“No relatório da gerência da Câmara Municipal do Porto, da
presidência do visconde de Lagoaça, referente ao biénio 1858/59, leio este
trecho: "Na freguesia de S. João da Foz fizeram-se consideráveis melhoramentos,
como no Largo do Castelo, Rua de S. Bartolomeu e na maior parte da Rua da
Senhora da Luz, tudo pelo sistema de macadame".
O projeto para o arranjo de toda a zona envolvente do
castelo de S. João da Foz do Douro é, efetivamente, de 1858. Nesse ano, a 16 de
dezembro, para sermos mais concretos, a Câmara do Porto oficiou ao
procurador-geral da Coroa a quem pedia "um decreto que a autorizasse a
levar a efeito algumas expropriações de terrenos compreendidos na esplanada do
castelo para que nos terrenos expropriados se leve a efeito um boulevard",
assim mesmo, à francesa. Em português diz-se bulevar que significa ampla avenida
ladeada de árvores.
Como se sabe, as ordenações militares portuguesas proibiam,
desde os começos do século XVIII, a construção de casas e de quaisquer outros
edifícios em terrenos que circundavam as chamadas praças de guerra em que
estavam incluídos os castelos, os fortes, os fortins e as fortalezas.
Mais: nos campos adjacentes a essas praças não era sequer
permitido lavrar, semear ou plantar, fosse o que fosse. Mas, por meados do
século XIX, essas leis estavam ultrapassadas e a Câmara do Porto, com o argumento
de que naquele tempo a esplanada do Castelo era, na estação dos banhos, o mais
concorrido local da Foz do Douro, queria modernizá-la. E foi isso que fez.
Cinco anos depois, a Foz, no verão, era uma das zonas da
cidade mais frequentadas pela burguesia portuense e por famílias provenientes
da região duriense. Já lá existia, desde 1835, o Hotel Boa-Vista que em 1863, a
fazer fé numa crónica do "Jornal do Porto" de agosto desse ano, era
um dos quatro centros de conversação que havia na Foz daquele tempo. Os outros
três, segundo o referido jornal, eram a praia, pela manhã; a Cantareira, pelo
entardecer; e a botica a qualquer hora do dia.
O cronista especificava: "Na praia fala-se de banhos e
de cada um; na Cantareira diz-se que a Foz é uma terra estúpida e que acabará
um dia sufocada em sensaboria e poeira; no hotel ao redor da mesa do bilhar
discutem-se as tacadas, os truques e as carambolas; e na botica contam-se as
vítimas do garrotilho".
A farmácia, entretanto desaparecida, ficou célebre, também,
por causa da ação cívica e cultural que o seu proprietário desenvolveu na zona.
Foi ele o conhecido Francisco Amorim de Carvalho, fundador, na Foz, de um clube
a que foi dada a curiosa denominação de Rigollot. Era frequentado pelas mais
altas figuras da cultura, da política e da sociedade. Nos últimos anos do século
XIX passaram pelo Rigollot ministros, professores catedráticos, titulares,
militares de alta patente e até magistrados. O barão de Paço Vieira, que foi
juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, chegou a desempenhar as
funções de presidente do Clube Rigollot.
O arranjo a que se procedeu nos terrenos que envolviam o
castelo de S. João da Foz do Douro conduziu ao desaparecimento do fosso que
rodeava a fortaleza.
Já no século XX os melhoramentos na esplanada do Castelo
prosseguiram. Em 17 de julho de 1907, ainda, portanto, no tempo da monarquia, o
Ministério da Guerra oficiou à Câmara do Porto informando-a de que estava
autorizada a dar continuidade do ajardinamento do Passeio Alegre até à
esplanada do Castelo. Satisfazia-se um pedido que havia sido feito pela
edilidade. Mas havia mais dois. E quanto a esses o Ministério disse o seguinte:
"Quanto à construção de um campo de ténis e de outro de futebol, o assunto
vai ser estudado". Pelos vistos chegou a ser projetado para a esplanada da
Foz um campo de futebol. O de ténis veio a concretizar-se.
Ali muito perto do castelo, ao longo da costa marítima,
estende-se a Avenida do Coronel Raul Peres. No desempenho dessas funções, o coronel
Raul Peres deu continuidade ao arranjo urbanístico que se continuou a fazer na
esplanada do Castelo. A evocação do seu nome na toponímia local deve ser vista
como um simples ato de justiça.
No gaveto da Rua da Senhora da Luz com a Avenida do Coronel
Raul Peres, onde agora se ergue um moderno mas inestético imóvel, existiu uma
das mais célebres pastelarias do Porto: a Casa Brasileira onde, nos idos de
quarenta e cinquenta do século XX, se reunia o melhor da sociedade portuense
daquele tempo. Era ali que os banhistas, depois do banho da tarde, iam tomar o
seu chã com torradas. A esplanada, que ficava na frente do edifício, era o
local preferido pelos frequentadores da casa para os seus chás das cinco. O
estabelecimento ostentava na frontaria o nome do proprietário: Carlos Teixeira
da Costa, avô de Jorge Nuno Pinto da Costa, o presidente do Futebol Clube do
Porto”.
Com a devida vénia a Germano Silva
Esplanada do Castelo, em 1907 - Ed. Guia Ilustrado da Foz, de
Joaquim Leitão
Da esquerda para a direita, é possível observar a
Confeitaria Brasileira, Mercearia Primavera e Alfaiataria High-Life. De notar
que a Confeitaria Brasileira, criada por Carlos Teixeira da Costa, quando este
regressou do Brasil, veio a mudar-se, mais tarde, em 1911, para edifício
próprio, na esquina da Esplanada do Castelo, com a Rua da Praia, onde esteve com
a designação de Casa Brasileira.
O carro eléctrico da foto acima com o nº 125 será um
Brill-23 (23 lugares sentados).
A linha 18, cuja placa de identificação o carro eléctrico
ostentava, era herdeira duma primitiva linha 18, assim começada também a identificar
a partir de 1912, mista, a vapor, entre a Boavista e Matosinhos, via fonte da
Moura e Cadouços e eléctrica entre a Praça da Liberdade e a Boavista.
Em Novembro de 1914, a tracção a vapor foi eliminada e aquela
rota, via Foz (Cadouços), fechada.
Por esta ocasião, o número da linha 18 desapareceu.
Os locais servidos por aquela linha 18 passariam a ser visitados
pelas linhas 2 e 2/.
Porém, a linha 18, reapareceria, desde 1934, durante a
realização da Exposição Colonial do Palácio de Cristal, com uma nova rota via
Palácio, Rua Júlio Dinis e Boavista.
Por isso, a foto acima, será posterior ao ano de 1934.
Casa Brasileira - Ed. P.C.
Perspectiva actual da foto anterior - Fonte: Google maps
Grupo de senhoras na Esplanada do Castelo junto da "Adega Vista Alegre", em 1928 - Fonte: AHMP
Quanto ao local da foto acima, ela foi obtida próximo da
Casa Brasileira (que se divisa em fundo, à esquerda), no gaveto da Rua da
Senhora da Luz com a Rua da Praia, estando
as senhoras voltadas para o Castelo de S. João da Foz.
À direita da Adega Vista Alegre, a poucas dezenas de metros,
encontraríamos o Cine-Foz.
Rua da Senhora da Luz
Cine Foz - In "portoarc.blogspot"
O edifício da foto acima, com o logradouro encostado ao que
apresenta uma varanda, é o Cine Foz.
Farol da Senhora da Luz e Ermida da Senhora da Luz
O Farol da Senhora da Luz é um farol português, já
desactivado, classificado como Imóvel de Interesse Municipal (IIM), que se
localizava no Monte da Luz, lugar privilegiado, cuja vista se estende da barra
do Douro até Espinho, na freguesia da Foz do Douro. O Farol ficava ao cimo da
actual Rua do Farol.
Foi construído no cimo do Monte da Senhora da Luz, junto da Ermida da Senhora da Luz, à época
existente no mesmo local, mandada construir pelo bispo D. Miguel da Silva em
1536, numa torre na qual foram colocadas 3 candeias para ajudar à navegação dos
mareantes que demandavam o rio Douro.
Em 1680, estando a capela em ruína, foi recuperada com as
dádivas de mercadores do Porto, sendo o Farol da Senhora da Luz, mantido pela
boa vontade da confraria do mesmo nome.
Em 1 de Fevereiro de 1758, por alvará do Marquês de Pombal é
determinada a construção de um farol, no mesmo local, devido às dificuldades de
entrada no Rio Douro.
O farol era constituído por uma pequena torre hexagonal no
cimo de um torreão quadrangular, no lado Oeste de um edifício de dois andares,
encimado por uma lanterna verde, hoje, já retirada, e substituída por um
telhado.
Em 1761, estava construído e já dotado de uma estrutura capaz
de lhe granjear a designação de farol, sendo assim, o primeiro farol que
existiu na costa portuguesa.
Em 1814, foi destruído por um raio, mas foi recuperado e
sucessivamente modernizado.
Durante as lutas entre liberais e miguelistas foi o local,
bateria de guarnição daqueles e foi completamente destruído e recuperado, posteriormente.
A importância do farol durante o conflito foi imensa, já que
era pelo porto de Carreiros, sobranceiro ao farol, que os abastecimentos ao
Porto eram feitos, pois, o rio Douro, devido à tomada de Gaia pelos
miguelistas, ficou intransitável.
Quanto à Ermida da Senhora da Luz seria em 1832, desactivada,
mas, no entanto, algumas dezenas de anos após, a romaria à Senhora da Luz ainda
se realizava e era muito concorrida.
Em 1865, foi substituído o antigo aparelho com candeeiros de
Argand e reflectores parabólicos, por uma óptica de Fresnel de 4ª ordem.
Em 1913, 18 de Dezembro, é iniciada uma modernização deste
farol, o qual passa a emitir clarões de cinco em cinco segundos, com o alcance
de trinta e oito milhas, tendo dirigido estas obras de beneficiação o oficial
de Marinha A. Newparth.
Quanto à data da sua desactivação, há algumas divergências.
Segundo a Marinha Portuguesa, terá sido desactivado em 1926, devido à entrada
em funcionamento do Farol de Leça, outras fontes, porém, indicam o ano de 1945, como o ano da sua desactivação, devido às obras de modernização do Farolim de
Felgueiras.
Farol da Senhora da Luz, em 1833 - Ed. J. Villanova
Farol da Senhora da Luz em 1858, observando-se, à esquerda, uma estação semafórica de palhetas ou janelas, existente há dezenas de anos e, à direita, num mastro, uma outra que estava sob a alçada da Associação Comercial
do Porto - Ed. Frederick William Flower (prova actual em papel salgado, a partir de calótipo)
Farol da Senhora da Luz, c. 1900 – Ed. Alberto
Ferreira–Batalha-Porto; Fonte: CMP, Arquivo Histórico Municipal
Farol da Senhora da Luz, em 1925
Farol de Nossa Senhora da Luz - Casa do farol (antiga torre
e a lanterna foram substituídas pelo telhado de quatro águas)
A alguns metros do edifício principal, existe
uma pequena torre octogonal, de dois pisos, em alvenaria revestida a reboco
caiado de branco, com cinco metros de altura. Possui uma pequena e íngreme
escada exterior em pedra, com guardas de ferro. Até meados do século XX, serviu como posto de vigia.
No afloramento granítico, anexo ao complexo, foram
recentemente descobertas, um conjunto de gravuras rupestres.
Torre hexagonal (antigo posto de vigia)
Bem próximo, entre a actual Praça de Liège e a Rua do
Crasto, corre a Rua do Dr. Sousa Rosa que, antes, foi denominada de Rua do
Monte e, posteriormente, de Rua de Lima Júnior e que, veria o seu nome ser alterado
no início da década de 1950.
A Rua do Monte já aparece identificada em 1892, na planta de
Teles Ferreira, sendo perpendicular à Rua do Crasto e à actual Rua da Agra
(assentamento da antiga Ribeira de Gondarém).
Este território fazia parte, então, do Povoado das Areias
Altas, onde foi identificada a presença do homem na idade do Bronze Regional.
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