«…porque estando(…) metidos ao mar huns
escabrosos penhascos, a que chama Leixoens o vulgo; por mais que as tempestades
embravecidas ostentem nelles com encapellada inchação e horrorosos deliquios,
nunca nelles se vio haver naufragio, antes sim seguro asylo a toda a
embarcação, que de proposito encaminha o rumo a este surgidouro admiravel, para
salvar-se de todo, o que de outra sorte seria infallivel estrago, e notorio
perigo, conseguindo deste modo bonança na mais furiosa tormenta.»
António Cerqueira
Pinto, In: História da Prodigiosa Image..., 1737
“Quis Deus ou a Natureza que na foz do rio
Leça, a meio quarto de légua da costa, se elevasse das águas atlânticas um
conjunto de rochedos a que os homens deram o nome de «Leixões». Eram o
«Espinheiro», a «Alagadiça», o «Leixão» grande e pequeno, como grande e pequeno
eram também os rochedos da «Lada». Mas havia também o «Tringalé», o
«Galinheiro», o «Cavalo de Leixão», a «Quilha», a «Baixa do Moço», o
«Fuzilhão», o «Baixo do Leixão Velho» e muitos outros…
Desígnio divino, ou tão só caprichosos
afloramentos graníticos, que os geólogos classificam de grão médio ou
gnáissico, os Leixões descreviam um semí-circulo no mar, formando como que um
porto de abrigo natural.
Numa costa frequentemente assolada por
tempestades e nevoeiros, perigosos dada a existência de abundantes penedias
traiçoeiras só visíveis nas vazantes, e que muito contribuíram para o sombrio e
nefasto título de «Costa Negra» dado a esta região durante séculos, o refúgio formado
naturalmente pela enseada dos Leixões não poderia deixar de escapar à atenção e
argúcia dos Homens. E, com efeito, desde a mais recuada Antiguidade é a
intervenção humana, mais do que a natural ou a do Criador, que moldará a
história de Leixões. Mesmo que, para tal, muitas vezes tenham os mortais
enfrentado as adversidades impostas pela natureza, e outras tantas tenham
vencido o que pareceu ser a oposição do divino ou, quem sabe, a vontade do
Demo.
Não bastavam já os Leixões, também o próprio
rio Leça contribuía e reforçava o apelo ao abrigo. Deslizando suave, nesta
etapa final da sua viagem, o rio desaguava num convidativo estuário, navegável
para montante até uma distância considerável. Tais potencialidades eram já
aproveitadas no 1º milénio A.C. quando, muito próximo da sua embocadura, numa
elevação da margem esquerda que hoje designamos por Monte Castêlo, surge um
importante povoado da Idade do Ferro: o Castro de Guifões, habitado por
Brácaros Galaicos. Na base do morro, junto ao rio, desenvolver-se-ia,
seguramente, uma estrutura portuária, ainda que incipiente. Os achados
arqueológicos recolhidos vêm atestando da chegada – por via marítima - de
produtos originários de paragens longínquas.
Colonizado pelos romanos, a partir do século
I A.C., o Castro de Guifões pertence agora, e insere-se com assinalável
sucesso, no vasto espaço económico e comercial que é o Império Romano.
Salvaguardadas pelos Leixões e conduzidas até à elevação onde se implantava
este povoado através do rio Leça, as embarcações da época aqui fazem chegar
produções agrícolas do sul da Península, conserva de peixe do estuário do Sado,
cerâmicas e outras expressões da cultura material de Itália, sul de França,
norte de África, oriente mediterrânico… Desta forma, a foz do Leça transformava-se,
há já dois mil anos, num importante interface portuário e comercial da região,
muito especialmente para os restantes povoados que se implantavam na bacia
deste rio ou nas suas cercanias. E, desde então, ao longo da História, não mais
a foz do Leça e o seu porto marítimo-fluvial deixaram de possuir tal
importância. Por vezes a uma escala regional reduzida, muitas outras
influenciando vastas áreas.
Entretanto o domínio romano resultara,
igualmente, num povoamento mais disperso e contribuíra para uma maior
aproximação das populações ao litoral marítimo e às margens fluviais. Neste
contexto, ainda durante os primeiros séculos da nossa Era, iniciar-se-á a
ocupação do espaço hoje coincidente com a cidade de Matosinhos-Leça. E se para
esta última freguesia, implantada na margem direita da foz do rio Leça, uma vez
mais a arqueologia revelou recentemente provas dessa ocupação tão remota, para
o caso de Matosinhos, na margem esquerda, é a própria origem do topónimo que,
segundo alguns investigadores, está decisivamente associada à época romana e à
origem do porto.
Nos documentos mais antigos em que surge
grafado o nome de Matosinhos, datados do século X e redigidos em latim, este
aparece designado por Matesinus, topónimo que, por si só, é de difícil
explicação ou significado.
Contudo, subdividindo a palavra surgem
interessantes indícios explicativos da origem do topónimo. Com efeito sinus
significava em latim, e muito particularmente para os romanos, recorte no
litoral, côncavo na costa… porto de abrigo natural. Ou seja, algo que, como já
analisamos, se adaptava perfeitamente à realidade geo-topográfica que os
romanos aqui encontraram, devido à existência dos Leixões. De resto, o vasto
mundo romano está repleto de topónimos que têm a referida designação sinus na sua
origem ou como componente. Um outro exemplo elucidativo, em Portugal, é o de
Sines.
Explicada a origem de metade da palavra,
resta perceber o significado de Mate. Uma vez que os romanos tinham por hábito
baptizar com o nome de divindades, imperadores, heróis ou figuras retiradas da
mitologia as principais cidades, portos e outros locais de interesse
geo-estratégico que fundavam ou conquistavam, é nesse campo que alguns
estudiosos encontraram uma possível e, no mínimo, curiosa explicação. É que,
com efeito, existe uma personagem mitológica, filho de Hércules, cuja
designação – Amato – poderia facilmente estar na génese do actual topónimo.
Matosinhos resultaria assim, como sabemos, de Matesinus e este, por sua vez,
poderá derivar de Amato sinus: o porto de abrigo do filho de Hércules.
Porto de abrigo natural que, de facto,
durante muitos séculos salvou milhares de vidas de marítimos, mareantes,
passageiros e pescadores. Porque, como escrevia Marino Franzini, em 1812:
«talvez seja este o único ponto desta costa
que oferece algum abrigo às embarcações acossadas pela travessia; e, em todo o
caso, é a única paragem onde as equipagens podem ter esperanças de salvação
quando seja inevitável encalhar. Os barcos de pilotos e pescadores quase sempre
podem sair ao mar partindo deste ponto, quando pela ressaca é isso impraticável
em outra qualquer paragem da costa.»
Mas, de porto de abrigo natural Leixões
converter-se-á, no final do século XIX, numa gigantesca estrutura portuária
artificial. Num dos mais dinâmicos locais onde a Europa encontra e abraça o
Atlântico”.
Fonte – Site:
“apdl.pt”
Numa costa muito traiçoeira para a navegação, ficou célebre o
naufrágio, ao largo de Leixões, do vapor “Olga”, em 3 de Janeiro de 1879.
Naufrágio do vapor ”Olga”
Soares dos Reis
estreou-se como repórter artístico do "Occidente", com o desenho do
vapor inglês "Olga" que havia sido abalroado pelo vapor da marinha
mercante francesa "Constantin". O "Olga", que sofreu danos
irreparáveis, veio a encalhar na praia de Matosinhos, e Soares dos Reis
dirigiu-se ao local do sinistro onde registou, em desenho, o acontecimento.
Foz do rio Leça com
Matosinhos em fundo - Ed. César Reis
Foz do rio Leça com
Matosinhos em fundo
Foz do Rio Leça com
vista sobre Matosinhos
Na foto acima o
arruamento em frente é a Rua Heróis de França e à direita está o quartel da
guarda- fiscal ainda existente.
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