terça-feira, 31 de janeiro de 2017

(Continuação 13)



«…porque estando(…) metidos ao mar huns escabrosos penhascos, a que chama Leixoens o vulgo; por mais que as tempestades embravecidas ostentem nelles com encapellada inchação e horrorosos deliquios, nunca nelles se vio haver naufragio, antes sim seguro asylo a toda a embarcação, que de proposito encaminha o rumo a este surgidouro admiravel, para salvar-se de todo, o que de outra sorte seria infallivel estrago, e notorio perigo, conseguindo deste modo bonança na mais furiosa tormenta.»
António Cerqueira Pinto, In: História da Prodigiosa Image..., 1737


“Quis Deus ou a Natureza que na foz do rio Leça, a meio quarto de légua da costa, se elevasse das águas atlânticas um conjunto de rochedos a que os homens deram o nome de «Leixões». Eram o «Espinheiro», a «Alagadiça», o «Leixão» grande e pequeno, como grande e pequeno eram também os rochedos da «Lada». Mas havia também o «Tringalé», o «Galinheiro», o «Cavalo de Leixão», a «Quilha», a «Baixa do Moço», o «Fuzilhão», o «Baixo do Leixão Velho» e muitos outros…
Desígnio divino, ou tão só caprichosos afloramentos graníticos, que os geólogos classificam de grão médio ou gnáissico, os Leixões descreviam um semí-circulo no mar, formando como que um porto de abrigo natural.
Numa costa frequentemente assolada por tempestades e nevoeiros, perigosos dada a existência de abundantes penedias traiçoeiras só visíveis nas vazantes, e que muito contribuíram para o sombrio e nefasto título de «Costa Negra» dado a esta região durante séculos, o refúgio formado naturalmente pela enseada dos Leixões não poderia deixar de escapar à atenção e argúcia dos Homens. E, com efeito, desde a mais recuada Antiguidade é a intervenção humana, mais do que a natural ou a do Criador, que moldará a história de Leixões. Mesmo que, para tal, muitas vezes tenham os mortais enfrentado as adversidades impostas pela natureza, e outras tantas tenham vencido o que pareceu ser a oposição do divino ou, quem sabe, a vontade do Demo.
Não bastavam já os Leixões, também o próprio rio Leça contribuía e reforçava o apelo ao abrigo. Deslizando suave, nesta etapa final da sua viagem, o rio desaguava num convidativo estuário, navegável para montante até uma distância considerável. Tais potencialidades eram já aproveitadas no 1º milénio A.C. quando, muito próximo da sua embocadura, numa elevação da margem esquerda que hoje designamos por Monte Castêlo, surge um importante povoado da Idade do Ferro: o Castro de Guifões, habitado por Brácaros Galaicos. Na base do morro, junto ao rio, desenvolver-se-ia, seguramente, uma estrutura portuária, ainda que incipiente. Os achados arqueológicos recolhidos vêm atestando da chegada – por via marítima - de produtos originários de paragens longínquas.
Colonizado pelos romanos, a partir do século I A.C., o Castro de Guifões pertence agora, e insere-se com assinalável sucesso, no vasto espaço económico e comercial que é o Império Romano. Salvaguardadas pelos Leixões e conduzidas até à elevação onde se implantava este povoado através do rio Leça, as embarcações da época aqui fazem chegar produções agrícolas do sul da Península, conserva de peixe do estuário do Sado, cerâmicas e outras expressões da cultura material de Itália, sul de França, norte de África, oriente mediterrânico… Desta forma, a foz do Leça transformava-se, há já dois mil anos, num importante interface portuário e comercial da região, muito especialmente para os restantes povoados que se implantavam na bacia deste rio ou nas suas cercanias. E, desde então, ao longo da História, não mais a foz do Leça e o seu porto marítimo-fluvial deixaram de possuir tal importância. Por vezes a uma escala regional reduzida, muitas outras influenciando vastas áreas.
Entretanto o domínio romano resultara, igualmente, num povoamento mais disperso e contribuíra para uma maior aproximação das populações ao litoral marítimo e às margens fluviais. Neste contexto, ainda durante os primeiros séculos da nossa Era, iniciar-se-á a ocupação do espaço hoje coincidente com a cidade de Matosinhos-Leça. E se para esta última freguesia, implantada na margem direita da foz do rio Leça, uma vez mais a arqueologia revelou recentemente provas dessa ocupação tão remota, para o caso de Matosinhos, na margem esquerda, é a própria origem do topónimo que, segundo alguns investigadores, está decisivamente associada à época romana e à origem do porto.
Nos documentos mais antigos em que surge grafado o nome de Matosinhos, datados do século X e redigidos em latim, este aparece designado por Matesinus, topónimo que, por si só, é de difícil explicação ou significado.
Contudo, subdividindo a palavra surgem interessantes indícios explicativos da origem do topónimo. Com efeito sinus significava em latim, e muito particularmente para os romanos, recorte no litoral, côncavo na costa… porto de abrigo natural. Ou seja, algo que, como já analisamos, se adaptava perfeitamente à realidade geo-topográfica que os romanos aqui encontraram, devido à existência dos Leixões. De resto, o vasto mundo romano está repleto de topónimos que têm a referida designação sinus na sua origem ou como componente. Um outro exemplo elucidativo, em Portugal, é o de Sines.
Explicada a origem de metade da palavra, resta perceber o significado de Mate. Uma vez que os romanos tinham por hábito baptizar com o nome de divindades, imperadores, heróis ou figuras retiradas da mitologia as principais cidades, portos e outros locais de interesse geo-estratégico que fundavam ou conquistavam, é nesse campo que alguns estudiosos encontraram uma possível e, no mínimo, curiosa explicação. É que, com efeito, existe uma personagem mitológica, filho de Hércules, cuja designação – Amato – poderia facilmente estar na génese do actual topónimo. Matosinhos resultaria assim, como sabemos, de Matesinus e este, por sua vez, poderá derivar de Amato sinus: o porto de abrigo do filho de Hércules.
Porto de abrigo natural que, de facto, durante muitos séculos salvou milhares de vidas de marítimos, mareantes, passageiros e pescadores. Porque, como escrevia Marino Franzini, em 1812:
«talvez seja este o único ponto desta costa que oferece algum abrigo às embarcações acossadas pela travessia; e, em todo o caso, é a única paragem onde as equipagens podem ter esperanças de salvação quando seja inevitável encalhar. Os barcos de pilotos e pescadores quase sempre podem sair ao mar partindo deste ponto, quando pela ressaca é isso impraticável em outra qualquer paragem da costa.»
Mas, de porto de abrigo natural Leixões converter-se-á, no final do século XIX, numa gigantesca estrutura portuária artificial. Num dos mais dinâmicos locais onde a Europa encontra e abraça o Atlântico”.
Fonte – Site: “apdl.pt”



Numa costa muito traiçoeira para a navegação, ficou célebre o naufrágio, ao largo de Leixões, do vapor “Olga”, em 3 de Janeiro de 1879.




Naufrágio do vapor ”Olga”



Soares dos Reis estreou-se como repórter artístico do "Occidente", com o desenho do vapor inglês "Olga" que havia sido abalroado pelo vapor da marinha mercante francesa "Constantin". O "Olga", que sofreu danos irreparáveis, veio a encalhar na praia de Matosinhos, e Soares dos Reis dirigiu-se ao local do sinistro onde registou, em desenho, o acontecimento.




Foz do rio Leça com Matosinhos em fundo - Ed. César Reis



Foz do rio Leça com Matosinhos em fundo



Foz do Rio Leça com vista sobre Matosinhos



Na foto acima o arruamento em frente é a Rua Heróis de França e à direita está o quartel da guarda- fiscal ainda existente.

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