o início das
obras.
Vista interior da abóbada da capela - Ed. Isabel Silva
Com a nomeação de Martim Gonçalves da Câmara, como
substituto de Pinto de Matos (Maio de 1646), as obras foram finalmente
iniciadas, com a demolição no mesmo ano, da igreja velha, depois de tornadas
prioritárias perante a invasão iminente do Minho por tropas espanholas, e
encontravam-se concluídas em 1653.
Dois anos mais tarde, era o forte, considerado o segundo do
Reino, logo após, o de São Julião, e o guardião não só da cidade do Porto, mas,
ainda, da Província do Entre-Douro e Minho e a da Beira.
“No século XVII, o
projecto de Lassart, embora modificando a orgânica da estrutura, não tocava no
essencial da defesa quinhentista.
A antiga igreja,
inserida na área militar, foi demolida, desaparecendo a parte central da
fachada, sendo abertas as torres, removidas as lajes das campas no seu
pavimento (reaproveitadas na alvenaria) e apeada a abóbada (a primeira em
estilo renascentista do país). Agora a céu aberto, passou a servir como praça
de armas, enquanto os seus anexos foram soterrados para consolidar o terrapleno
do baluarte leste. Os nichos dos altares laterais foram entaipados por muros de
alvenaria de pedra.
Ainda é possível ver
vestígios da cúpula da capela, aos gomos, visível do exterior.
A partir da realidade
imposta pela irregularidade do terreno e pela fortificação preexistente, a
planta da nova estrutura apresenta o formato de um quadrilátero rectangular
orgânico com três baluartes e um meio baluarte, concentrando o fogo da
artilharia pelo lado de terra, dadas as dificuldades naturais de transposição
da barra do rio Douro.
O único baluarte de
traçado regular é o que aponta para a barra; dos dois voltados para o lado de
terra, o do leste, é excepcionalmente pontiagudo, terminando num esporão de
grande altura, enquanto do oeste se prolonga por um espigão destinado a
eliminar um ângulo morto, actualmente quase encoberto pelo aterro viário.
O novo portal de
acesso ao forte, em estilo neoclássico, foi construído pelo Engenheiro Reinaldo
Oudinot (1796), dotado de ponte levadiça, corredor de entrada acasamatado e
corpo de guarda tapando a fachada palaciana no lugar de um revelim
seiscentista. Esta foi a última obra promovida, embora ainda se encontrasse
incompleta em 1827.
Ao final do século XVII,
em 1684, o forte estava guarnecida por 22 artilheiros, congregando seis
regimentos de Cavalaria e dezoito de Infantaria.
No início do século
XIX durante a Guerra Peninsular, a 6 de Junho de 1808, o Sargento-mor Raimundo
José Pinheiro ocupou as suas instalações, e, na madrugada seguinte, fez hastear
no seu mastro a bandeira das Quinas, primeiro acto de reação portuguesa contra
a ocupação napoleônica. A fortificação estaria envolvida poucos anos mais tarde
nas Revoltas liberais, tendo protegido, durante o cerco do Porto (1832-1833), o
desembarque de suprimentos para a cidade.
Diante da evolução das
embarcações e da artilharia, progressivamente perdeu a função defensiva, sendo
utilizada como prisão para presos políticos. Entre os nomes ilustres que
estiveram detidos nos seus cárceres, contam-se os de José de Seabra da Silva (na
época do Marquês de Pombal) e os liberais, José de Passos Manuel e duque da
Terceira.
Ainda no século XIX
desapareceram o fosso e a ponte levadiça da fortaleza, assim como uma boa parte
dos rochedos que a rodeavam, afastando-a do contacto com a foz do rio”.
Fonte: “pt.wikipedia.org”
No século XX foi residência da poetisa Florbela Espanca,
esposa de um dos oficiais da guarnição, António Guimarães, que toma posse em 15
de Julho de 1920 e que viria a ser o segundo marido da poetisa, pois, em 1913
já tinha Florbela Espanca contraído matrimónio em Évora com Alberto de Jesus
Silva Moutinho, seu colega da escola.
Na companhia de António Guimarães, acabou Florbela por
fixar, em Agosto de 1920, residência na Rua do Godinho, nº 146, em Matosinhos. Só
mais tarde, em Janeiro de 1921, foram morar para o Castelo da Foz do Douro,
tendo casado em 3 de Julho de 1921.
Rua do Godinho, 146, em Matosinhos - Fonte: Google maps
Depois de ter casado com Guimarães e dele se ter
separado mais tarde, iniciou uma relação amorosa com Mário Lage, que foi
tenente médico do mesmo Destacamento de Artilharia do Porto, da G.N.R.., no
Castelo da Foz, de Julho de 1920 a Fevereiro de 1922, data a partir da qual passou
a exercer as funções de sub-delegado de saúde de Matosinhos.
Contraiu então, Florbela Espanca, matrimónio com Mário Lage,
na Igreja de Matosinhos em Outubro de 1925, tendo passado a morar na casa de
família do médico, na Rua 1.º de Dezembro nº 540, em Matosinhos.
À esquerda o nº 540 da Rua 1º de Dezembro – Fonte: Google
maps
Foto actual do castelo
O forte de S. João Baptista da Foz do Douro, na primeira
metade da década de 1990, sofreu uma intervenção arqueológica sob a
responsabilidade do Gabinete de Arqueologia Urbana da Divisão de Museus e
Património Histórico e Artístico da Câmara Municipal do Porto.
Actualmente sedia o Instituto da Defesa Nacional.
Gravura da fortaleza em 1850 - Ed. C. A. Pinto
Na gravura anterior entre o observador e a fortaleza, fica
hoje, o Lawn Ténis Clube da Foz.
Hotel da Boa-Vista e Esplanada do Castelo
Na gravura acima observa-se o Hotel Boa-Vista, que teria
sido fundado em 1835.
“HOTEL DA BOAVISTA
Na rua do mesmo nome,
próximo à Cantareira, a S. João da Foz do Douro. Gabriel Gonçalves tem a honra
de anunciar ao respeitável público que no dia 25 do presente mês tenciona abrir
o dito Hotel para acomodação das famílias e pessoas que se dignarem favorecê-lo
com o seu patrocínio, prometendo de não poupar os meios necessários para
satisfazer os desejos dos seus hóspedes, tanto pelo que respeita ao asseio da
cozinha e de todos os mais arranjos da casa como pela moderação dos preços;
aceitará também encomendas para jantares fora de casa”.
In “O Nacional”, em 19 de Julho de 1849
Sobre o Hotel Boa-Vista dizia um outro anúncio:
«Tem também
restaurante. Servem-se todos os dias, da uma hora em diante, jantares,
constando de cinco entradas, vinho e sobremesas a 500 reis. Às quartas-feiras
“feijoada com orelheira”.»
In “O Primeiro de Janeiro”, de 19 de Setembro de 1880 -
Domingo
Na foto acima, junto ao Hotel Boa-Vista, está o Café
Montanha.
Após ter estado na posse de uma família espanhola, durante
décadas, em 1991, passou para a posse de António do Canto, um empresário da
Póvoa de Varzim com negócios no Brasil, que remodelaria as instalações da
unidade hoteleira, passando esta a ser uma das preferidas nas estadias dos
hóspedes com origens naquele país sul-americano.
Boa tarde, Sr Américo, gostaria de saber em que bibliografia o Sr baseio-se para achar o endereço de Florbela Espanca na Rua do Godinho. Obrigada. Cumprimentos.
ResponderEliminarPosso informar de que a referência ligando a poetisa Florbela Espanca à rua do Godinho foi por mim recolhida no blogue "coisas que se escrevem", de que é administrador Agostinho Barbosa Pereira, um estudioso e uma pessoa ligada, sobretudo, a acontecimentos da Foz do Douro, em cuja Junta de Freguesia trabalhou durante décadas e com quem, por vezes, troco informações. É alguém que me merece toda a confiança!
ResponderEliminarA informação que pretende poderá recolhê-la no link seguinte:
https://coisasqueseescrevem.blogspot.com/2012/08/florbela-espanca-e-matosinhos.html
Esperando continuar a merecer as suas visitas a este blogue, endereço os meus cumprimentos.