O rio da Vila é um ribeiro da cidade
do Porto que desagua no rio Douro que com o desenvolvimento urbano acabou por ser totalmente encanado.
O rio da Vila formava-se com as águas de dois mananciais em
frente à igreja dos Congregados e corria a desaguar no rio Douro.
Um, nascia na zona da
actual Praça do Marquês do Pombal, precisamente, na Rua de S. Brás,
nas traseiras do cemitério da Lapa, atravessava a Rua de Camões e descia pela Quinta do Laranjal (a Avenida dos
Aliados dos nossos dias), passava pelo antigo Campo das Hortas (actual Praça da Liberdade), alimentando hortas e
lavadouros.
Da Rua dos Clérigos e da Rua do Almada, umas pequenas linhas
de água se lhe juntavam.
O outro, tinha a sua
origem nas elevações da Fontinha, e que
ao passar no lugar de Fradelos lhe chamavam Ribeiro de Fradelos, seguia descendo
pelo actual Mercado do Bolhão (onde se lhe juntavam as águas de mais um
pequeno ribeiro), continuando pelo que é, hoje, a Rua Sá da Bandeira
(mais, propriamente, pela Rua do Ateneu Comercial) e, pelas traseiras do Teatro
Sá da Bandeira, atingia a Rua de 31 de Janeiro.
Os dois ribeiros
juntavam-se no local da Praça de Almeida Garrett em frente à Estação de S.
Bento, formando o rio da Vila, no qual a cidade foi depositando todas as
imundices ao longo dos séculos, transformando-o progressivamente, num
verdadeiro esgoto a céu aberto e num foco infeccioso.
Praça Almeida Garrett e, em fundo, a Avenida da Ponte, em 1950
Trajecto do Rio da Vila
Legenda:
1. Igreja dos Congregados
2. Avenida dos Aliados
3. Igreja da Trindade
4. Mercado do Bolhão
5. S. Brás
6. Fontinha
9. Regato (azul) que vem da Rua do Bolhão
Trajecto entre 7 e 8 (amarelo) – Desvio feito em 2017 para desviar o ribeiro da área do Bolhão, passando a correr encanado no leito subterrâneo da Rua de Sá da Bandeira.
Trajecto entre 7 e 8 (amarelo) – Desvio feito em 2017 para desviar o ribeiro da área do Bolhão, passando a correr encanado no leito subterrâneo da Rua de Sá da Bandeira.
A planta acima
mostra os dois ribeiros, que junto da Porta de Carros se unem, formando o
antigamente chamado Rio da Cividade e, a partir de 1354, Rio da Vila.
O primeiro, nascido
no Monte de S. Brás, passa sob a Rua de Camões, (servia os lavadouros da
Trindade), passa por baixo da igreja da Trindade, da Câmara e da Avenida dos Aliados, (então
Laranjal), pelo lado Nascente da Praça da Liberdade e une-se ao segundo em
frente à Igreja dos Congregados.
Praça da Liberdade
mostrando restos dos encanamentos, há muito escondidos, por onde circulavam as
águas vindas do Monte S. Brás, postos a descoberto aquando dos trabalhos da construção
da nova estação S. Bento/Liberdade, da futura Linha Rosa – Cortesia de Manuel
Aleixo
O segundo nasce na
Fontinha, passa em Fradelos, Bolhão e desliza sob a actual Rua do Ateneu
Comercial.
“ O curso do rio
da Vila seguia ziguezagueando pelas trazeiras das casas da Rua das Flores,
torcendo um pouco abaixo da Ponte Nova para o lado da extinta Rua da Biquinha,
a meio da qual, em pronunciada curvatura, flectia para a Rua de S. João e em
linha recta dirigia-se ao Rio Douro.”
Fonte: revista
“O Tripeiro” da VIª série, Ano VIº, Nº 8, Setembro de 1966
No seu percurso, o rio da Vila corria, então, onde hoje se
encontram as ruas de Mouzinho da Silveira e de S. João, desaguando no
Douro, junto da Praça da Ribeira.
Percurso do Rio da Vila (a azul) entre a Rua de S. João e a
Rua das Fores, quando a Rua Mouzinho da Silveira ainda não existia
Legenda:
4. Beco do Cadavai
XV. Largo de S. Roque
2. Rua da Biquinha
3. Rua das Congostas
1. Actual Viela do Anjo
O rio da Vila aparece já indicado no documento de doação de
D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, do burgo portucalense ao Bispo D. Hugo.
É designado como Canallem maiorum, por contraponto ao
"canal menor", que seria o Rio Frio, mais para poente. Foi, também, conhecido por rio da Cividade, por passar perto do Morro da
Cividade e rio de Carros por passar
junto à porta da muralha com o mesmo nome.
“Em 1336, D. Afonso
IV, filho de D. Dinis, deu início à construção da chamada muralha gótica que,
por ter terminado durante o reinado de D. Fernando, ficou conhecida por muralha
fernandina.
A obra arrastou-se por
um longo período de trinta e oito anos. Deve ter sido durante o tempo que
duraram os trabalhos da construção do muro novo que se realizou o encanamento
dos ribeiros que se juntavam no largo fronteiro ao antigo mosteiro das monjas
beneditinas de S. Bento da Ave-Maria.
Sabe-se, com efeito,
que em 1409, no tempo de D. João I, as águas dos dois ribeiros já corriam
encanadas. Refere-o o historiador Horácio Marçal num trabalho sobre o rio da
Vila.
Quando afirma que uma
das designações que o rio da Vila teve foi, também, a de "rio de
Carros", por atravessar o sítio em que na muralha da cidade se abrira esta
porta, o referido autor informa que tomou aquela designação "por correr no
subsolo da dita porta…". Assim deve ter sido porque não era possível, não
é pelo menos imaginável, que se construísse uma obra da envergadura da muralha
fernandina com dois ribeiros correndo a céu aberto junto dos alicerces e perto
de uma das mais importantes portas de entrada e saída do burgo.
Em 1927, na Praça da
Liberdade, na parte mais próxima da Praça de Almeida Garrett, realizaram-se
importantes obras destinadas à instalação de um enorme colector. Esses
trabalhos puseram a descoberto inúmeras galerias subterrâneas, algumas por onde
passariam os tais ribeiros, que durante algum tempo ficaram a céu aberto
expostas à curiosidade pública. Sobre essas galerias teceram-se as mais
imaginosas considerações atribuindo-lhes, segundo uma curiosa crónica do tempo,
"funções clandestinas de intercomunicações para os numerosos conventos de
frades e de freiras que por ali existiam…". Como é imaginosa a fantasia
popular…
O rio da Vila aparece
indicado no documento de doação de D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, do burgo
portucalense ao bispo D. Hugo. É o célebre "Canallem Maiorum", o que,
desde logo, deixa pressupor a existência de um canal menor. Seria este o rio
Frio, que nascia em terras do Couto de Cedofeita, nas proximidades da actual
Rua da Torrinha, passava pelo sítio onde hoje está o Hospital de Santo António,
abastecia a Fonte das Virtudes, corria ao longo do areal da praia de Miragaia e
desaguava no Douro no local onde se construiu o edifício da Alfândega nova.
Voltemos, porém, ao rio da Vila. Esta não foi a única designação que teve,
conforme já foi referido na peça ao lado. Primitivamente era conhecido pelo rio
da Cividade, por passar perto deste sítio emblemático do velho burgo. Em 1409
era o rio de Carros por correr no subsolo desta porta aberta na muralha
fernandina e que ficava em frente à igreja dos Congregados. Mas com a
designação de rio da Vila é que passou à história. Em 1763 a parte deste rio
próxima da Ribeira foi coberta com a construção da Rua de S. João. E em 1875
com a abertura da Rua de Mouzinho da Silveira foi encanado na parte que ainda
estava a descoberto.”
Com a devida vénia a Germano Silva
Rio da Vila devidamente encanado - Ed. Miguel Nogueira (Porto Digital)
A partir
de 1763, o trajecto do rio da Vila, próximo da Ribeira, começou a ser
encanado, com a construção da Rua de S. João e ficaria, a partir daquela data,
a correr à superfície, apenas, desde do começo do cimo da actual Rua Mouzinho
da Silveira até ao início da Rua de S. João.
“Na Rua de S. João
havia azenhas onde se moía o cereal com que se fazia o pão que a cidade comia.
E isto ainda no século XVIII. Com efeito, há um documento datado de 26 de
julho de 1765, guardado no arquivo municipal, em que se dá conta de que naquela
data "o cidadão do Porto Vicente José de Sousa Magalhães e mulher"
venderam à Câmara, "pelo preço de 1128$800 réis uma azenhas e casas com
seus quintais" para se abrir a Rua de S. João desde São Crispim até à Rua
dos Ingleses. Esta última artéria é, na atualidade, a Rua do Infante D.
Henrique.
A Rua da Ponte Nova
evoca a existência de uma ponte sobre o rio da Vila que ligava a Rua das Flores
à Rua da Bainharia. Debaixo do arco de pedra desta ponte existia uma arca,
também de pedra, "muito bem trabalhada" onde se retinha a água de
uma fonte muito antiga que estava situada na margem direita do rio da Vila. À
água dessa fonte, que brotava de uma bica de ferro, o povo atribuía virtudes
raras como, por exemplo, a de curar "certas moléstias dos olhos", desde
que estes fossem lavados nesta fonte antes do nascer do sol. A bica desta
fonte deu origem ao nome de uma rua entretanto desaparecida: a Rua da Biquinha
O hospital e a capela
de São Crispim ficavam, naquele tempo, no início da Rua da Biquinha. Com as
obras da abertura da Rua de Mouzinho da Silveira, a capela foi reconstruída
ao cimo da antiga Rua de São Jerónimo, hoje de Santos Pousada.
Uma outra ponte muito
bonita, que atravessava o rio da Vila, existia, mesmo em frente à rampa que da
Rua de Mouzinho da Silveira ainda hoje sobe para o largo de São Domingos,
onde, já em 1497, havia "boas estalagens para peregrinos e
viandantes", lê-se num documento do desaparecido hospital de Santa Clara.
A ponte ficava mesmo ao cimo da Rua de S. João. Era toda de pedra e muito bem
trabalhada”.
Com a devida vénia a Germano Silva
Em 1875, com
a abertura da Rua Mouzinho da Silveira, o Rio da Vila foi encanado na
parte que ainda estava a descoberto. Obras posteriores, como a construção
da Avenida dos Aliados, na segunda década do século XX, foram
condenando ao subsolo também os mananciais do rio da Vila.
Foz do Rio da Vila na Ribeira
É evidente que,
durante muito tempo, as águas daqueles referidos ribeiros (com origem em S.
Brás e na Fontinha) correram a céu aberto, sendo aproveitadas para rega de
hortas e abastecimento de lavadouros.
Uma dessas hortas,
segundo refere Alberto Pimentel na sua obra "A Praça Nova", era uma
horta que já vinha do tempo do conde D. Henrique e que, em determinada ocasião,
pertenceu a uma alta figura do clero com o nome de Hilário e, por isso, veio a
ser conhecida como a Horta do Hilário.
O mesmo autor alude,
ainda, à existência no século XVII de um lavadouro chamado da Maria Manuela,
que também era abastecido pelo caudal do ribeiro que vinha das bandas do
Marquês.
A 7 de Janeiro de
2023, em virtude de obras de ampliação das linhas de Metro do Porto (que teria
interrompido, temporariamente, algumas linhas de escoamento de águas) e de um
aumento da pluviosidade na cidade, não tendo sido previstos os aumentos dos
caudais dos dois ribeiros que formam o rio da Vila, este transbordou.
Foram grandes os
prejuízos para todos que foram afectados pelo incidente, mas também um momento
interessante para os portuenses tomarem conhecimento da existência do rio da
Vila que, para muitos, sempre esteve escondido.
As obras para
instalação das novas linhas do Metro implicarão que o antigo trajecto do rio da
Vila seja substituído num troço de cerca de 500 metros.
Rio da Vila e a origem da sua onomástica
Mas, rio da Vila…de
que Vila?
Este assunto foi
suficientemente esclarecido por Horácio Marçal, na revista “O Tripeiro” da VIª série,
Ano VIº, Nº 8, Setembro de 1966, quando argumenta:
Sobre os dois extratos
de textos, supra, Horácio Marçal conclui que no foral, em 1123, o burgo era
identificado como Vila e, no texto de 1339, embora continuasse a ser
identificado como Vila, também já era feita referência à Cidade.
Uma das hipóteses
colocadas pelo historiador, era que a referência a Vila se mantinha, passados
duzentos anos, por tradição, ou o conceito de Vila se referiria, apenas, à
Cerca do Castelo, nas circundâncias (intramuros) da Catedral, ao morro da
Cividade.
Por estar mais
inclinado para esta última hipótese, concluía que a origem onomástica do rio da
Vila reportava ao seu trajecto que tornejava
pelo norte e poente a primitiva cerca do burgo portuense.
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