O manancial conhecido por Manancial da Póvoa de Cima resultava, de facto, da reunião de dois mananciais que
primitivamente se distribuíam em separado - o Manancial do Bispo e o Manancial das Freiras.
O Manancial das Freiras ficava numa
propriedade pertença do bispo, existente no então chamado lugar da Póvoa de
Cima, sensivelmente por alturas da actual Praça da Rainha D. Amélia, tendo sido
inicialmente estipulado no acto da concessão, que a água desse manancial devia
seguir para o mosteiro, em aqueduto próprio, "construído a uma braça de
distância daquele por onde corria a água que ia abastecer o Paço e o chafariz
da Sé (que ainda não era o do Arcanjo S. Miguel), bem como a sacristia de
catedral.
O sistema primitivo no entanto, não deve ter resultado porque, doze
anos depois do bispo D. Pedro da Costa, por escritura de 30 de Maio de 1525, ter
feito concessão à abadessa do convento de Santa Clara, da nascente que
alimentava o manancial, D. Frei Baltasar Limpo, que sucedera a D. Pedro da
Costa na cátedra episcopal do Porto, pediu, às monjas de Santa Clara para que a
água que lhes era destinada e a que abastecia o Paço, corressem juntas num só
aqueduto.
Perante a anuência esperada das freiras foi solicitada ao rei D. João
III a indispensável autorização régia que o monarca assinou em 15 de Junho de
1537.
Sobre o Manancial das Freiras escrevia J. Bahia Junior:
“Estava situado o
Manancial das Freiras em um campo lavradio, ao nascente da rua da
Alegria e ahi foi edificado a expensas do Mosteiro das Religiosas de Santa
Clara a arca das suas aguas potáveis, cuja frontaria de pedra ainda é a actual,
voltada ao sul e na qual foi aberta a seguinte legenda sobre a porta d'entrada:
Camara Municipal do Porto, 1857. D'aqui a agua seguia na direcção do sul até á
sua reunião com a do Bispo, em canos, ora de louça, ora de pedra, ou em telhões
de barro cosido.
(…) A arca d'este
Manancial é de construcção egual á da arca do Manancial do Bispo, com a
differença apenas de ser de maiores dimensões e ter na propria arca as suas
nascentes. A porta da entrada, com soleira rasa, mede um metro d'altura por
0,50m de largura e o comprimento da arca, desde a face em que se abre a porta
até á face opposta, é de 9,10m. Do meio da abobada ao solo a altura é de 2,35m e
a largura da arca de 4 metros”.
O Manancial das Freiras ficaria, assim, localizado em terrenos próximos
do local onde hoje está a escola Aurélia de Sousa, em local conhecido à data,
como campo do Espinheira.
Entrada para o manancial das Freiras em 1909 – Ed. J. Bahia Junior
…e escrevia J. Bahia Junior sobre o Manancial do Bispo:
“O Manancial do
Bispo tem a sua entrada em um campo de milho da Quinta do Lima (hoje da viuva
D. Luzia Lima) com porta para a rua da Constituição com o n.° 214. Esta quinta
é agora feita pelo caseiro Vicente Alves que sempre nos recebeu muito
amavelmente.
0 oculo de
entrada é fechado por uma tampa de ferro ao mesmo nivel do terreno, podendo sem
difficuldade permitir a entrada a aguas de enxurrada arrastadas pelo grande
declive do terreno n'esse ponto.
Entrando n'este
oculo e descendo 6 degraus de pedra, depara-se-nos uma porta de 0,90m de
largura por 1,85m d'altura que dá entrada em uma espaçosa arca, tendo na face
fronteira a porta a abertura da mina. Sobre a porta d'entrada acha-se o
dístico: Camara Municipal do Porto —1857.
A arca é uma
construcção em abobada de 4 metros de largo por 4,55m de comprido e 2,55m de
altura tendo ao fundo a mina de 0,66m de largura por 3,45m de altura, dos quaes
1,80m são contados abaixo do nivel do solo da arca.
(…) e continuava J. Bahia Junior:
“A primitiva
entrada para o Manancial do Bispo ou da Mitra já ao tempo que escreve Souza
Reis tinha sido modificada e achavam-se, como ainda hoje, recolhidos dentro da
arca, os emblemas que ornamentavam essa entrada.
Partia d'esta
arca a agua em encanamento de louça, de que ainda se encontram vestígios, pelo
campo que depois foi cortado pela Rua 15 de Setembro, agora chamada da
Constituição, e indo passar numa outra arca muito acanhada, atravessava a rua
da Alegria dirigindo-se para o nascente, a fim de se reunir no ponto destinado
á sua juncção com a agua proveniente da arca que pertencia ás Religiosas de
Santa Clara, no campo do Espinheira, como já acima referimos.”
Pela indicação de J. Bahia Junior (em 1909) o Manancial do Bispo
situava-se em terrenos do que viria a ser o Estádio do Lima, que só começaria a
ser levantado em 1923.
Entrada para o manancial do Bispo em 1909 – Ed. J. Bahia Junior
Sobre o Manancial da Póvoa de Cima, escreve ainda J. Bahia
Junior:
“E' situado o
Manancial que pertenceu ás religiosas Franciscanas de Santa Clara no logar da
Povoa de Cima em uns casaes que foram do domínio directo da Mitra Portuense e
cedidos por emprazamento pelo Bispo D. Pedro da Costa, á Abbadessa e Religiosas
do Mosteiro de Santa Clara do Porto, por Escriptura de 30 de maio de 1525. Foi
condição expressa do mesmo emprazamento, que, a agua que a dita Abbadessa e
Religiosas fizessem vir dos referidos casaes e Povoa de Cima, ao Mosteiro,
seria conduzida em aqueducto, construído a uma braça de distancia do pertencente
á agua do chafariz da Sé, como se vê da procuração dada pelo Prelado em
Montemór-o-Novo a 7 de maio do dito anno de 1525.
Apesar da
condição estipulada no mencionado prazo para a agua vir até ao mosteiro em cano
separado, o Bispo D. Balthasar Limpo, pediu licença ás ditas Religiosas para
também por elle ser conduzida a agua da mitra, ao que, gostosamente cederam,
mediante a auctorisação régia. Solicitou e obteve o Prelado d'El-Rei D. João in
a Carta Régia de (de julho de 1536, para auctorisar o contracto que celebrou em
Escriptura de 15 de junho de 1537, ficando a cargo do Bispo toda a despeza que
se houvesse de fazer para a reunião …
…Com o andar dos
tempos fizeram-se algumas mudanças no trajecto do encanamento d'estas aguas
que, sahindo das suas duas nascentes bastante próximas, sendo a das Freiras ao
nascente e a da Mitra mais ao poente, se juntavam em virtude d'aquelle referido
contracto no logar da Povoa de Cima, no campo chamado do Espinheira, e d'ahi se
dirigiam ás faldas do Monte dos Congregados, e seguiam torneando o mesmo monte,
em parte pertencente a Thadeu Antonio de Faria e por isso também conhecido pelo
nome de Monte do Thadeu, até entrarem nas propriedades dos denominados Padres
de S. Filippe, actualmente divididas em diversos terrenos aforados a
particulares, atravessando-as, para vir surgir nos campos de Malmerendas,
descendo da antiga travessa d'esse nome para a rua do Caramujo, presentemente
encorporada á rua da Alegria de que também tomou o nome.
Diz Souza Reis
que se vê n'esta rua, sobre a padieira da porta de servidão do aqueducto uma
mitra episcopal, mas nada encontramos.
Daqui seguia o
encanamento com direcção á rua Direita ou 23 de Julho…”
(…) e continuava pela Rua do Campinho, Entreparedes e Praça
da Batalha, rumando, por fim, ao mosteiro de Santa Clara primeiro e depois, ao
Paço Episcopal.
(…) e continuava J. Bahia Junior agora, a propósito da
mistura dos dois mananciais:
“(…) Da reunião
dos dois mananciaes seguia o encanamento atravessando a rua de S. Jeronymo em
direcção ao Monte dos Congregados, como já vimos no começo da historia d'estes
dois mananciaes, e ia lançar-se em uma pia ainda existente na rua Duqueza de
Bragança em frente ao portal n.° 412 e d'ahi, descia esta rua até á
fonte denominada da rua Firmeza, cuja pedraria foi da fonte demolida na Praça
da Trindade.
Seguia depois
d'esté ponto a abastecer outras fontes alimentadas por estes dois mananciaes e
que eram: a Fonte do Canavarro que, além d'esta origem que lhe fornecia
a sua bica do lado da rua Firmeza, seguindo até lá pela mesma rua e subindo
Santa Catharina, recebia também na outra sua bica, agua permanente e nativa de
mina propria que também serviu para abastecer a Fonte Secca da rua de
Santa Catharina, próxima da travessa da mesma rua, por occasião de uma estiagem
que fez seccar esta fonte; e, a Fonte da Praça do Bolhão, assente no
espaldar das duas rampas que estabelecem a communicação entre a mesma Praça e a
rua de Fernandes Thomaz.
O trajecto para
esta fonte fazia-se pela rua Firmeza, rua da Alegria e Fernandes Thomaz.”
Sobre o Manancial da Póvoa de Cima continuava J. Bahia Junior:
“Antigamente,
como já referimos na parte histórica d'esté trabalho, a reunião das aguas dos
dois mananciaes do Bispo e Freiras, fazia-se n'este mesmo Campo do Espinheira e
o seu trajecto não era o que actualmente é. Depois de reunidos seguiam em
direcção ao Monte dos Congregados que contornavam pelo nascente e depois de
todo este trajecto em alcatruzes de louça, vinham cahir as suas aguas em uma
pia ainda existente na rua Duqueza de Bragança, para d'alii, descendo esta rua,
irem alimentar a fonte da rua Firmeza e outras suas derivadas de então.
Actualmente tudo
isto se acha bastante alterado, quer no seu modo de canalisação, quer ao seu
trajecto e até na sua distribuição.
Os dois mananciaes, agora, só se reúnem na pia
divisória existente por detraz da fonte da rua Firmeza, vindo até ahi
separadamente em canos de ferro. 0 Manancial do Bispo, atravessando a Rua da Constituição em direcção á
rua da Alegria, cruza esta também para o nascente e seguindo pela Rua do Príncipe
Real (actual Rua Latino Coelho), vae alimentar o Chafariz do Largo da
Povoa ou de S. Chrispim, descendo então a rua de S. Jeronymo até á rua
Firmeza e seguindo por esta até á fonte.
0 trajecto da
canalisação do Manancial das Freiras, faz-se pela rua de Anselmo Braamcamp até
á rua do Moreira, seguindo depois esta para o poente até á rua Duqueza de
Bragança pela qual sobe até á pia existente ao lado nascente da rua e em fronte
do prédio n.° 412. Fàz-se n'esta pia a distribuição para alguns consortes para
que, finalmente, seguindo, rua, Duqueza de Bragança abaixo, ir lançar-se na Fonte
da rua Firmeza e, juntamente com a do Bispo alimentar esta fonte e a Fonte
do Canavarro.”
Manancial da Póvoa de cima quando os mananciais se juntavam
no Campo do Espinheira
Legenda:
1. Nascente na Quinta do Lima do Manancial do Bispo
2. Nascente do Manancial das Freiras
3. Reunião dos caudais no Campo do Espinheira
4. Pia existente na Rua Duqueza de Bragança
5. Fonte da Firmeza
Trajecto do Manancial do Bispo no início do séc. XX até se
reunir com o manancial das Freiras
Legenda:
1. Quinta do Lima e atravessamento da Rua da Alegria
2. Rua do Príncipe Real (Latino Coelho)
3. Chafariz da Póvoa de Cima ou de S. Crispim e seguia pela
Rua de S. Jerónimo (Rua de Santos Pousada)
4. Rua Firmeza
5. Fonte da Firmeza
Trajecto do Manancial das Freiras no início do séc. XX até
se encontrar com o Manancial do Bispo
Legenda:
1. Campo do Espinheira
2. Rua Anselmo Braancamp
3. Rua do Moreira
4. Rua Duquesa de Bragança
5. Rua Duquesa de Bragança, nº 412
6. Rua Firmeza
7. Fonte da Firmeza
Apesar dos mil cuidados com que se acudia à reparação da
conduta, do Manancial da Póvoa de Cima, sempre que isso se tornava necessário e
da aturada vigilância que era exercida ao longo do percurso, havia sempre quem
tivesse artes de desviar a água do seu itinerário e as perdas atingiram um tal
volume que, no tempo do bispo D. João de Magalhães e Avelar (1816-1833), já a
viver no novo Paço, era tão diminuta a quantidade de água que corria no
encanamento que muito pouca, ou quase nenhuma, chegava ao seu destino. Esta
situação levou o bispo D. António Bernardo da Fonseca Moniz (1854-1859) a fazer
um acordo com as freiras, através do qual, ofereceram as suas águas à Câmara
Municipal que, a partir de 1855, passou a cuidar da conduta e a fazer o uso que
entendesse da água proveniente do "Manancial do Bispo e das Freiras",
com a condição de serem fornecidas oito penas de água à Mitra e vinte e quatro
ao mosteiro das franciscanas, mais uma pena para "uso da sacristia do
Cabido" e a necessária para alimentar, agora, a Fonte do Arcanjo S.
Miguel, construída durante o período de "sede vacante" (1716-1741)
por iniciativa do Cabido.
Largo da Póvoa de Cima em planta de Teles Ferreira de 1892
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